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O neoliberalismo não morreu

Para Paul Krugman, um dos economistas mais renomados do mundo, o próximo presidente do Brasil deve cuidar melhor dos pobres, mas manter o modelo econômico da última década

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 11h16.

Como definir o desafio do sucessor de Fernando Henrique Cardoso? Para o economista americano Paul Krugman, da Universidade Princeton, o novo presidente terá de adaptar as políticas neoliberais sem descaracterizá-las. Será preciso investir no social e manter a abertura e as privatizações. Uma das maiores autoridades mundiais em crises financeiras, Krugman diz que o primeiro passo é reconquistar a confiança no país. "Sem isso, o Brasil entrará num terreno muito perigoso sobre o qual prefiro não especular", afirmou ele por telefone. O economista estará em São Paulo, no dia 8 de novembro, para participar da Expo Management, um congresso de gestão promovido pela empresa de eventos HSM e que contará com o apoio de EXAME.

Qual é a sua opinião sobre a situação econômica internacional?
O mundo está claramente em uma desaceleração econômica de proporções consideráveis. Basta olhar para as maiores economias do globo: todas estão andando mais devagar. Se a desaceleração desembocará numa recessão tal como os economistas a definem ainda não sabemos, mas é certo que há um quadro bem feio nas economias centrais. O foco central da desaceleração são os Estados Unidos, em épocas normais a locomotiva mundial. O país está vivendo uma dramática reversão de expectativas. Mas a desaceleração também acontece no Japão e, numa escala menor, na Europa.

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Como os Estados Unidos estão lidando com a crise?
É preciso entender um pouco a natureza do momento atual. Todas as recessões americanas desde os anos 60 foram resultado de crises inflacionárias e do conseqüente aperto monetário. Eram recessões, de certa maneira, inevitáveis. Mas, ao mesmo tempo, era relativamente fácil encerrá-las. Uma vez que as pressões inflacionárias eram controladas, a política monetária podia ser relaxada e a economia voltava a crescer. Agora a crise é diferente. O problema central não é uma alta de preços, mas um excesso de investimento ocorrido nos últimos anos. E é muito mais complicado encerrar esse tipo de recessão com o uso da política monetária. Ela não tem apenas de restaurar as condições normais mas criar níveis elevados de gastos para compensar a queda dos investimentos. Isso é muito mais difícil de ser feito. Estamos observando que há limites para o que a política monetária pode fazer.

O que poderia ser feito?
Precisamos pensar em outros mecanismos para enfrentar os problemas. A meu ver, um estímulo fiscal temporário seria extremamente bem-vindo. Ele ajudaria a criar uma ponte até as empresas se recuperarem. O problema é que a administração Bush não propôs nada além de corte permanente de impostos, algo que não tem ajudado em nada a economia.

Como o conflito com o Iraque interfere no cenário internacional?
Em teoria, as guerras significam um gasto extra na economia, o que traz algum benefício aos negócios. Só que, aparentemente, os gastos extras do governo serão pequenos, pois os Estados Unidos usarão basicamente forças militares já existentes. O estímulo fiscal será modesto. Por outro lado, qualquer coisa que faça o preço do petróleo subir é ruim para a economia. É muito provável que a crise militar dificulte ainda mais o cenário econômico.

Diante desse quadro, o que os países emergentes podem esperar do futuro próximo?
A boa notícia para os emergentes é que estaremos em um mundo de taxas de juro baixas. A questão é saber até que ponto o Brasil acompanhará o mesmo movimento com sua taxa doméstica. A má notícia é que a demanda por produtos brasileiros no mercado internacional será menor com a crise externa. Não está claro qual efeito prevalecerá, o positivo ou o negativo. Mas, certamente, não estamos falando de um cenário no qual as economias centrais vão puxar o resto do mundo.

Muita gente interpretou o avanço da esquerda brasileira nas últimas eleições como uma reação contrária ao Consenso de Washington e ao neoliberalismo.

O que o senhor acha disso?

É preciso certo cuidado com esse tipo de avaliação. Há muitos pontos positivos no Consenso de Washington. É muito comum comparar a realidade atual com um mundo ideal imaginário. Talvez o correto fosse comparar o que temos hoje com o período anterior à adoção das políticas do consenso. Quem olha para a economia brasileira em 2002 certamente fica desapontado, mas, se a alternativa for o Brasil do Collor, por exemplo, houve claramente uma evolução. Portanto, não acho que a ortodoxia tenha sido um fracasso completo. Mas acho também que o Brasil e outros países compraram a ilusão de que bastava adotar uma série de políticas e uma mágica iria acontecer. E a mágica não aconteceu. Ao mesmo tempo, talvez o governo brasileiro não tenha feito o que poderia para atenuar o impacto das medidas liberais nos grupos de pessoas mais vulneráveis às mudanças. Não acho que Lula esteja errado em parte de suas críticas. Não diria que bastava manter a ortodoxia econômica por mais dois anos que tudo daria certo. É justo que os brasileiros queiram uma correção de rumos. A eleição reflete uma desilusão com o neoliberalismo. É compreensível que a esquerda moderada ressurja em vários países.

