Uma onda de crescimento em meio a incontáveis riscos globais
O fato de que as maiores economias do mundo estão se expandindo é fonte de otimismo, mas não há garantia que essa expansão será justa
Da Redação
Publicado em 6 de fevereiro de 2018 às 17h48.
Londres – Uma década após o mundo cair em uma crise econômica devastadora, um indicador essencial foi finalmente restabelecido. Todas as grandes economias do mundo estão se expandindo ao mesmo tempo, uma sincronia de crescimento que está criando empregos, aumentando fortunas e acalmando medos de descontentamento popular.
Uma narrativa abrangente explica como o mundo finalmente escapou da recessão global. Os Estados Unidos foram impulsionados pelo gasto do governo anterior, mais um recente corte de impostos de 1,5 trilhão de dólares. Já a Europa finalmente sentiu os efeitos do dinheiro barato emitido por seu Banco Central.
Em termos gerais, a melhoria se deve menos a algumas novas fontes de riqueza e mais ao simples fato de que muitas das pressões destrutivas que se abateram sobre o crescimento finalmente esgotaram suas forças.
O longo tempo de convalescença cedeu a uma recuperação global que está longe de manter um ritmo, e riscos geopolíticos ameaçam seu legado. Muitos economistas estão céticos de que os benefícios do crescimento irão alcançar mais do que a classe escolarizada, rica e com ligações políticas que ficaram com a maior parte da riqueza em muitos países, deixando para trás trabalhadores com salários estagnados mesmo com as taxas de desemprego diminuindo.
Ainda assim, o fato de que as maiores economias do mundo estão se expandindo é fonte de otimismo, mas não há garantia que essa expansão será justa. Entretanto, se este crescimento estiver ligado ao desenvolvimento, com aumento de salários e da segurança da classe média, o começo provavelmente seria este.
“O mundo está menos dependente de poucos desempenhos brilhantes. Se algo ruim ocorrer em uma economia, o fato de o crescimento global estar espalhado nos dá mais segurança de que é sustentável”, disse Barret Kupelian, economista da PwC em Londres, empresa mundial de contabilidade e consultoria.
Os Estados Unidos, a maior economia do mundo, está em seu nono ano de crescimento, com o Fundo Monetário Internacional aumentando as expectativas para uma expansão de 2,7 por cento por conta do corte de impostos.
A China acabou com o medo de uma parada brusca na sua trajetória de crescimento de décadas. A Europa, até há pouco tempo anêmica e cheia de problemas políticos, emergiu como líder de crescimento. Até o Japão, que por muito tempo foi sinônimo de declínio contínuo, voltou a crescer.
O aumento no preço do petróleo levantou produtores da Rússia e Oriente Médio, enquanto o México afastou os temores de que a ameaçadora retórica comercial do governo Trump acabaria com sua economia. O Brasil ainda sofre com os efeitos de uma verdadeira crise, mas mostra sinais de uma tentativa de melhora.
O resultado é uma recuperação otimista, embora frágil e vulnerável às preferências cada vez mais imprevisíveis dos líderes mundiais.
As ameaças de ataque nuclear trocadas pelo presidente dos Estados Unidos Donald Trump e o líder norte-coreano Kim Jong Un espalham o medo. A pendente saída do Reino Unido da União Europeia – o chamado Brexit – tem potencial para seguir sem um acordo, sujeitando a Europa a uma grave incerteza sobre as regras comerciais, sobretudo nas finanças. E o vai e vem da promessa de Trump de rasgar o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA, na sigla em inglês), ao mesmo tempo em que desencadeia uma guerra comercial com a China, também põe em risco a trajetória de crescimento.
“Nós operávamos sob a ideia de que os mercados ocidentais eram politicamente estáveis, enquanto os mercados pré-emergentes eram mais ariscados”, disse Martin Scheepbouwer, diretor executivo do OLX Group, que opera plataformas de classificados on-line em 41 países. “Atualmente, com o Brexit na Europa e a presidência dos Estados Unidos, há um novo nível de instabilidade iminente sobre a economia. Há algo que nos preocupa.”
