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Acordo de Paris: os 5 anos do pacto climático que mudou o mundo

Em 12 de dezembro de 2015, 192 países se comprometeram a reduzir as emissões para salvar o planeta. A economia mudou, mas o mundo segue aquecendo

Assembleia da ONU que ratificou a asinatura do tratado climático: o mundo nunca mais foi o mesmo (JEWEL SAMAD / Correspondente/Getty Images)
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Rodrigo Caetano

Publicado em 11 de dezembro de 2020 às 06h00.

Há cinco anos, 192 países fizeram um pacto para salvar o planeta da destruição. Ao menos esse era o espírito no dia 12 de janeiro de 2015, quando foi assinado o Acordo de Paris . O mundo debatia as mudanças climáticas há quase quatro décadas. Tudo começou no Brasil, na Eco 92, primeiro evento sobre o clima a reunir os principais líderes mundiais. Em Paris, fechou-se um ciclo. O ambientalismo se tornou mainstream.

O Acordo de Paris promoveu mudanças na economia global. O efeito mais nítido está no setor de energia . Para reduzir as emissões, a maioria dos países desenvolvidos embarcou na transição energética, transformando as fontes renováveis em um dos setores mais vigorosos do mercado -- é verdade que as energias limpas já vinham crescendo, mas, nos últimos cinco anos, se tornaram mais competitivas do que as fontes de origem fóssil.

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A assinatura do tratado foi um sinal para o mercado. Grandes investidores e empresas passaram a planejar a mesma transição. O resultado disso se manifesta na série de compromissos e revisões estratégicas promovidas em quase todos os setores. Por exemplo:

Um relatório produzido pela consultoria Systemiq aponta que as tecnologias de baixo carbono, provavelmente, crescerão ainda mais rápido na próxima década. “Nós sabemos que ações inadequadas se traduzem em riscos climáticos. O ‘efeito Paris’ deixa claro que posturas erradas representam o risco econômico de perder a próxima onda de desenvolvimento”, afirma Nicholas Stern, que dirige o instituto Grantham Research para mudanças climáticas e meio ambiente na London School of Economics. “Investidores e formuladores de políticas públicas inteligentes vão mirar as oportunidades dessa nova economia.”

Se por um lado as mudanças na economia são visíveis, por outro, seus benefícios ainda não são facilmente verificáveis. Um estudo do Climate Policy Initiative, organização que analisa o fluxo de investimentos nos setores de baixo carbono, aponta que, até o momento, nenhum grande país ou região está descarbonizando o suficiente para atingir as metas do Acordo de Paris. “Essa tendência é particularmente preocupante na China, na Índia, no Japão e na África do Sul. Apesar dos seus ativos intensivos em carbono existentes, esses países continuam a investir em geração de energia de alta emissão”, diz o relatório.

Uma breve história do Acordo

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Na cidade de Estocolmo, em 1972, o mundo via a primeira demonstração pública de que países começariam a se preocupar com a questão ambiental. A capital da Suécia foi pioneira entre as cidades a sediar uma conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o tema. Na ocasião, a pauta para os 113 países presentes era a relação entre a sociedade e o meio ambiente.

Um intervalo considerável de tempo marcou o encontro dos líderes mundiais e o próximo evento global de destaque sobre o clima. Exatos vinte anos após a Conferência de Estocolmo, a Conferência Eco 92, que aconteceu no Rio de Janeiro em junho daquele ano, reuniu representantes de 178 países para retomar a agenda sustentável e endereçar ações concretas de proteção ao meio ambiente.

O evento em solo brasileiro foi determinante para situar o país entre os principais articuladores do clima. “Duas décadas depois, os países já tinham consciência de que o clima era fruto da atividade humana e isso acelerou as articulações sobre o tema”, diz Carlo Pereira, presidente do Pacto Global, programa de sustentabilidade corporativa da ONU. A Conferência também lançou as bases para a criação do Protocolo de Quioto, em 1997.

Discutido e negociado no Japão, o protocolo estabeleceu compromissos mais rígidos para os países desenvolvidos na redução das emissões de carbono, expressando uma preocupação crescente com o aquecimento global. Para que o protocolo entrasse em vigor, foram necessários 8 anos. A demora está relacionada à exigência de que ao menos 50% dos envolvidos ratificassem o acordo. Mesmo com o tempo de aprovação longo, o protocolo não atraiu países determinantes como Estados Unidos - que alegaram o impacto negativo das reduções de carbono na economia industrial.

