Exame Logo

Reforma da Previdência mostra governo ambicioso e de olho na narrativa

Reforma é elogiada por economistas e acerta ao reduzir desigualdades, com algumas exceções. A dúvida continua sendo, como sempre, a política

Presidente Jair Bolsonaro com ministros e os presidentes da Câmara e do Senado para entrega da proposta do governo para reforma da Previdência 20/02/2019 (Marcos Correa/Reuters)

João Pedro Caleiro

Publicado em 20 de fevereiro de 2019 às 18h13.

Última atualização em 20 de fevereiro de 2019 às 19h45.

São Paulo - A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) de reforma da Previdência apresentada nesta quarta-feira (20) pelo governo de Jair Bolsonaro foi considerada ambiciosa e bem realizada por economistas ouvidos por EXAME.

"É uma proposta robusta e abrangente, muito bem desenhada do ponto de vista conceitual", escreve Alberto Ramos, chefe de pesquisa macroeconômica para América Latina do banco Goldman Sachs.

Veja também

Não houve grandes surpresas em relação à minuta que havia vazado: o centro da proposta é o fim da aposentadoria por tempo de contribuição e o estabelecimento de uma idade mínima para ter o benefício.

De acordo com estudo do Senado, apenas 12 países no mundo não tem idade mínima para aposentadoria.

A idade proposta é 62 anos para as mulheres e 65 anos para os homens, com transição ao longo de até 14 anos. São as mesmas da última versão da reforma do governo de Michel Temer, mas naquele caso a transição demoraria 20 anos.

"O valor da idade mínima não é tão importante quanto a transição, que veio mais rápida. Isso significa antecipar uma parte da poupança para os primeiros anos de implementação", diz José Márcio Camargo, professor da PUC e economista-chefe da Genial Investimentos.

Tanto a apresentação quanto o modelo da reforma mostram que o governo está atento à narrativa pública e aos tropeços cometidos pelo governo Temer.

As peças publicitárias que vão divulgar o novo texto abandonaram o termo "reforma" e falam agora em uma "Nova Previdência" que é "para todos".

A proposta também repete um mecanismo, incluído na última versão da reforma Temer, que acaba com a desvinculação de receitas da União (a DRU) para seguridade social.

Apesar de neutra do ponto de vista fiscal, a mudança anula o argumento político de que esse mecanismo agrava o déficit do sistema.

O governo também incluiu no pacote uma lei contra fraudes no INSS, colocando um procurador-geral da Receita Federal na mesa de coletiva de imprensa, e outra lei para facilitar a cobrança de devedores contumazes da Previdência.

Apesar de grande parte dessa dívida ser irrecuperável e desses recursos não tocarem no problema principal da trajetória do gasto, a medida vai contra o discurso de que a reforma poupa as empresas.

A mesma coisa vale para a extinção dos regimes especiais para os políticos: o impacto é ínfimo, mas é justo e pega bem.

Desigualdade

"O mais positivo da proposta é que há claramente uma linha de exigir mais do mais rico e menos do mais pobre, especialmente em relação ao texto original da PEC do Temer", avalia Pedro Nery, consultor do Senado.

Uma das surpresas nesse sentido foi a mudança nas alíquotas de contribuição, com criação de novas faixas para servidores que ganham acima do teto do INSS.

"É uma recalibragem. O valor do benefício bruto não cai, mas com aumento da contribuição, fica reduzido o benefício líquido", diz Fábio Giambiagi, um dos maiores especialistas em finanças públicas e Previdência do país.

A reforma aponta para uma convergência no longo prazo entre os sistemas público e privado e entre homens e mulheres em casos específicos, além de reduzir o número de exceções.

"Continua com algumas exceções que poderiam ser eliminadas, como para professores e trabalhadores rurais, essa talvez a mais defensável. Os militares também de novo não estão incluídos, mas pelo menos agora há um prazo (30 dias) para o envio de uma lei", diz Luis Eduardo Afonso, professor da Universidade de São Paulo (USP).

Afonso também destaca dois ganhos de transparência: a descrição da economia com cada uma das medidas e a separação do que é Previdência, Saúde e Assistência. É nesta última, aliás, que está uma das maiores polêmicas: a mudança no Benefício de Prestação Continuada (BPC).

Hoje, o governo paga um salário mínimo a idososa partir dos 65 anos que comprovem ter renda mensal per capita inferior a ¼ do mínimo.

A nova regra é que eles receberiam 400 reais a partir dos 60 anos e que essa renda suba até atingir um salário mínimo a partir dos 70 anos. A comprovação de miserabilidade também levará em conta o patrimônio inferior a 98 mil reais (a faixa I do Minha Casa Minha Vida).

Os governadores apontaram esse como um ponto nevrálgico e Renan Filho, governador de Alagoas, disse que Paulo Guedes, ministro da Economia, teria sinalizado abertura para que seja modificado.

"Hoje, o trabalhador com 65 de idade e 18 de contribuição vai para aposentadoria por idade para ganhar mais ou menos mil reais. Na proposta: não poderia (precisaria de 20 de contribuição) e iria para o BPC ganhar R$ 400. Sem transição. Candidatíssimo a bode na sala", escreveu Nery no Twitter.

A previsão inicial é que a proposta de reforma, se aprovada, garantiria uma economia de R$ 1,1 trilhão ao longo de uma década.

No entanto, os economistas são céticos de que a economia seja mantida após as negociações, como também aconteceu na reforma de Temer.

Itaú, Goldman Sachs e Fitch estimam que o modelo final da reforma poderia garantir uma economia na faixa entre R$ 500 bilhões e R$ 700 bilhões, ainda assim suficiente para equalizar o problema.

"Essa reforma não é feita para reequilibrar o sistema, pois isso não é realista. As despesas previdenciárias provavelmente continuarão crescendo, mas menos, e apesar da pressão demográfica. E com déficit estancado, o teto de gastos é viabilizado por um período mais longo", diz Giambiagi.

A reação morna do mercado à apresentação da reforma mostra que ela não trouxe grandes surpresas e que a grande dúvida é sobre a tramitação.

"É uma emenda constitucional e portanto a tramitação congressual será provavelmente longa, barulhenta e turbulenta", escreve Alberto Ramos, do Goldman.

A previsão é que na melhor das hipóteses, a matéria pode ser aprovada na Câmara dos Deputados no primeiro semestre e pelo Senado em setembro, o que parece uma eternidade considerando o atual nível de turbulência política.

“Temos um presidente que teve várias crises em um mês e meio e a dificuldade de articulação pode pressionar algumas propostas importantes da reforma”, diz Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados.

A avaliação é que apesar das dúvidas sobre o processo e do poder histórico que as corporações brasileiras têm de defender seus privilégios, há também uma consciência de que a alternativa é pior.

"Temer não conseguiu passar a reforma mas conseguiu convencer a sociedade de que ela é indispensável. Isso facilita a aprovação agora", diz Camargo.

Acompanhe tudo sobre:Governo BolsonaroReforma da Previdência

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se

Mais de Economia

Mais na Exame