Espera-se que a economia mundial cresça 3,9 por cento neste ano e no próximo, mais do que os 3,7 no ano passado e 3,2 em 2016, de acordo com o FMI. Isso é positivo, apesar de nos anos anteriores à crise o crescimento global ter excedido os quatro por cento.
Quando o Fórum Econômico Mundial publicou uma avaliação dos fatores de risco levantados em uma pesquisa com mil especialistas, descobriu que 93 por cento dos entrevistados veem uma ameaça crescente de confrontos políticos ou econômicos. Cerca de 79 por cento estão preocupados com a maior probabilidade de conflitos militares e 73 por cento veem riscos crescentes de uma erosão das regras de comércio mundial.
O relatório também alertou para o aumento da desigualdade econômica, a segurança cibernética sob ameaças crescentes e aumento da incidência de clima extremo, impulsionado pelas mudanças climáticas.
“Muitos desses riscos são cada vez mais sistêmicos”, disse Margareta Drzeniek Hanouz, economista do Fórum Econômico Mundial, acrescentando que são ameaças com “consequências catastróficas para a humanidade e para a economia”.
As empresas globais parecem cautelosamente otimistas com a ideia de que os bons tempos podem durar.
De acordo com a OLX, na Polônia e no Brasil as ofertas de emprego na internet estão aumentando rapidamente, uma clara indicação de crescimento. Em toda a Europa, os anúncios imobiliários que oferecem casas para venda aumentaram mais que dobro do que os das propriedades para alugar, outro sinal de que as pessoas estão operando com mais dinheiro.
À medida que a recuperação foi se espalhando, as fábricas da Europa Oriental aglomeraram pedidos adicionais. As fábricas de automóveis na República Checa, Eslováquia, Polônia e Romênia têm enviado volumes cada vez maiores de carros para a Alemanha, França e Holanda.
A DSM, uma multinacional com sede na Holanda que fabrica produtos nutricionais, abriu uma fábrica de 60 milhões de dólares em Ruanda em maio do ano passado. A nova unidade está comprando soja e milho de cerca de 10.000 agricultores locais e usando-os para produzir mingau instantâneo.
“Estamos investindo pesadamente na Ásia e também na África porque o crescimento da população é mais forte. A África, que sempre foi o continente esquecido, já não o é mais”, disse o diretor executivo da empresa, Feike Sijbesma.
O despertar da Europa combinado com o crescimento nos Estados Unidos manteve a indústria chinesa em funcionamento para satisfazer a demanda por bens de consumo, desde autopeças até ferramentas para fábricas de roupas. O aumento da produção elevou os preços das commodities e aumentou as receitas de produtores de cobre no Chile e na Indonésia, das minas de ouro na África do Sul e das operações de prata na Suécia.
O mundo desfruta agora de um ciclo de feedback positivo, com a crescente confiança dos negócios levando a mais contratações, gerando ganhos a partir dos gastos dos consumidores. Mais dinheiro nos bolsos dos consumidores dá às empresas mais motivos de expansão.
“Basicamente, não há um país no mundo onde o consumidor não esteja bem”, disse Bart van Ark, economista-chefe da associação de empresas e pesquisa The Conference Board, em Nova York.
A maior preocupação vem de Washington, onde a administração de Trump frequentemente afirma que vai punir o México e a China pelo desequilíbrio na balança comercial com os Estados Unidos – um passo que aumentaria o custo dos componentes utilizados nas fábricas americanas. Em um sinal de que tal conversa vai além da retórica, o governo Trump aumentou as tarifas protecionistas sobre as importações de painéis solares e máquinas de lavar.
Ben May, economista global da Oxford Economics em Londres, disse: “Se você entra em uma guerra comercial, isso é de fato preocupante. Os impactos no crescimento global seriam bastante severos”.
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