Com o Acordo de Paris, países em franco desenvolvimento como Brasil, México, Argentina e Índia também passaram a apresentar suas metas, mesmo que de forma voluntária. O novo acordo levou menos de 1 ano para entrar em vigor - tempo mais rápido para aprovação de qualquer acordo ambiental até o momento. Firmado em 2015, o documento reúne as assinaturas de 192 países que se comprometeram a reduzir suas emissões para assegurar que o aumento da temperatura média global fique abaixo de 2°C.

A principal herança de Paris, segundo Pereira, é o estabelecimento das contribuições nacionalmente determinadas (CNDs). “As contribuições são o grande gol do Acordo de Paris, pois incentiva todos os países, sem exceções, a pensarem em soluções viáveis e condizentes com as suas realidades”, diz.

Além das contribuições, o acordo estabeleceu a meta anual de 100 bilhões de dólares em transferência de recursos e tecnologias para a redução das emissões de gases de efeito estufa dos países mais ricos para os em desenvolvimento. “O acordo trouxe uma primeira estrutura para a discussão do que chamamos de mercado de carbono. Até então, não havia nenhum mecanismo para que houvesse transferência de recursos entre países”, diz Pereira.

Brasil: de líder a pária global

A ex-presidente Dilma Rousseff durante a assembleia da ONU que ratificou o Acordo de Paris, em maio de 2016 (JEWEL SAMAD / Equipe)

A promessa do Brasil para o Acordo está na redução dos gases do efeito estufa em 43% até 2030. Para atingir essa meta, o país anunciou compromissos como o combater o desmatamento ilegal até 2030, o reflorestamento de 12 milhões de hectares e uma matriz energética composta por 45% de fontes renováveis.

Na última semana, o ministro do meio ambiente Ricardo Salles, anunciou que o governo brasileiro estendeu o prazo para zerar a emissão de gases do efeito estufa para 2060, mas que poderá reduzir esse prazo se houver uma compensação anual de 10 bilhões de dólares em projetos brasileiros. O mesmo prazo foi estabelecido pela China, país com mais de 1 bilhão de habitantes.

A nova meta representa um enorme retrocesso na política climática brasileira. “A NDC anunciada é insuficiente e imoral. A redução de 43% nas emissões em 2030 não está em linha com nenhuma das metas do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a menos de 2°C ou a 1,5°C. Ela nos levaria a um mundo cerca de 3°C mais quente se todos os países tivessem a mesma ambição”, afirma Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.

Em briga com o passado

Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente: “Negar a verdade, a ciência e o que nós mesmos fizemos é de uma miopia muito grande” (Elza Fiúza/Agência Brasil/Agência Brasil)

Para Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente (2010-2016), o Brasil parece estar em briga com o próprio passado. “A sustentabilidade foi uma preparação do século 20 para o século 21”, diz Teixeira. “E o Brasil liderou boa parte das discussões. Não havia um tema ambiental sequer que não fôssemos chamados à mesa. Agora, estamos olhando de fora. A impressão que eu tenho é de que nunca superamos o 7 a 1 e passamos a jogar como time de várzea.”

De país estratégico para o desenvolvimento global sustentável, o Brasil se tornou um entrave numa agenda que passa a dominar as negociações comerciais entre os países. Com isso, diz a ex-ministra, o governo se coloca numa posição frágil, propensa a ataques movidos por interesses externos.

“Negar a verdade, a ciência e o que nós mesmos fizemos é de uma miopia muito grande”, diz ela. “Não tem problema fazer mudanças. Mas, tem de conversar com a sociedade. Neste momento, devíamos usar a biodiversidade a nosso favor e não ficar guerreando. É natural e democrático discordar. Agora, de 10 questões, você debate 2 e avança em oito. Nós estamos empacados em 2 e perdendo as outras 8. É um perde, perde, perde”.=

Um novo mercado de carbono

A expectativa para a próxima Conferência do Clima da ONU (COP), prevista para novembro de 2021 em Glasgow, na Escócia, é a regulamentação do artigo 6º do Acordo, que determina a regulamentação do mercado de carbono, considerado uma espécie de “bala de prata” da nova economia.

“O fator mais importante no momento é mostrar que, através do artigo 6, as empresas podem ter contribuições materializadas para o Acordo de Paris, que hoje é o que determina as ações ambientais em todo o mundo”, diz Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável - CEBDS, associação que reúne cerca de 60 dos maiores grupos empresariais do país, com faturamento equivalente a cerca de 45% do PIB brasileiro.

