Economia

Seis visões sobre a crise dos PIGS

Especialistas dizem que a UE deverá ajudar os países mais endividados para evitar o pior - mas o Brasil não passará ileso

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h10.

 

O crescente endividamento de alguns países da Europa provocou uma crise de confiança no mercado financeiro na semana passada. Temendo um calote dos chamados PIGS (Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha), os investidores estrangeiros fugiram da zona do euro para se refugiar no dólar e em títulos do Tesouro americano. Esse movimento gerou incertezas no cenário mundial, revelando que alguns países ainda não se recuperaram completamente da crise. Quais são as chances de termos uma nova crise econômica global? Como essa situação afetará o Brasil?

Em geral, os seis especialistas ouvidos por EXAME acreditam que a União Europeia deverá ajudar os países do bloco em dificuldade sem a interferência do Fundo Monetário Internacional (FMI). Para isso, no entanto, os PIGS terão de cortar gastos e reduzir o déficit público - medidas que devem levar a um crescimento menor da região. Para o Brasil, a crise na Europa deve gerar turbulência nas bolsas no curto prazo e redução das exportações no médio prazo - com maior pressão sobre o dólar. A expectativa de um bom ritmo de crescimento neste ano, porém, está mantida. Leia a seguir os principais trechos dos seis depoimentos:

John Williamson, conhecido como o "pai" do Consenso de Washington: Duvido que haja uma crise, mas a alternativa também será desagradável, envolvendo vários anos de crescimento baixo e desperdício de recursos. Minha expectativa é que haja um plano de resgate, mas como um complemento e não como uma alternativa para o programa de ajuste apresentado pela Grécia e aprovado pela União Europeia. Quanto à queda do mercado de capitais, elas parecem refletir a evidência de que a Europa, principalmente os PIGS, terão um crescimento mais lento do que havia sido previamente esperado. Quando os investidores estrangeiros são atraídos para os fundos por causa de um declínio em outros lugares, eles procuram vender as ações no mercado acionário brasileiro. Essa é a razão principal pela qual os mercados de ações tendem a se mover em sincronia. Por isso, a queda recente da Bolsa de Valores de São Paulo não mostra que o mercado brasileiro era uma bolha. Esperam-se altos e baixos. (Continua)


Luiz de Mello, economista sênior da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE): A Comissão Europeia aprovou na semana passada o pacote grego de redução do déficit orçamentário para menos de 3% do PIB até 2012. Considerando as condições econômicas da Grécia, é um plano bastante ambicioso. Nos dias 15 de março e 15 de maio a Grécia terá de apresentar um relatório prévio sobre a implementação das medidas de resgate da estabilidade de sua economia. Por conta disso, penso que a pressão sobre os PIGS aumentará muito nas próximas semanas, fazendo com que o mundo inteiro fique de olho em uma possível crise na Europa. Caso a pressão não funcione e os problemas continuem a pipocar, acredito que o bloco terá de se posicionar antes que o Fundo Monetário Internacional (FMI) entre na jogada. A intervenção teria de ser feita até mesmo para não deixar que bancos como o Santander e o HSBC sejam punidos pelo déficit orçamentário dos PIGS. Porém, o tratado da União Europeia impede qualquer tipo de resgate das economias frágeis. Uma ajuda de outros sócios da zona do euro poderia encorajar não só políticas fiscais insustentáveis por parte dos demais países mas também questionamentos em relação à eficiência do modelo de política econômica da UE. De qualquer forma, é preciso que haja uma estratégia de consolidação dos PIGS o quanto antes. É um desafio cíclico e estrutural. Se não houver alguma ajuda efetiva, os observadores, incluindo os mercados, vão se posicionar de maneira negativa diante da Europa.

