Economia

Primeiro discurso de Lula lista desafios do novo governo

O discurso de posse de Luiz Inácio Lula da Silva, proferido no plenário da Câmara dos Deputados em Brasília, é um roteiro completo dos desafios do novo presidente. A começar pela primeira palavra: mudança. Trata-se de uma promessa antiga do partido que foi reafirmada com especial ênfase no primeiro pronunciamento de Lula à nação depois […]

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h53.

O discurso de posse de Luiz Inácio Lula da Silva, proferido no plenário da Câmara dos Deputados em Brasília, é um roteiro completo dos desafios do novo presidente. A começar pela primeira palavra: mudança. Trata-se de uma promessa antiga do partido que foi reafirmada com especial ênfase no primeiro pronunciamento de Lula à nação depois de empossado.

Se o desejo de mudança foi claramente explicitado, menos clara foi a explicação sobre o que, exatamente, vai mudar, particularmente no campo da economia. É evidente que um discurso de posse é um ato político amplo, no qual o presidente se dirige ao conjunto de brasileiros e, por isso mesmo, não faz sentido esperar que o ele traga detalhes técnicos sobre o futuro da economia. Mesmo assim, é possível destacar do discurso pontos positivos e negativos, bem como os enormes desafios que o novo presidente terá pela frente.

Lula acertou em cheio logo no início do seu discurso ao colocar o programa Fome Zero como prioridade um de seu governo. É indiscutível que o número de miseráveis no país é incrivelmente alto. E é muito positivo que haja uma pessoa com status de ministro José Graziano responsável pelo programa Fome Zero.

O primeiro desafio, portanto, está claramente definido. Como atacar a pobreza? Para Lula, o maior problema seria o atual modelo , que teria sido esgotado após produzir estagnação, desemprego e fome. Poucas linhas foram dedicadas a explicar o novo modelo a ser implantado. E nenhuma palavra sobre o maior problema do gasto social do país: a incrível dificuldade que os governos têm em fazer com que o dinheiro público atinja as classes mais pobres. Se o dinheiro hoje gasto nas rubricas sociais fosse de fato destinado aos pobres, a fome já teria sido extinta há muito tempo. Ela persiste menos por exigência do modelo econômico do governo FHC, como afirmou Lula no discurso, e mais por força de lobbies poderosos.

Mas faltou dizer de onde sairá o dinheiro para os programas sociais. E quem terá de abrir mão do dinheiro do governo para que os mais pobres possam ser atendidos.

Uma possível resposta contida no discurso diz respeito à outra mudança: a da ética no trato do dinheiro público. O presidente indicou que pretende inaugurar uma nova fase da vida pública, atacando de frente a corrupção e o desperdício. À exceção de funcionários e políticos corruptos, todos os demais brasileiros só podem aplaudir a iniciativa. A dúvida é como fazer. Não basta a honestidade de Lula afinal, ele não será o primeiro presidente honesto da história republicana brasileira. Certamente há muito a ser criado neste campo. Temos assim mais um desafio: criar novos instrumentos que permitam uma mudança que vá além das aparências.

Ao lado da incerta eliminação de ralos nas contas públicas, é possível que o novo governo tenha de tirar dinheiro de alguém para direcionar aos pobres. Uma resposta possível seria conter o avanço dos gastos com a Previdência Social, hoje o maior ralo de dinheiro público do país. Corretamente, a reforma previdenciária é tida como central pela nova equipe, embora pouco tenha sido dito sobre ela. O problema é que se for levada a sério, os direitos de servidores públicos ativos e inativos devem ser mudados. Lula irá comprar a briga com grupos tradicionalmente ligados ao PT? Mistério. O novo ministro da Previdência, Ricardo Berzoini, já afirmou que não vai retirar direitos de aposentados.

Ainda que decida comprar a briga da Previdência, ela terá de ser aprovada no Congresso Nacional, um tema que foi tratado com cuidado no discurso. Segundo o presidente, o Executivo irá manter uma relação construtiva e fraterna com os demais poderes. Como se dará tal relação? Ela será capaz de garantir apoio ao governo nas futuras votações no Congresso? Ninguém sabe. O que se sabe é que a base parlamentar de Lula é pequena, especialmente após o fracasso das negociações com o PMDB. O PT vem afirmando que terá condições de negociar de maneira diferente com os partidos, sem cair no toma-lá-dá-cá, para usar uma expressão do presidente da sigla, José Genoino.

Parte da resposta de como o governo irá compensar a sua base parlamentar pequena parece residir no pacto social que Lula pretende implantar e que mereceu destaque no discurso do presidente. Não está claro como o novo governo pretende obter consenso para temas espinhosos como as reformas da Previdência e tributária por meio de reuniões com centenas de pessoas vindas de grupos sociais distintos. Menos claro ainda é saber como qualquer decisão saída de discussões com tanta gente respeitará os limites atuais das finanças públicas. Afinal, as demandas são enormes e dificilmente líderes de classe iriam se reunir para propor redução de gastos do governo.

No campo da economia, o presidente reafirmou seu "compromisso com a produção". O que exatamente quis dizer não ficou claro. Falou muito rapidamente em manter condições macroeconômicas saudáveis e dedicou pouquíssimas palavras à inflação, hoje tida como o maior problema potencial para o país em 2003. Disse que o país precisa exportar mais, o que é verdade. E prometeu incrementar o mercado interno, novamente sem explicar o significado de suas palavras. Ainda segundo o discurso, o ponto central do novo modelo econômico será a ampliação da poupança interna.

Os economistas costumam receitar aumento do ajuste fiscal (com a conseqüente redução da despoupança do governo), algo que não combina muito com o que normalmente defendem os economistas do PT. Lula tangenciou assim um enorme desafio para o novo governo: manter a ortodoxia atual e, ao mesmo tempo, mudar a política econômica. Trata-se de um aparente paradoxo que até agora ninguém nem Lula, nem o ministro da Fazenda, Antonio Palocci conseguiu traduzir.

Quanto às relações do Brasil com o exterior, Lula propôs um duro combate ao protecionismo dos países ricos, uma meta acertada, mas que não difere tanto assim das ações comerciais brasileiras nos últimos anos. Ao mesmo tempo, reafirmou seu compromisso com a América do Sul e, em especial, com o Mercosul. Trata-se de uma intenção que pode fazer sentido politicamente mas que embute sérios limites econômicos para o Brasil. De todo modo, não combina muito o desejo em aumentar as exportações com uma política comercial restrita aos limites geográficos da América do Sul.

O discurso do presidente Lula iluminou as dificuldades a serem enfrentadas por seu governo. Particularmente quanto à economia, evidenciou que a nova equipe ainda precisa de tempo para amadurecer um projeto que concilie o desejo de mudança com a necessidade manter as conquistas dos últimos anos.

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