Quem sai mais forte (ou mais fraco) da crise do coronavírus na economia
Alguns chegarão em 2021 fortalecidos pela crise, enquanto outros, muito pelo contrário. Veja ganhadores e perdedores deste ano, segundo economistas
Ligia Tuon
Publicado em 22 de dezembro de 2020 às 08h00.
Última atualização em 22 de dezembro de 2020 às 09h40.
No meio do caos econômico pelo qual o país passou em 2020, alguns entrarão fortalecidos pela crise no ano que chega, enquanto outros, muito pelo contrário.
Veja a seguir alguns dos ganhadores e perdedores deste ano, segundo economistas ouvidos pela EXAME:
Ganham:
Banco Central
Assim como no resto do mundo, o Banco Central foi colocado a prova no Brasil durante a pandemia. Com o papel central de ajudar a manter a liquidez do sistema e o poder de compra da moeda, a instituição monetária precisou também agir para corrigir desequilíbrios, o que conseguiu fazer com destreza, de acordo com especialistas.
"Acho que o BC segue como uma ilha de excelência na equipe econômica, tendo lidado bem melhor com os desafios do que o Ministério da Economia de maneira geral", diz o economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do BC.
Segundo Paulo Gala, CEO da gestora do banco Fator, além de ter atuado para que não faltasse crédito no mercado, como por exemplo com a liberação de compulsórios, a instituição se destacou na condução da Selic, taxa básica de juros, à mínima histórica.
Além disso, amenizou as perdas cambiais, que fizeram o real acumular perda de 30% no ano em relação ao dólar, que chega dezembro na casa dos R$ 5. "A moeda americana podia ter ido a R$ 7 ou R$ 8", diz.
Mercado imobiliário
O mercado imobiliário, de certa forma, também saiu fortalecido da crise, sobretudo graças à taxa Selic em sua mínima histórica, o que deixou mais atraentes financiamentos no setor.
"Vimos números muito fortes de crescimento na construção civil. As vendas de cimento e de aço, por exemplo, foram muito ativas neste ano, o que é uma boa surpresa", diz Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados. "Num primeiro momento, pensava-se que as pessoas suspenderiam planos de investimento de longo prazo. Não foi o que aconteceu", diz.
O saldo positivo no mercado imobiliário deve perdurar para o ano que vem, segundo ele:
"É possível que muitas pessoas optem por acelerar a compra de imóvel com medo de as taxas subirem novamente. Isso já aconteceu um pouco esse ano e pode acelerar no ano que vem".
Congresso Nacional
O Legislativo acabou assumindo a dianteira de boa parte do plano de socorro, em meio à urgência trazida pela pandemia. Foi assim com o auxílio emergencial aos mais vulneráveis, com os repasses a estados e municípios — que foram a linha de frente do combate ao vírus —, com o Orçamento de Guerra, criado para permitir que a União gastasse mais do que a lei permitia, e com crédito a empresas.
"Se dependesse do Executivo, o auxílio emergencial não sairia. O fundo do Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte), que destravou o crédito na ponta, também saiu dos parlamentares, assim como a ajuda com pagamento de salário a empresas que não demitissem", diz.
Agronegócio
A despeito das discussões sobre a primarização da matriz brasileira de exportações — e uma eventual perda de competitividade da indústria nacional por falta de inovação —, as commodities renderam bons frutos ao Brasil neste ano, o que deve perdurar.
"Sempre se citou aquela ideia da primarização, de que as commodities não eram relevantes, não tinha inovação, capacidade de segurar a economia e, na verdade, a gente está vendo o contrário", diz Vale, da MB. "As commodities ganharam ainda mais espaço na economia em 2020, o que deve se manter pelos próximos anos, infelizmente em detrimento e perda de outros segmentos".
O setor foi forte estímulo, especialmente nas regiões onde o agronegócio tem maior peso, como no Centro-Oeste. A região foi a que menos sofreu os impactos econômicos da pandemia. O principal motivo são os valores recordes que atingiram os principais produtos por conta da disparada do dólar.
Uma conjunção inédita de fatores — aumento do preço das commodities em dólar e desvalorização recorde cambial — fez com que a renda agrícola subisse como nunca, explica Vale.
Discussão social
O Brasil ocupa a sétima posição no ranking mundial de desigualdade de renda (índice de Gini) das Nações Unidas, perdendo somente para seis países africanos. Esse dado é de 2019, mas foi neste ano que a pandemia evidenciou a urgência do socorro aos mais vulneráveis, esquentando o debate sobre a criação de uma renda básica universal.
"Hoje, por causa da pandemia, o governo tem a capacidade de conhecer melhor e chegar aos que necessitam", diz Vale.
O tema da renda básica entrou com força neste ano e deve continuar pelos próximos. Ainda se faz necessária a resposta para a pergunta: como enfrentar a massa de pessoas desempregadas e que terão dificuldade de voltar ao mercado por conta das mudanças esperadas com evolução de novas tecnologias? "Uma renda básica universal para essas pessoas, além do Bolsa Família como é dado hoje, talvez tenha que ser pensado", diz.