Cristiano Souza, economista do banco Santander: Acredito que a situação na zona do euro reforça nossa previsão de que o dólar deva fechar este ano valendo 1,95 real. A fraqueza da Europa deve reduzir as exportações brasileiras sem que haja o mesmo efeito sobre as exportações, agravando o déficit externo. Não acreditamos que o dólar vai dar um salto de R$ 0,50 em poucos dias como aconteceu em 2008, mas acho que vamos ter momentos de muita volatilidade no câmbio e é bem possível que a moeda americana ultrapasse a marca de 2 reais. O resgate da confiança em Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha passa por medidas fiscais firmes que sejam suficientes para convencer os investidores que haverá recursos suficientes para pagar as dívidas. Irlanda e Grécia têm déficits públicos superiores a 10% do PIB. Grécia e Itália têm dívidas maiores do que 100% do PIB. Essas economias já eram as menos dinâmicas e diversificadas da Europa. A Espanha que se sobressaiu nos últimos anos devido ao boom imobiliário, mas essa bolha estourou. Com a recessão, houve queda da arrecadação, rápida deterioração dos indicadores de solvência e, agora, uma crise de confiança. A Espanha já paga juros maiores que o Brasil para rolar sua dívida. Mas acho que, se esses países vencerem oposições internas e tomarem medidas fortes de contenção fiscal, haverá uma ajuda da União Européia. O bloco precisa evitar que haja um calote dentro da zona do euro porque isso afetaria a percepção de risco dos investidores em relação à dívida de economias sólidas, como Alemanha e França. (Continua)


Gabriel Torres, analista vice-presidente sênior da Moody’s Investors Service: Vemos muito pouco risco de inadimplência real na Grécia ou em outras nações europeias. Isso se reflete em nossa classificação de risco. O impacto sobre a América Latina (ou qualquer outra região) deve ser indireto. Se a confiança dos investidores cair, os governos terão mais dificuldade de refinanciar suas dívidas. Mas esse é um risco muito pequeno na América Latina hoje. Um maior risco indireto é que este leve a um agravamento da crise nas economias da Europa, afetando a demanda mundial e redução da procura de produtos da América Latina.

Banco Barclays: Acreditamos que ainda existe uma tendência de alta nos mercados emergentes, mas essa expectativa só vai se confirmar se os problemas fiscais da Grécia não se espalharem para outros países do sul da Europa. Mas também não esperamos que as preocupações dos investidores com os déficits fiscais da região desapareçam em breve. Apesar do desempenho sofrível das bolsas na última semana, os mercados emergentes estão menos endividados e, portanto, melhor posicionados para continuarem a crescer acima da média mundial. A América Latina deve sofrer menos que a Europa Oriental com a crise no Mediterrâneo, já que a dependência entre as economias é bem menor. Mas, a recuperação das bolsas da América Latina vai depender do aumento do apetite por risco - e o momento que isso ocorrerá ainda é incerto. Por isso, é melhor ser um pouco mais cauteloso no curto prazo. Até que os investidores vislumbrem a solução para os problemas fiscais da Europa, a tendência é de que continue a haver resgates de recursos nas bolsas da região. Isso poder ser benéfico para os mercados emergentes no médio prazo, com o aumento da vantagem competitiva em relação aos países desenvolvidos. Só que nos próximos dias é provável que haja uma pressão de saída de recursos.

Alessandra Ribeiro, economista e sócia da consultoria Tendências: Os PIGS têm uma dívida bastante elevada e o risco-país está aumentando. Por isso, o horizonte de crescimento é pessimista. A meu ver, o primeiro ponto de uma retomada passa por voltar à estabilidade. Isso significa reduzir o déficit orçamentário até 3% do PIB. A Grécia tem um vencimento de dívida em abril. Se até lá a situação piorar, o país não conseguirá renegociar suas dívidas, que estão cada vez subindo mais. Em resumo, o problema dos PIGS é que o Banco Central Europeu estabelece uma única política monetária para todos os países membros do bloco. As chances são grandes de o risco-contágio dessa crise se espalhar para países do leste europeu e também para a Itália. Estimamos que o crescimento da Europa em 2010 será de 0,9% (não só na zona do euro, mas também no Reino Unido). O único país favorecido pela depreciação do euro será a Alemanha, que é um grande motor de exportação. A Alemanha pode impor uma dinâmica mais positiva para outros países europeus da região. Quanto ao Brasil, o principal efeito sentido será a aversão ao risco. O capital estrangeiro vai buscar mais segurança em títulos americanos. Outro provável efeito é a queda da demanda europeia por commotidies e produtos manufaturados brasileiros.

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