Economia

Para Monica de Bolle, EUA perdem mais do que China em guerra comercial

"Não vou dizer que a China tem a faca e o queijo na mão, mas tem mais poder de transformar isso em algo vantajoso", diz a economista

DE BOLLE: reforma tributária de Trump pode ter severas consequências para o comércio internacional, com implicações para o crescimento  (Fernando Lemos/Exame Hoje)

DE BOLLE: reforma tributária de Trump pode ter severas consequências para o comércio internacional, com implicações para o crescimento (Fernando Lemos/Exame Hoje)

João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 10 de abril de 2018 às 15h50.

Última atualização em 10 de abril de 2018 às 18h21.

São Paulo - De acordo com a economista Monica Baumgarten de Bolle, os Estados Unidos têm mais a perder do que a China com a disputa em torno de tarifas.

"Embora seja verdade que os EUA comprem mais da China do que o contrário, e que tenham mais alvos potenciais, a China não tem medo porque o Xi Jinping acaba de se instalar no poder para todo o sempre", diz a economista.

Ela não classificaria o que está acontecendo como uma guerra comercial (por enquanto) e vê estratégias políticas claras nos produtos escolhidos como alvo pelos dois países.

Monica mora em Washington, DC e é Senior Fellow do Peterson Institute for International Economics, além de professora da Johns Hopkins University.

Ela também já foi professora da PUC-Rio e economista do Fundo Monetário Internacional (FMI). Veja na íntegra a entrevista concedida por telefone para o site EXAME na última quinta-feira (05):

Trump pediu um estudo sobre uma nova rodada de tarifas sobre a China. Já estamos em uma guerra comercial?

Não há uma definição rigorosa deste termo. Na minha opinião, este cenário vai ocorrer quando as tarifas estiverem em vigor. O que tivemos até agora foi um anúncio dos EUA, com uma lista de 1.300 produtos chineses, e a lista retaliatória da China, de 106 produtos americanos.

São listas, anúncios, intenções, mas que ainda não foram aplicadas. Estamos no preâmbulo de uma guerra comercial que ainda não acontece. Alguns usam o termo mais livremente porque só a ameaça já repercute nos mercados e preços.

A escalada começou com as tarifas sobre aço e alumínio, importantes para a base de Trump, e agora a China mira a soja, afetando apoiadores do republicano. O que estas escolhas dizem sobre a estratégia dos países?

Dizem muito, dos dois lados. É evidente, na lista de 1.300 produtos chineses mirada pelos EUA, que se evitou a inclusão de bens de consumo final, como vestuário e eletroeletrônicos como smartphones, para que o consumidor americano não sentisse claramente os efeitos das tarifas.

A contrapartida natural dessa escolha foi dirigir as tarifas para produtos, máquinas, equipamentos e bens de capital que curiosamente acabam afetando a própria indústria manufatureira americana interna, que Trump prometeu proteger e resgatar. Isso mostra como é difícil pros EUA andar nesta corda bamba.

O outro lado da história são as duas listas chinesas, orientadas para machucar a base dos republicanos. A primeira lista de 128 produtos, em resposta às tarifas de aço e alumínio, foi estratégica nos distritos onde o Trump venceu com uma margem considerável de votos.

Temos por exemplo a carne suína, uma grande exportação para a China, feita no Iowa e estados do Meio Oeste, além das amêndoas e frutas secas. Ou o gengibre, produzido em um distrito específico no Wisconsin onde o Trump venceu por uma margem muito grande.

A segunda lista, de 106 produtos, atinge em cheio 3 categorias. Uma delas é aviões e partes de aviões: a Boeing tem montadoras em Seattle e na Carolina do Sul, mas partes fabricadas no país todo, especialmente em estados onde ainda resta indústria tradicional.

Restrições à soja atingem áreas rurais, também uma base do Trump, e restrições aos automóveis atingem a cadeia de valor de toda a indústria manufatureira.

Você consegue ver alguma estratégia econômica clara por trás das atitudes americanas?

Não. Se a administração Trump tivesse uma estratégia bem elaborada pra lidar com a China, os EUA jamais teriam abandonado o TPP (Parceria Transpacífico).

