Na Argentina, saqueadores destroem sacas de soja de US$ 100 mil
Segundo a teoria mais popular, os ataques seriam cometidos por fanáticos pró-governo para obrigar produtores a exportar o grão e gerar divisas
Ernesto Yoshida
Publicado em 22 de novembro de 2020 às 16h23.
Última atualização em 23 de novembro de 2020 às 01h08.
Os silos-bolsas, com 60 metros de comprimento e repletos de soja recém-colhida, marcam a paisagem do Pampa argentino nesta época do ano e têm um valor considerável: quase US$ 100 mil por unidade nos preços atuais.
Por isso, quando vândalos começaram a se infiltrar nas fazendas na calada da noite para abrir os silos com facas, expondo o conteúdo à umidade e tornando-os inúteis, os agricultores ficaram atentos. Esse tipo de incidente ocorre há vários anos na Argentina , dizem, mas nunca no ritmo atual. Os ataques ocorreram em uma rápida sequência nos últimos meses, elevando o total no ano para mais de 150, de acordo com associações do setor.
Há muitas teorias sobre o que está por trás dos ataques. Muitas giram em torno da crescente tensão entre o governo de esquerda de Buenos Aires e ricos agricultores do interior. Segundo a teoria mais popular, os ataques são realizados por fanáticos pró-governo para assustar agricultores e levá-los a exportar soja — gerando os dólares tão necessários ao país, onde há falta de notas — em vez de guardarem os grãos por meses como proteção contra a desvalorização da moeda e inflação galopante. Autoridades do governo descartam a ideia por considerarem que não tem fundamento.
Seja qual for o motivo, os agricultores estão fartos. Na província de Córdoba, que concentra 25% da produção de soja do país, o ministro da Agricultura local está coordenando a implementação de um projeto-piloto para instalar alarmes nos silos-bolsas.
“O vandalismo está se comportando como um vírus que se expande, sem direção e sem discernimento, com a única premissa de causar dano pelo dano”, segundo comunicado das Confederações Rurais Argentinas.
Por duas décadas, os agricultores argentinos usaram os silos-bolsas para armazenar soja nos campos. Feitos de polietileno, os silos se tornaram um símbolo de tensão entre o agronegócio e um governo faminto por sua parte nos bilhões em divisas que os grãos rendem quando exportados.
O peso perdeu metade do valor nos últimos dois anos e, com políticas intervencionistas em alta, o estoque de soja volta aos níveis de uma década atrás, quando governo e agricultores tiveram um duro confronto.
O acúmulo também é uma pedra no sapato dos exportadores, que enviam mais farelo e óleo de soja da Argentina do que de qualquer outro lugar. A Archer-Daniels-Midland, que exporta grãos argentinos não processados, chamou a atenção para a questão na quinta-feira.
Destacando a natureza idiossincrática da agricultura na Argentina, os estoques de soja dos EUA devem atingir o menor nível em sete anos, quando a forte demanda chinesa e a seca na América do Sul elevam os preços futuros.
* Com a colaboração deMichael Hirtzer,Sam HallePatrick McKiernan