Economia

Modelo defende mercado de energia sob controle público. Dará certo?

Uma nova proposta para o setor de energia questiona a capacidade das empresas privadas de promover a expansão do setor, defende o fim da concorrência no mercado, devolve ao Ministério das Minas e Energia a função de coordenador da política energética e cria uma nova instituição pública, organizada na forma de um condomínio de empresas […]

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h53.

Uma nova proposta para o setor de energia questiona a capacidade das empresas privadas de promover a expansão do setor, defende o fim da concorrência no mercado, devolve ao Ministério das Minas e Energia a função de coordenador da política energética e cria uma nova instituição pública, organizada na forma de um condomínio de empresas (pool), para assumir a operação do sistema. O novo modelo foi elaborado pelo grupo de pesquisa do programa de pós-graduação em Energia da USP sob a coordenação de Ildo Sauer, professor da instituição e novo diretor da Petrobras. O trabalho foi apresentado hoje em Brasília à ministra das Minas e Energia, Dilma Rousseff. A adesão ao novo modelo seria opcional e promovida de forma gradual , diz Ildo Sauer. Não estamos propondo a quebra de contratos já firmados. Se implementado, o modelo tentará tirar do mercado (leia-se empresas) e devolver ao Estado a regulação do setor. Dará certo?

A proposta coordenada por Sauer é longa e detalhada ao longo de um relatório com uma centena de páginas. Em linhas gerais, o trabalho questiona duas premissas do modelo atual: a viabilidade de competição no mercado de energia e a capacidade de auto-regulamentação do setor. Esses dois pontos, afirmam os defensores da mudança, estariam na raiz dos graves problemas enfrentados pelo setor: crise de energia, empresas endividadas e tarifas elevadas.

Para os autores do novo modelo, a energia é um produto singular: homogêneo e sem diferencial que possa gerar concorrência. Sua produção depende de custos fixos elevados e está, no caso brasileiro, à mercê das variações do clima, já que a maioria da energia é produzida por hidroelétricas. As incertezas no curto prazo geradas por essas características, diz o trabalho, aumentam a percepção de risco do investidor, que por isso exige altas taxas de retorno para se manter no negócio e promover sua expansão.

A estrutura de apoio do novo modelo é um condomínio (major buyer pool) formado por empresas de geração e transmissão de eletricidade. O condomínio não chega a ser uma estatal, mas tem a estrutura de uma empresa pública. O relatório da USP propõe que o condomínio seja administrado por uma nova empresa, a Comercializadora Brasileira de Energia (CBE), que pode ser criada a partir da reformulação da atual Comercializadora Brasileira de Energia Emergencial (CBEE). A CBE ficaria subordinada ao Ministério das Minas e Energia.

Caberia ao condomínio uma série de funções, como coordenar a expansão do sistema. Mas sua tarefa primordial seria intermediar a compra de energia das geradoras e a venda às distribuidoras, de forma a garantir o retorno dos investimentos e evitar perdas para as empresas envolvidas. As diretorias desse condomínio assumiriam funções de uma série de órgãos hoje em atividade, como Mercado Atacadista de Energia (MAE), que seria gradualmente extinto.

Empresas públicas federais seriam incorporadas automaticamente ao condomínio: Itaipu, Furnas, Chesf, Eletronorte e Petrobras. Empresas privadas e estatais estaduais poderiam optar ou não pela adesão. Em caso de ingresso, o condomínio assume gradualmente o controle da operação e da energia das usinas.

Dentro do novo sistema, caberia ao condomínio assumir também os riscos de operação e comercialização. Isso seria possível porque o novo organismo não faria apenas a transmissão da energia física, mas também emitira a conta de luz. As transferências financeiras, no entanto, ficariam sob a responsabilidade de uma câmara de liquidação e custódia. Com essa reformulação, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) assumiria apenas a tarefa de fiscalizar os contratos de concessão e a qualidade dos serviços.

Importante: o modelo não considera a livre formação de preços através da competição. As tarifas tomariam como base os custos da operação. Essa nova fórmula seria, inclusive, a base para as licitações futuras. O modelo apresentado por Sauer propõe a expansão do sistema através de licitações baseadas no menor custo, ao contrário do critério em vigor, que prevê maior receita. Essa expansão seria sempre atrelada a um planejamento prévio. Se, por alguma razão, o plano traçado não pudesse ser atendido por empresas privadas, as estatais realizariam as obras necessárias.

Cautela

Após a apresentação para Dilma Rousseff, a proposta foi repassada para o grupo de trabalho do ministério encarregado de elaborar um novo modelo para o setor. Ainda não há uma definição em relação a esse novo modelo , diz Luiz Pinguelli Rosa, presidente da Eletrobras. Mas essa proposta pode ser anexada as várias frentes que hoje estão sendo analisadas no ministério. Pinguelli acompanhou a apresentação do modelo, numa cerimônia que lotou o auditório da Politécnica da USP na noite de segunda-feira. O trabalho começa agora a ser avaliado por empresas ligado ao setor de energia. Temos que ter muito cuidado com modelos , diz José Zatz, sócio da consultoria JZL, há 20 anos ligado ao setor de energia. O modelo anterior aplicado pelo governo de Fernando Henrique Cardoso era bem estruturado, mas não foi bem aplicado .

Como a grande maioria dos colegas, Zatz ainda não teve acesso ao novo modelo - e por isso prefere não comentar as propostas -, mas tem uma avaliação diferente sobre o setor de energia e sobre propostas em geral. A melhor pergunta diante de qualquer modelo é sempre a mesma: Quem vai pagar a conta? , diz. O Brasil precisa de 10 bilhões de reais em investimentos anuais no setor de energia e o governo não tinha esse dinheiro na época da privatização - e ainda não tem.

Zatz acredita no benefício da concorrência. Cita como exemplo o modelo americano que permite às pequenas, médias e grandes empresas - de estabelecimentos comerciais a indústrias de alta tecnologia - escolher o fornecedor de energia pelo critério do menor preço: Em qualquer setor, inclusive no de energia, é a competência e a eficiência da empresa que definem o custo e a qualidade do produto final. O leitor deve estar perguntando: se essa concorrência é válida, como o estado americano da Califórnia viveu um colapso de abastecimento? Porque algumas empresas cobravam caro e não tiveram eficiência para rever sua estrutura , diz Zatz.

O consultor considera a intervenção do poder público um despropósito , por razões que a história do Brasil já mostrou. A intervenção do poder público foi um perigo , diz. Desde 1973, o governo brasileiro usou a tarifa de energia para conter a inflação porque os ministros da fazenda fazem qualquer negócio para regular a economia. A defasagem dos preços na conta de luz é uma das razões, lembra o consultor, para os aumentos praticados após a privatização do setor de energia. Foi também a intervenção do Estado que fez da privatização um negócio fácil para as empresas, que receberam empréstimos para comprar estatais: O setor custou caro para o Brasil no passado. É preciso ter muito cuidado daqui para frente .

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