Uma das razões deste acordo, pensado na administração Obama, era justamente juntar um grupo relevante de países pra fazer frente à uma série de coisas e em especial às práticas comerciais desleais da China, sobretudo em propriedade intelectual. Era um dos principais capítulos do TPP original.

Quando Trump abandona o acordo no segundo dia de governo, abandona esta frente de batalha e uma estratégia potencialmente bem-sucedida. Tentar se contrapor sozinho à China não faz sentido algum.

Embora seja verdade que os EUA comprem mais da China do que o contrário, e que tenham mais alvos potenciais, a China não tem medo porque o Xi Jinping acaba de se instalar no poder para todo o sempre e não tem ameaças políticas domésticas.

E a China tem como se defender por causa da sua própria inserção global atual. Soja eles podem comprar do Brasil e de outros; o que perturbar sua cadeia de suprimentos, eles também podem comprar de outros países. O que não puderem comprar, eles absorvem.

O Xi controla a imprensa inteira. Se os preços começarem a subir, e os consumidores chineses sentirem os efeitos da guerra, ele pode colocar a imprensa inteira contra os EUA. É uma máquina e um poder geopolítico que os EUA não têm, até porque a administração Trump está alienada de quase todos os seus aliados.

Não vou dizer que a China tem a faca e o queijo na mão, porque isso nunca é verdade em uma guerra comercial, mas é inquestionável que tem mais poder de transformar isso em algo vantajoso para si.

E qual é o efeito para o Brasil? Uma guerra comercial prejudica o crescimento mundial, mas gera a oportunidade de absorvermos alguns desvios de comércio.

O Brasil deveria estar mapeando ganhos e perdas de setor a setor. Soja, por exemplo: se houver de fato esta tarifa chinesa sobre a soja americana, o Brasil talvez se beneficie por ser o principal competidor que poderá vender mais para a China, como já vem fazendo desde 2012.

Mas por outro lado, o Brasil não determina o preço internacional de soja, mesmo sendo grande produtor. E a guerra comercial está causando muita volatilidade nos preços futuros, o que é ruim para os produtores brasileiros planejarem produção e investimento.

Você pode fazer o mesmo raciocínio para vários setores. Pode ser que as exportações brasileiras se beneficiem, mas o grau de volatilidade e incerteza já está aumentando muito.

Na medida que o Brasil se reposiciona no mundo, com uma nova postura de abertura comercial, também há oportunidades neste cenário?

Sim, apesar de tudo o momento é oportuno, se tiver uma estratégia. Tem muito chão para recuperar, dado nosso isolamento por tanto tempo.

Está todo mundo que não é EUA e China tentando se mexer, e o TPP revisado é um exemplo disso. Nessa movimentação há países interessados em laços mais fortes com o Brasil – não é só o acordo Mercosul-EU, mas também do Brasil com México e Canadá.

Com isso conseguimos impulso para as reformas internas necessárias, já que o comercio é uma grande maneira de puxar reformas microeconômicas, regulatórias e de ambiente de negócios.

Tanto melhor também se você conseguir se proteger diversificando seu rol de parceiros. Depender de EUA e China neste momento é péssimo.

E o NAFTA (Acordo de Livre Comércio da América do Norte)? Prevalece a aposta de que uma ruptura não interessa a ninguém?

Não interessa. Fora a cabeça maluca de Trump e isso de que é o pior acordo do mundo, para o setor privado americano foram praticamente 25 anos e já está tudo integrado.

Tivemos um estremecimento em novembro, quando parecia que ia desandar, mas a chance de um NAFTA renegociado aumentou muito nas últimas semanas. Agora que eles quiseram comprar briga com a China, seria um tiro na cabeça também comprar briga com México e Canadá.

É provável que anunciem na Cúpula das Américas um acordo preliminar, mas há muito a fazer, porque só 40% dos capítulos em revisão foram finalizados; toda a parte de propriedade intelectual ainda não entrou.

É difícil ver um acordo amarradinho antes das eleições mexicanas em julho e das eleições legislativas americanas em novembro.

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