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Na esteira do caso Daniel Alves, que demonstrou a eficácia do protocolo ‘No Callem’, criado em Barcelona, em resposta aos casos de violência sexual em locais de lazer, múltiplas leis estão sendo propostas ou sancionadas em estados e municípios brasileiros com o objetivo de prevenir episódios ou aprimorar o enfrentamento ao assédio e a violência contra mulheres. Uma delas, sancionada no início deste mês no estado de São Paulo, foi largamente criticada por especialistas, que apontaram falhas e omissões no texto da lei que a tornariam ineficaz.

Poderíamos acusar uma lei específica de ineficácia, mas vale lembrar que o reconhecidamente eficaz protocolo que a inspira não se trata de uma lei, mas de uma cartilha, que suscitou e orientou o engajamento voluntário do setor privado. O que está em questão, neste momento, é a oportunidade de nos redimirmos da omissão coletiva a um problema tão grave e tão conhecido e promovermos a integração de estabelecimentos, empregadores, fabricantes de bebidas alcóolicas, forças policiais, serviços de saúde especializados e sistema de justiça para realmente avançarmos no espírito da lei: a proteção da vida e da dignidade das mulheres bem como seu direito ao lazer.

A simples atenção dos legisladores, dos estabelecimentos e da sociedade para o tema é um bom sinal, ainda que tardio. Afinal, a correlação entre a ocorrência de casos de assédio e violência contra a mulher em locais como bares, casas noturnas, casas de show é largamente conhecida e pouco abordada, seja pelas políticas públicas ou pelos protocolos privados. Portanto, são bem-vindos a atenção e o engajamento responsável dos estabelecimentos, pois se são um espaço de vitimização, podem ser também um espaço de prevenção, acolhimento e resposta eficaz. Neste sentido, quais são os elementos de um protocolo eficaz?

De dentro para fora: Vale lembrar que o assédio e a violência em espaços de lazer atingem também, discutivelmente com maior frequência, as mulheres que lá trabalham. Portanto, um bom protocolo deve olhar, em primeiro lugar, para essas colaboradoras, buscando assegurar-lhes treinamento para identificação e prevenção de casos, canais de denúncia e políticas de encaminhamento, para que tenham acesso a um ambiente de trabalho seguro e livre de violência.

Prevenção de episódios: Descrever e nomear as diferentes formas de assédio e violência são um passo importante para ajudar colaboradoras e frequentadoras a reconhecerem os casos e intervir oportunamente. Ainda há em nossa cultura bastante confusão e silenciamento a respeito do que constitui assédio e violência, principalmente em locais e ocasiões em que a paquera é o nome do jogo. Por isso mesmo é fundamental dar clareza a este tema, tão mal-entendido, nos treinamentos e na vivência, evidenciando-se a importância do consentimento livre, consciente, expresso e circunstancial, bem como as consequências da sua ausência.

Estudar situações possíveis com antecedência e promover o treinamento da equipe em intervenções em favor das vítimas, tais como abordagens preventivas, divulgação dos meios de denúncia, acionamento da segurança, encaminhamento às autoridades e proteção da mulher são fundamentais, antes que a situação de crise se instale.

Proteção da vítima: o foco central de qualquer política de enfrentamento ao assédio e a violência deve ser a proteção da vítima. Isto envolve o acolhimento humanizado feito por uma pessoa com um conhecimento básico dos sinais e efeitos da violência sobre a vítima e informação sobre encaminhamento rápido e eficaz à rede de proteção pública disponível, sempre respeitando a autonomia da vítima. Uma vítima de estupro deve ser encaminhada ao serviço de saúde especializado para acesso aos procedimentos profiláticos aplicáveis, bem como recolhimento de provas para a responsabilização dos agressores.

Vale à pena resgatarmos o exemplo do protocolo ‘No Callem’ vigente em Barcelona, pela prioridade na proteção da vítima agredida. Lá, assim como deveria ser aqui, a mulher é informada, de maneira clara e compreensível, sobre seus direitos e encaminhamentos recomendáveis, resguardando o seu direito de denunciar, ou não, o agressor. Ao mesmo tempo, são oferecidos atendimento psicológico e jurídico e atuação coordenada com os órgãos de Saúde, Justiça e Segurança. Um aspecto fundamental, a proteção do nome e identidade da vítima. No Brasil, o mais comum é que a identidade seja revelada e a pessoa seja exposta à revitimização. No caso de Barcelona, o agressor foi identificado, não a vítima, que deve ser protegida.

Responsabilização do agressor: Nos casos de violência sexual, a existência e o correto registro e encaminhamento de provas são fundamentais para a responsabilização da pessoa agressora. No entanto, o que se observa muito frequentemente é que recai sobre a vítima, justamente a mais vulnerabilizada pelos efeitos traumáticos, a responsabilidade única pela produção de tais evidências. O caso Daniel Alves revelou o quanto um protocolo eficazmente aplicado pode acionar rapidamente a polícia a fim de reunir provas, na forma de imagens, material orgânico, impressões digitais e testemunhos, de forma que a investigação e a resposta do sistema de justiça sejam ágeis e robustas.

A melhor crítica à ineficiência é a prática da eficácia. Exemplos positivos também estão sendo construídos em nosso país, como neste Carnaval, em que o Sambódromo da Sapucaí contou com um posto de atendimento a casos de agressão contra mulheres. Por isso mesmo, concentremo-nos em fazer avançar propostas que sejam fruto de uma construção coletiva, com responsabilidades convergentes envolvendo poder público e iniciativa privada, passando pela necessária convocação de cada um de nós, cidadãos e agentes de transformação, à ação.

*Daniela Grelin é diretora-executiva do Insituto Avon

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