Paralisação nos EUA chega a um mês e aumenta agonia de servidores
Servidores ficaram sem receber salários e a economia americana perde US$1,2 bilhão por semana
Estadão Conteúdo
Publicado em 20 de janeiro de 2019 às 11h31.
Última atualização em 20 de janeiro de 2019 às 11h48.
Washington - O governo americano chega hoje ao 30.º dia de paralisação em razão do impasse entre a Casa Branca e os democratas sobre a promessa do presidente Donald Trump de construir um muro na fronteira com o México. Além de ser a mais longa da história americana, a paralisação já começa a afetar seriamente os servidores, que ficaram sem receber salários, e a economia americana, que perde US$ 1,2 bilhão por semana.
Em Washington, a população flutua de 700 mil a 1 milhão de pessoas por dia em razão dos funcionários públicos que vão à cidade para trabalhar em setores do governo. Em entrevista, a prefeita, Muriel Bowser, se mostrou preocupada com o efeito da paralisação e da ausência de pessoas na cidade, cuja economia depende dos servidores públicos. "Isso afeta todos os negócios e serviços que essas pessoas utilizam, pelo fato de que os servidores não estão sendo pagos", afirmou.
O impasse entre a Casa Branca e os democratas é em torno da previsão de US$ 5,7 bilhões de verba para construir o muro na fronteira com o México - proposta de campanha de Trump. Enquanto não aprovam um orçamento, 800 mil servidores federais estão sem remuneração. Cerca de metade está em licença, enquanto os demais trabalham de graça.
O brasileiro Marcus Vinícius Rosa é motorista do Lyft, aplicativo que rivaliza com o Uber, em Washington. Ele sentiu o impacto da paralisação na sua receita mensal. Segundo ele, nas semanas da paralisação, a busca pelo serviço caiu para menos da metade. "Cerca de 90% das pessoas que atendo na área de Washington é gente que trabalha no serviço público. Aqui, a grande empresa é o governo. Se você corta o salário do funcionário público, isso afeta a cidade", conta.
De acordo com Rosa, o faturamento que era de US$ 100 caiu para algo ao redor dos US$ 35. "Se os funcionários públicos estão fora, todos os negócios que giram ao redor deles são afetados", afirma.
Na capital americana, a mudança na dinâmica da cidade deixou as ruas vazias. Não só pelos funcionários federais que estão em licença ou com atividades limitadas, mas pela ausência de turistas. Os museus, gratuitos e em grande quantidade na região do chamado National Mall, fecharam as portas.
Iná Chaves, moradora de Washington, se frustrou com a falta de opções culturais na cidade em razão da paralisação. "Esperei o inverno chegar para aproveitar os museus da cidade, mas estão todos fechados. Também costumo acompanhar a programação sazonal de filmes da Galeria Nacional, que é ótima. Mas, como o museu fechou, toda a programação foi cancelada."
A pista de patinação aberta justamente no período de inverno nos jardins da Galeria Nacional está fechada. O museu é um dos 17 espaços culturais da rede Smithsonian afetado pela paralisação do governo.
Em várias partes dos EUA, imagens dos efeitos da paralisação estampam as páginas do noticiário. Nesta semana, servidores do setor de aviação protestaram no Aeroporto Internacional de Sacramento, na Califórnia, pelo fim da paralisação.
Alertas
Servidores do controle de imigração e segurança dos aeroportos estão trabalhando sem receber os salários para manter os serviços funcionado. Um dos terminais internacionais do Aeroporto de Miami chegou a fechar no fim de semana passado.
Parques nacionais estão fechados ou com serviços limitados. Em Washington, a coleta de lixo no National Mall, coração da cidade, fica a cargo de servidores federais. A prefeitura, no entanto, decidiu incluir o local na rota de coleta para evitar que a principal região da cidade fique suja. A coleta de lixo na área tem custado US$ 70 mil por semana para a prefeitura da cidade.
