1 em 6 crianças no Brasil estão em condição extrema de pobreza, diz ONG
A chamada "pobreza multidimensional" atinge 5,4 milhões de crianças no país, segundo estudo recente da ONG ChildFund Brasil. Veja como ajudar
Da Redação
Publicado em 13 de janeiro de 2021 às 14h00.
No Brasil, 4,8 milhões de crianças de zero a onze anos de idade estão em condições extremas de pobreza , em famílias com baixa escolaridade e em domicílios sem saneamento básico ou com acesso irregular à água potável. É um contingente semelhante ao de populações de países como Costa Rica, Irlanda ou Nova Zelândia.
A constatação é da ONG ChildFund Brasil , que há 54 anos atua no país em projetos para erradicar a pobreza extrema na infância. Num estudo publicado no fim de dezembro, os técnicos da organização chegaram à conclusão de que 1 em 6 crianças no país estão na chamada "pobreza multidimensional" e chegarão ao mercado de trabalho em condições pouco favoráveis caso nada seja feito para melhorar as condições de vida de suas famílias. As regiões Norte e Nordeste do país são as mais afetadas pelo problema, diz a ONG.
A ONG chegou às conclusões depois de criar o primeiro indicador do Brasil para mensurar o Índice de Pobreza Multidimensional (IPM-NIS) de crianças de 0 a 11 anos. O estudo começou em 2019, num estágio preliminar nos estados do Maranhão, Paraíba e Piauí. Em 2020, a mesma metodologia foi aplicada para o restante do país. O objetivo foi mostrar as diferentes realidades de vivência da pobreza entre os brasileiros, além de medir o alcance de projetos sociais que tenham como público-alvo as populações pobres e vulneráveis.
Metodologia multidimensional
Ao contrário da forma tradicional de análise, que considera pobres as pessoas com um nível de renda abaixo de uma linha equivalente a um padrão mínimo de sobrevivência (a exemplo dos indicadores na linha de “famílias que vivem com menos de 2 dólares por dia”), o IPM considera pobres as pessoas com privações simultâneas em múltiplas dimensões da vida. Entram na conta aspectos objetivos que afetam a liberdade das pessoas de tomar decisões sobre o curso da própria vida, como viver de forma saudável, adquirir conhecimentos e habilidades e trabalhar.
A metodologia usou dados da amostra do Censo Demográfico de 2010 do IBGE que tem como unidade de análise os domicílios de todo o Brasil. O método consiste em identificar a existência de privações em cada domicílio numa lista de quatro dimensões e 13 indicadores. Na dimensão "Educação", por exemplo, foram considerados os indicadores de frequência escolar, distorção idade-série e escolaridade. A dimensão "Saúde", indicadores de mortalidade infantil, entre outros.
Para cada indicador foi estabelecido um corte que define se o domicílio é privado ou não, e um peso que é atribuído em caso de existência da privação. Por exemplo, o domicílio recebe uma pontuação de 8,33% se nenhum morador com 18 anos ou mais completou pelo menos o ensino fundamental, 4,17% se não há abastecimento de água via rede geral de distribuição, e assim por diante.
A soma dos pesos nos 13 indicadores pode chegar a 100%, o que corresponde à condição de um domicílio privado em todos os indicadores. O domicílio sem qualquer privação recebe a pontuação zerada.
Tendo em vista a ideia de privações simultâneas no conceito de pobreza adotado, um domicílio foi considerado pobre se obteve uma pontuação de pelo menos 33,33%. Após a identificação dos domicílios nesta pontuação, é calculada a incidência de pobreza, que é a proporção de domicílios pobres multidimensionais em relação ao total.
"Esse trabalho nos ajuda a sabermos onde a pobreza extrema está e nos permite monitorá-la, além de estudar os impactos nas respectivas famílias e nas crianças”, explica Gerson Pacheco, diretor de país do ChildFund Brasil. “A partir deste cenário, podemos elaborar e executar ações para melhorar a vida dessas pessoas, e isso é uma responsabilidade do poder público, da iniciativa privada e da sociedade”, diz.
O trabalho de coleta e análise das informações contou com a participação de professores e alunos do NIS, um núcleo de estudos sobre impacto social com caráter multidisciplinar dentro da PUC Minas.
Impacto da pandemia
Na visão dos especialistas que se debruçaram sobre os dados, a pandemia tende a complicar ainda mais a situação de vulnerabilidade das famílias em situação de pobreza. “A pandemia trouxe ainda mais prejuízos às crianças, aumentou o abismo social em que elas vivem”, diz Cristiano Moura, coordenador de Impacto Social no ChildFund Brasil e membro do NIS/PUC Minas. “Nesse ponto, o índice de pobreza multidimensional é um instrumento para direcionamento de políticas públicas e recursos para sanar estes problemas.”
O volume inédito de recursos dedicados à filantropia no Brasil por causa da crise sanitária também beneficiou a causa da erradicação da pobreza extrema na primeira infância. De acordo com a ChildFund Brasil, o número de doações praticamente dobrou no ano passado em relação a 2019.
É um aumento em linha com o salto geral no terceiro setor no país . Desde o início da crise sanitária, mais de 6 bilhões de reais foram doados para iniciativas dispostas a aliviar os efeitos danosos da covid-19. É uma quantia praticamente três vezes acima do patamar usual da filantropia no país em 2018.
O desafio, agora, é manter a onda de solidariedade em alta em 2021 — e fazer os recursos chegarem a temas como o da infância em condição de pobreza.
Fundada em 1936, nos Estados Unidos, e há 54 anos atuando no Brasil, a ChildFund Brasil é uma das organizações humanitárias dispostas a minimizar os efeitos da pobreza sobre o desenvolvimento de crianças.
Anualmente, são atendidas cerca de 40.000 crianças, em cinco estados. No mundo, a organização existe desde 1936 e atende aproximadamente 16 milhões de pessoas.
O trabalho só é realizado pela adesão dos doadores ao modelo de apadrinhamento, a força-motriz da organização e principal fonte de arrecadação de recursos. O padrinho ou a madrinha é uma pessoa que se compromete a doar mensalmente para melhorar a qualidade de vida de uma criança.
Segundo informações da ONG, o valor doado não é entregue à criança ou à sua família; ele é utilizado na execução de atividades voltadas para a proteção infantil, geração de renda, habilidades para a vida, capacitação profissional, etc.
Ao se tornar padrinho ou madrinha, o doador passa a receber relatórios periódicos do desenvolvimento do afilhado e, se desejar, pode trocar correspondências, fazer ligações e até mesmo visitá-lo, para ver de perto tudo o que é realizado nos projetos. Essa é uma oportunidade única que permite que crianças, adolescentes e jovens tenham uma influência positiva em suas vidas.
Desde o início da pandemia, além da manutenção das atividades programáticas (adaptadas de acordo com as medidas de segurança e proteção), a ChildFund Brasil também tem apoiado as famílias inscritas no apadrinhamento, com a distribuição de cestas com alimentos e itens básicos de higiene. Até o momento foram distribuídos mais de 120 mil kits, somando mais de 1500 toneladas de alimentos.
O site da ChildFund Brasil tem mais informações sobre a organização e os procedimentos para doar recursos.