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Amazônia: As novas formas de uso do solo são responsáveis por quase metade das emissões de gases brasileiras (Leandro Fonseca/Exame)
Colunista
Publicado em 24 de setembro de 2023 às 12h00.
Existe um falso dilema que permeia algumas conversas sobre a Amazônia: o de que o bioma precisa ser esvaziado para ser protegido. Segundo essa visão, seria impossível promover o desenvolvimento econômico na região sem colocar em risco aquele paraíso. Outro equívoco – este bem perigoso – é defender o inverso, ou seja, achar que devastar a maior floresta tropical do mundo, para abrir espaço para a agricultura e a pecuária, é necessário para desenvolver o país.
Entre um extremo e outro existe uma coisa chamada bioeconomia, um caminho capaz de manter a floresta em pé, estimular o desenvolvimento sustentável e beneficiar os povos indígenas, comunidades ribeirinhas e produtores rurais. É importante, no entanto, refletirmos sobre o impacto econômico e social das diferentes visões sobre bioeconomia, porque algumas delas poderiam, em tese, aumentar as desigualdades e a concentração de renda, conforme alertam alguns cientistas, como vou mostrar mais adiante.
Pensar sobre isso é urgente porque já está claro que o modelo atual de desenvolvimento, baseado na exploração desenfreada de recursos naturais, está nos levando ao colapso. As mudanças de uso do solo (de florestas para pastos), por exemplo, são responsáveis por quase metade das emissões de gases de efeito estufa no país, com o desmatamento da Amazônia representando cerca de 80% desse valor.
Além de aumentar o risco de chegarmos a um ponto irreversível de degradação, isso não resulta em ganhos econômicos e bem-estar para as populações que vivem na região amazônica. Como escreve o professor Ricardo Abramovay no livro Amazônia – por uma economia do conhecimento da natureza, “o padrão de crescimento da Amazônia nas últimas décadas desestimulou o fortalecimento da economia regional, não elevou o padrão de vida da população e trouxe danos ambientais que comprometem a própria agropecuária”.
É nesse contexto que a bioeconomia aparece como uma solução viável para a Amazônia. Os arranjos econômicos baseados na natureza, além de estarem ancorados no uso responsável dos recursos naturais e no saber dos povos originários, valorizam “as práticas regenerativas na região amazônica de modo a assegurar a inclusão social, a qualidade de vida, além da conservação da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos”, segundo a Embrapa.
Mas é importante analisarmos mais de perto a abordagem que se pretende dar à bioeconomia, para que ela não incentive ainda mais o desmatamento e a concentração de riqueza e renda na região, alerta o WRI Brasil, instituto global de pesquisas em sustentabilidade. O cuidado se justifica porque, conforma explica a entidade, “uma comparação entre as definições adotadas no Brasil e no exterior por diferentes setores e regiões revela como a palavra bioeconomia pode às vezes significar ideias bastante distintas – como uma monocultura em um caso ou o manejo sustentável de florestas nativas em outro”.
No estudo “Uma bioeconomia inovadora para a Amazônia: conceitos, limites e tendências para uma definição apropriada ao bioma floresta tropical”, o WRI analisa três visões do tema:
A Embrapa segue a mesma trilha. No estudo Visões sobre bioeconomia na Amazônia, publicado neste ano, a empresa diz que a bioeconomia bioecológica é a proposta mais adequada à realidade do bioma por ter como “base as cadeias produtivas sustentáveis que consideram a floresta nativa e a sociobiodiversidade em uma perspectiva de harmonia com a natureza”. O estudo Nova Economia da Amazônia (NEA), um trabalho de fôlego liderado pelo WRI Brasil e The New Climate Economy, em parceria com 76 pesquisadores de todo o país, defende a mesma tese. “A bioeconomia proposta pelo NEA é aquela que se desenvolve com a floresta em pé e os rios fluindo”, diz o documento, referindo-se ao modelo bioecológico, que já é responsável por um Valor Bruto de Produção (VBP) anual de R$ 15 bilhões na Amazônia Legal.
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Estimular a bioeconomia inclusiva é um dos passos para que a Amazônia – um território com mais de 28 milhões de habitantes e 198 povos indígenas – se transforme numa catalisadora da economia verde, o que vai beneficiar a população local e o país todo. Entre outros benefícios sociais, ela pode melhorar a qualidade de vida de 750 mil famílias, entre agricultores familiares e povos e comunidades tradicionais, conforme um estudo do IBGE, Embrapa e Incra.
Só no Pará, por exemplo, 30 produtos da chamada cadeia da sociobiodiversidade produziram uma renda de R$ 5,4 bilhões e geraram 224 mil empregos. Em negócios, a bioeconomia pode gerar US$ 284 bilhões até 2050, segundo dados da Associação Brasileira de Bioinovação (ABBI). A cadeia do açaí no Pará é uma referência de cultura local, própria da bioeconomia amazônica, que preserva a floresta e agrega valor ao território. Em 2020, essa produção gerou mais 164 mil empregos na região.
As próximas décadas serão decisivas para saber se vamos fazer da Amazônia um vetor da economia verde, com inclusão e justiça ambiental, ou um paraíso devastado. O caminho mais adequado é aquele que mantém a floresta em pé, preserva os rios e alia inovação e ciência com o saber dos povos originários, que conhecem como ninguém a região e são, desde sempre, os grandes guardiões da Amazônia.