Outra consequência foi o alerta dos bancos americanos aos clientes. As instituições começaram a enviar avisos aos correntistas para que procurem a agência caso estejam afetados pela paralisação do governo.
A maior parte dos servidores públicos relata, em protestos, que não tem condições de pagar as contas básicas, como aluguel ou hipoteca. Para piorar o cenário, as famílias mais pobres poderão ficar sem receber a ajuda alimentar no fim de fevereiro, caso o impasse político entre Trump e os democratas não se resolva até lá.
Bolso vazio, barriga cheia
O chef de cozinha José Andrés, um espanhol responsável por restaurantes estrelados de Washington, decidiu usar um projeto fundado para ajudar pessoas em situação de pobreza extrema para atender servidores federais que estão sem receber pagamento em razão da paralisação parcial do governo americano.
Ao considerar "um outro tipo de desastre" o fato de 800 mil funcionários estarem sem trabalho, Andrés abriu um restaurante temporário em Washington, na quarta-feira, 16, para oferecer refeições para os funcionários federais levarem para casa. As filas dobraram o quarteirão.
No primeiro dia, o time de Andrés ofereceu 4,4 mil refeições das 11 horas às 18 horas - o dobro do estimado. No segundo, foram 5,5 mil. O cardápio inclui sopa, refeição ou sanduíche, além de frutas e café, tendo opções veganas disponíveis.
Desastres
O trabalho é feito por um time do World Central Kitchen - que em tradução livre significa Cozinha Central Mundial -, projeto criado pelo chef de cozinha, em 2010, para atender sobreviventes do terremoto que atingiu o Haiti.
Depois do furacão Maria, em 2017, em Porto Rico, Andrés e sua equipe ofereceram mais de 3,6 milhões de refeições para a população local. De lá para cá, ele levou o projeto a outros lugares, como um abrigo em Tijuana, no México, usado temporariamente como lar de imigrantes que tentam cruzar a fronteira rumo aos EUA.
Um de seus restaurantes de Andrés em Washington ganhou duas estrelas no Guia Michelin e ao menos quatro receberam o selo Bib Gourmand, do mesmo guia, que avalia restaurantes de boa qualidade a preços acessíveis. Um deles, o mexicano Oyamel, já recebeu Barack e Michelle Obama para jantar.
A 300 metros do Oyamel e na região onde Andrés concentra cinco casas, o chef abriu a cozinha temporária para receber os servidores federais sem salários. A escolha do local teve uma estratégia: exatamente na metade do caminho entre a Casa Branca e o Capitólio, que protagonizam o impasse em torno do orçamento americano responsável pela paralisação.
Culpa
Sharon Johnson, servidora da Justiça federal, está trabalhando sem receber salário. Ela foi todos os dias no almoço, durante esta semana, no restaurante itinerante de Andrés. "Nenhuma das minhas contas do mês foi paga", afirma. Ao lado de outras duas colegas do Judiciário federal, Sharon faz coro quando é questionada sobre qual dos envolvidos na paralisação é culpado pela situação atual: "o número 45, claro", respondem. "Número 45" é uma forma de se referir a Trump sem mencionar o nome do presidente, que é o 45.º a ocupar a Casa Branca. "Os EUA não têm de construir um muro", afirmou Sharon.
Sanduíches
Diane Lynne é servidora da agência federal de proteção ambiental e também foi almoçar no restaurante de Andrés após saber da iniciativa pelo noticiário. "Não posso pagar o aluguel. Não tenho como pagar minhas contas. O José Andrés é incrível, todos seus restaurantes estão dando sanduíches de graça", afirmou Lynne.
Antes de abrir o restaurante itinerante, quando surgiram as primeiras notícias de que a paralisação do governo americano estava afetando os salários dos servidores, Andrés começou a distribuir sanduíches em seus restaurantes em Washington. A cozinha temporária deve funcionar até que os servidores voltem a receber salários. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.