Varejo online
A pandemia estimulou como nunca as compras pela internet e forçou a digitalização de uma série de empreendedores. De março a julho, 150.000 novas lojas online foram criadas no país, segundo a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm).
Só no primeiro semestre do ano o faturamento com as vendas online subiu 47% ante o mesmo período do ano passado, totalizando 38,8 bilhões de reais, segundo pesquisa da Ebit/Nielsen, feita em parceria com a Elo. Outra realidade que não tem como voltar ao que era antes da crise e, por isso, vai continuar alavancando o setor.
Perdem:
Ministério da Economia
Durante a pior crise econômica e social da história moderna, o Ministério da Economia teve de lidar com baixas importantes para a condução da agenda de reformas.
A demora de resultados em áreas chave para o governo, como privatizações e redução da máquina pública, já enfraqueciam a pasta antes da chegada da pandemia e teve seu estopim em agosto, com a "debandada", da qual participou o secretário de desestatização, Paulo Uebel, e o de privatizações, Salim Matar. Poucos meses depois, cresceram inclusive os rumores sobre uma eventual saída do próprio ministro Paulo Guedes.
"O Ministério da Economia tinha uma missão muito grande na eleição presidencial e não conseguiu entregar quase nada do que estava em sua lista de ambições. Não à toa estamos vendo a equipe dele desmontar ao longo desse período", diz Vale. "Como resultado, a pasta acabou ficando muito alheia à crise do coronavírus".
Reformas
A série de desistências de integrantes do Ministério da Economia escancarou as dificuldades que a pasta enfrenta para seguir com reformas estruturantes. A falta de articulação com o Congresso Nacional, onde as pautas devem tramitar e receber o apoio dos parlamentares, é uma delas.
O cenário se agrava durante a pandemia, que paralisou as atividades no Legislativo e tornou muito mais difícil discussões importantes. Nesse interim, o tempo que restou dos parlamentares para discutir contas públicas foi quase todo sugado pelo Orçamento de Guerra.
Para o ano que vem, ainda é esperada a escolha dos novos presidentes da Câmara e do Senado, o que vai tomar a frente das discussões até fim de janeiro. As discussões sobre reformas só poderiam vir a partir daí e têm apenas uma janela no primeiro semestre para avançar, já que, depois disso, começa a campanha para as eleições de 2022.
Mercado de trabalho
A taxa de desemprego, que terminou o ano passado ao redor de 12%, se aproximou de 15% no terceiro trimestre do ano e deve ficar em níveis elevados por um bom tempo.
"O que resolveria é investimento público e ferramentas de política fiscal para ativar economia, mas esse é o tipo da coisa contrária ao teto de gastos, portanto, ainda que essa taxa dê uma arrefecida em algum momento do ano que vem, vai ficar por muito tempo", prevê Gala, do Fator.
Muitos economistas esperam que a taxa suba rapidamente a 17% assim que aumentarem as expectativas ao redor da vacinação. É nesse momento que muitas pessoas que saíram da força de trabalho durante a crise voltarão a procurar emprego.
"É um problema de difícil solução. O mercado de trabalho não voltará a reempregar pessoas se não houver um crescimento forte, o que não teremos no ano que vem", diz Vale.
Contas públicas
O Brasil começa 2021 num verdadeiro xeque-mate em relação à questão fiscal. Já entrou na crise do coronavírus com o peso de seis anos de déficit público nas costas e precisou socorrer um imenso contingente de pessoas e empresas afetadas pelo caos econômico.
Nesse contexto, duas forças contrárias gritam como nunca: a da necessidade de se enfrentar de frente o corte de gastos, e a da urgência do socorro a milhões de brasileiros que deverão continuar precisando de ajuda para sobreviver. A questão só será equacionada com a melhora na qualidade do gasto público, porque o Brasil é um país que gasta muito, mas gasta mal.
Para isso, porém, a qualidade do debate também precisa melhorar: "Se não, vamos ver acontecer com frequência o que aconteceu neste mês, quando no meio de uma PEC emergencial, alguém joga uma ideia muito ruim de usar os recursos de fundos para gasto extraordinário com os estados em 2021, que é uma decisão absurda", diz Vale.
Uma versão da PEC Emergencial a qual o Estadão teve acesso recentemente permitia a flexibilização do teto de gastos. O relator da proposta no Senado, Marcio Bittar (MDB-AC), negou que seria aversão final, mas a notícia irritou os mercados.
Poder de compra
A inflação medida pelo IPCA termina o ano bombando, em função, sobretudo, dos preços dos alimentos e da energia elétrica. De uma forma geral, a expectativa de economistas é que essa pressão de dissipe em 2021, mas o risco de isso não acontecer existe, e está muito ligado à forma como o governo vai conduzir as contas públicas daqui para frente.
O câmbio pressionado e a alta nos preços da commodities em dólar também contribuem para essa pressão. "São elementos de risco ainda muito presentes no ano que vem", diz Vale.
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