De acordo com Marina, há uma grande expectativa por parte das empresas brasileiras por um mercado compulsório de carbono nacional, com consequência direta das novas diretrizes do acordo a partir de 2021. “Temos muitos setores que já estão olhando para isso. Vemos que essa será uma forma econômica e rápida para estimular uma economia com mais inovação e menos emissão e nosso trabalho será incentivar as empresas a mitigar suas emissões e o desmatamento”, diz.

No entanto, em adição ao mercado de carbono nacional, é preciso que exista uma governança climática e um combate ao desmatamento ilegal. “Hoje, nossa maior fonte de emissão é o uso das terras. Por isso, precisamos que estejam muito claras as respostas do Brasil para a resolução do nosso principal problema”.

Embasadas em novos compromissos ambientais globais e no reflexo direto da priorização norte-americana do governo Biden ao tema, valorizar a Amazônia, o combate ao desmatamento ilegal e o pagamento por serviços ambientais serão uma grande prioridade para a iniciativa privada brasileira nos próximos anos. “Temos empresas de diferentes setores respeitando medidas vitais de proteção, o que serve como uma sinalização para o restante do mundo de que, mesmo com legislações rígidas, o setor empresarial é responsável e pode ser uma referência”, diz.

A maior potência mundial está de volta ao jogo

John Kerry e sua neta: o "czar do clima" do novo presidente americano, foi quem negociou a entrada dos EUA no Acordo. (JEWEL SAMAD / Equipe)

A morosidade na negociação do artigo 6 também pode ser creditada, em parte, ao fato de que os Estados Unidos, maior economia e segundo maior emissor do mundo, estiveram resolvendo alguns problemas internos e não se preocuparam muito com o acordo. Na realidade, o presidente Donald Trump retirou a assinatura do país.

Mas, Trump perdeu a eleição e o próximo presidente, o democrata Joe Biden, promete voltar à mesa de negociação com o pé na porta. Para isso, ele escalou um combatente ao estilo Rambo: o herói de guerra e ex-secretário de Estado John Kerry.

Há exatamente um ano, Kerry lançou uma iniciativa de combate às mudanças climáticas batizada de World War Zero (guerra mundial zero, em tradução livre). Em sua visão, o tema deve ser tratado como um conflito de proporções globais, semelhante às duas Grandes Guerras do início do século passado. É este homem que, a partir de 20 de janeiro, comandará os esforços climáticos dos Estados Unidos sob a presidência do democrata Joe Biden.

O nome de Kerry se destacou entre as nomeações já anunciadas por seu cacife e por se tratar de um tema tradicionalmente relegado a um segundo plano. Sua nomeação, inclusive, inaugura uma posição no Conselho Nacional de Segurança: a de enviado especial da presidência para o clima. Seu poder será tão grande que ele está sendo chamado de “czar do clima” de Biden.

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“Os Estados Unidos logo terão um governo que trata a crise climática como a ameaça urgente à segurança nacional que ela é”, escreveu Kerry em seu Twitter. Aos 76 e atualmente ocupando o cargo de senador, o “czar do clima” de Biden serviu como secretário de Estado de 2013 a 2017, durante a gestão de Barack Obama.

Sua presença no governo também significa a chegada de outros nomes de peso da política americana, que fazem parte da World War Zero. Entre eles, os ex-presidentes Bill Clinton e Jimmy Carter; os ex-governadores Arnold Schwarzenegger, da Califórnia, e John Kasich, de Ohio; os artistas Leonardo DiCaprio, Sting e Ashton Kutcher.

Nova política climática

A expectativa para a presidência de Biden é de uma guinada completa na política ambiental dos Estados Unidos, que ficará mais parecido com a Europa de hoje do que com o país nos tempos da Guerra Fria, passado vangloriado por Donald Trump em seu saudosismo populista.

“As mudanças serão percebidas nos 100 primeiros dias”, afirma Stefano De Clara, diretor da Associação Mundial de Mercados de Emissões (IETA), entidade criada para estabelecer diretrizes de comercialização de carbono. “Em vários aspectos, será uma postura muito mais alinhada com a União Europeia.”

O velho continente é o bloco que vem puxando a agenda da nova economia. Lançado durante a pandemia, o programa Green Deal prevê mais de 600 bilhões de euros em investimentos na economia de baixo carbono. A Europa também pressiona para regulamentar o artigo 6 do Acordo de Paris.

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