O desafio do comércio exterior
Muito tem sido dito sobre a nova equipe econômica brasileira, alívio incontestável em relação ao triunfo da incompetência, marca da gestão de Dilma Rousseff. Naturalmente, a atenção tem se voltado para os nomes do Ministério da Fazenda e do Banco Central, sobretudo do Ministério da Fazenda, que terá trabalho árduo para descobrir qual o tamanho […]
Da Redação
Publicado em 20 de maio de 2016 às 11h41.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h03.
Muito tem sido dito sobre a nova equipe econômica brasileira, alívio incontestável em relação ao triunfo da incompetência, marca da gestão de Dilma Rousseff. Naturalmente, a atenção tem se voltado para os nomes do Ministério da Fazenda e do Banco Central, sobretudo do Ministério da Fazenda, que terá trabalho árduo para descobrir qual o tamanho do buraco que o governo afastado cavou nas contas públicas brasileiras. Este, entretanto, não é um artigo sobre os desafios fiscais, amplamente conhecidos e debatidos à exaustão. Este artigo trata de outro tema — tema este que o novo governo parece pronto a encaminhar como há muito não se via.
Foram muitos os artigos escritos por diversos economistas, inclusive por mim, sobre o tema do comércio exterior, sobre o isolacionismo brasileiro, sobre o fato de sermos uma das economias mais fechadas do planeta. Há muito tempo o Brasil não tem estratégia clara para a política externa. A política externa do governo de Dilma Rousseff foi pródiga em desmandos e anomalias. Não à toa, estados falidos, como a Venezuela, de Maduro, a trágica Venezuela, atacaram de modo veemente o afastamento da presidente. A razão é conhecida: a Venezuela acaba de perder o mais importante apoio diplomático e financeiro da região.
A guinada de Michel Temer na política externa brasileira prenuncia-se com a posse do senador José Serra como ministro das Relações Exteriores e com as novas responsabilidades que o cargo terá no âmbito do comércio exterior. Há muito o que fazer: procurar formas de engajamento com a Aliança do Pacífico; repensar o Mercosul juntamente com parceiros como a Argentina, que, sob a liderança de Macri, já deu sinais de que pretende reavaliar o acordo que jamais funcionou bem para parte alguma; levar a cabo as negociações entre o Mercosul e a União Europeia; retomar a agenda de facilitação de comércio entre o Brasil e os Estados Unidos. Para avançar nessas e em outras áreas é preciso tratar de temas espinhosos, como as nefastas regras de conteúdo local disseminadas por toda parte pelo governo de Dilma Rousseff. É preciso, também, ter bom entendimento sobre como está o Brasil, hoje, no mundo.
É recorrente a ideia de que o Brasil nos últimos anos se tornou primordialmente um país exportador de produtos básicos. Verdade que nossa indústria sofre há anos com políticas equivocadas, carga tributária demolidora, excesso de regulações que dificultam a atividade produtiva, e por aí vai. Contudo, há alguns dados interessantes, frequentemente ignorados. Segundo a base de dados de comércio do Banco Mundial (WITS – World Integrated Trade Solution), 62% das exportações do Brasil para os Estados Unidos são de bens intermediários ou bens de capital, ante apenas 23% de produtos primários. Para a União Europeia, o Brasil exporta cerca de 46% do total em bens intermediários ou de capital, ante 41% de produtos primários — ou seja, o peso dos primários na pauta dessa relação bilateral é praticamente igual ao de produtos com maior valor adicionado. Por fim, para a China destinamos 84% de nossa produção primária, ante míseros 15% em bens de capital e bens intermediários. Há, portanto, espaço para não apenas promover a indústria brasileira entre alguns de nossos principais parceiros comerciais como, sobretudo, priorizar as relações entre os países que mais compram produtos industriais made in Brazil.
Por falar em made in Brazil, outro dado amplamente desconhecido assusta. Revela a World Input-Ouput Database (Wiod) que, entre 1995 e 2011, o conteúdo de valor adicionado importado nas exportações de produtos manufaturados brasileiros praticamente não mudou, passando de 9% para 11% em uma década e meia. Em contrapartida, na China tal número saltou de 10% para 35% no mesmo período, enquanto na Índia o pulo foi de 9% para 24%. Ou seja, enquanto a indústria exportadora nacional permaneceu caracterizada pelo viés nacionalista, outras grandes economias emergentes passaram a enxergar as virtudes do made in the world.
Por fim, um livro muito interessante de Caroline Freund, do Peterson Institute for International Economics ( Rich People, Poor Countries, publicado neste ano), mostra claramente a ausência de dinamismo no Brasil com base em dados sobre as grandes fortunas de diversos países emergentes. Há imenso contraste no que se vê no Brasil, de um lado, e na Índia e na China, de outro. Enquanto no Brasil cerca de metade dos bilionários do país são indivíduos que herdaram suas fortunas, na Índia e na China os bilionários são majoritariamente empreendedores que formaram as próprias empresas, sem depender de conexões políticas ou apadrinhamentos, ao contrário do que muitos imaginam. Na Rússia, não surpreendentemente, cerca de 70% dos indivíduos bilionários não são self-made, mas, sim, gente politicamente conectada e apadrinhada.
O que toda essa evidência empírica revela é que o Brasil tem muito o que fazer para correr atrás do prejuízo causado por anos de isolacionismo. As novas lideranças que vão tratar desses temas inspiram grandes expectativas. Avancemos, pois.