Qual seria uma correção de rumos acertada?
Para o Brasil, a resposta é mais complicada do que para a Argentina. No caso argentino me parecia claro que o câmbio fixo e o currency board foram um enorme engano. Mas o Brasil evitou esse erro. O que Lula deveria fazer, se eleito? Bem, eu recomendaria a ele que mantivesse o rumo atual em direção a uma maior liberalização comercial e fizesse mais privatizações, mas ao mesmo tempo aumentasse o gasto social. É claro que é fácil falar e dificílimo fazer, tanto em termos práticos quanto políticos. O ideal seria uma economia de mercado que defendesse os mais prejudicados. Espero que o Brasil não adote uma mudança radical de rumos e se contente com tentar reduzir o sofrimento dos mais pobres.

Os países pobres reclamam que a globalização não tem

funcionado a seu favor por causa do protecionismo dos ricos. E que deveriam responder com protecionismo...

O livro-texto de economia diria que liberalização comercial é sempre bem-vinda, independentemente do que fazem os outros países. Os ganhos são reais para os países que se abrem ao comércio mesmo que os outros continuem protecionistas. Não se faz liberalização comercial como um favor a outros países. Mas isso não significa dizer que o Brasil não deva negociar o acesso de seus produtos a outros mercados. E é verdade que os países ricos têm agido muito mal nesse campo. Espero que o Brasil não assuma uma postura protecionista e impeça a importação de produtos avançados enquanto o suco de laranja brasileiro, por exemplo, não estiver sendo vendido nos Estados Unidos. Isso prejudicaria o Brasil. Hoje percebo mais claramente os limites políticos da abertura, mas continuo acreditando totalmente nos ganhos que ela traz. Espero que os brasileiros não revertam a abertura da última década. Mas temo que o protecionismo aumente nos próximos anos no mundo todo. As pessoas aprenderam muito para repetir os erros dos anos 30. Não acho que haverá um fechamento radical das economias. Mas pode haver algum movimento nessa direção, uma vez que os liberais estão na defensiva.

O que o senhor pensa da Alca, a Área de Livre Comércio das Américas?
Se fosse para valer, ela seria muito boa para o Brasil. Muitos produtos brasileiros que hoje esbarram no protecionismo passariam a ser vendidos no mercado americano. Mas não perco muito tempo com o tema porque acho que as chances da Alca são pequenas. Creio que os interesses contrários nos Estados Unidos são muito fortes. Sei que os brasileiros só entrariam num acordo se os Estados Unidos estivessem dispostos a se abrir -- por exemplo, permitindo que o suco de laranja tenha acesso livre ao mercado americano --, o que provavelmente significa dizer que nada acontecerá nas próximas décadas.

Outro ponto em debate diz respeito à necessidade de uma política industrial brasileira. Qual é a sua opinião?
Não acho que o Brasil deveria adotá-la. Entendo por que as pessoas defendem as políticas industriais, mas acho que os antigos argumentos contrários continuam válidos. São argumentos tanto em termos práticos -- de que essas políticas não ajudam muito -- quanto políticos -- de que o apoio às empresas sempre desemboca em favoritismos e corrupção. Seria muito cauteloso nesse campo.

O FMI tem sido bom ou ruim para os países emergentes e para o Brasil?
Acho que um acordo com o FMI ajuda a afetar positivamente as expectativas das pessoas em relação a determinado país. Se o Brasil está com problemas e consegue a ajuda do fundo, melhor para vocês. O que não quer dizer que o FMI esteja sempre certo e que não tenha tomado decisões ruins no passado recente. Os países devem evitar adotar políticas que considerem erradas, mas não acho que seja o caso atual.

Como o senhor interpreta a crise brasileira?
Tudo o que li sobre o Brasil até aqui me indica que o país vive uma crise de profecia auto-realizável. As coisas são relativamente simples: se todos achassem que o Brasil está bem, ele estaria bem. Mas o Brasil tem um nível de endividamento tal que, se o mundo pensar que o país tem problemas, então ele efetivamente estará com problemas. As eleições levaram as pessoas a ter expectativas negativas que se auto-realizaram. O desafio do próximo presidente é restaurar a confiança na economia. Ou seja, não há nada de fundamentalmente errado com o país. Existem problemas, é claro. Mas não se trata de uma crise em resposta a políticas econômicas irresponsáveis. Ao contrário, elas são boas.

Como restaurar a confiança?
Essa é a parte difícil. Suspeito que Lula, caso eleito, tenha de deixar claro que é Bill Clinton, e não Ross Perot, o candidato independente derrotado na eleição americana em 1992. Ele tem de mostrar que quer reformar o país e ajudar os pobres, mas não será um louco que vai repudiar as dívidas. Se conseguir, é possível que as pessoas entendam que Lula pode levar o país a uma situação melhor e mais estável. Mas se não conseguir restaurar a confiança acho que o país entrará num terreno muito mais perigoso, sobre o qual não gostaria de especular. O melhor é esperar para ver o que ele fará nos primeiros meses.

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