Economia

Lula terá de trabalhar rápido para reverter imagem externa

Nos últimos oito anos, o Brasil conseguiu vários feitos na área econômica e em relações internacionais. Na economia, houve estabilização da moeda a inflação média, de 1995 a 2001, foi de 8,8% ao ano, segundo o IBGE, com sistemas de metas; adoção do regime de câmbio flutuante; e a implementação da Lei de Responsabilidade Fiscal. […]

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h51.

Nos últimos oito anos, o Brasil conseguiu vários feitos na área econômica e em relações internacionais. Na economia, houve estabilização da moeda a inflação média, de 1995 a 2001, foi de 8,8% ao ano, segundo o IBGE, com sistemas de metas; adoção do regime de câmbio flutuante; e a implementação da Lei de Responsabilidade Fiscal. Hoje, 94% dos municípios cumprem o limite de gastos com folha de pagamento imposto por lei (60% das receitas correntes líquidas). Dos 27 estados, apenas dois estão fora do limite. Na política internacional, obteve, só para citar um caso recente, a nomeação de Sergio Vieira de Mello para o cargo de Alto Comissário de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). O Brasil, na gestão Fernando Henrique Cardoso, assistiu a uma transformação sem precedentes em sua imagem internacional.

Mas então qual é a razão para tantas incertezas econômicas e políticas em relação à sucessão presidencial. Por que os mercados reagem tão negativamente em relação a um eventual governo petista e especulam tanto com o dólar? Qual o possível impacto de uma gestão petista em relação aos mercados e investidores externos? Será que essa crise é justificável?

Analistas econômicos externos parecem acreditar que um eventual governo Lula não será o fim do mundo, mas que o candidato petista deverá realmente afinar o discurso com o mercado, com os membros do partido e tomar atitudes rápidas no início de um eventual mandato para não frustrar as expectativas e evitar levar o país rumo a uma crise mais profunda.

É fácil perceber o que pode acontecer à imagem brasileira diante dos investidores analisando as reportagens da imprensa internacional sobre um possível governo Lula. Para o jornal The New York Times, ainda pesa muito o fato de Lula não ter experiência executiva. "Analistas se preocupam que o posicionamento mais ao centro de Lula seja apenas cosmético e que ele, um metalúrgico sem experiência no governo, venha a gastar muito tempo para colocar o Brasil na rota do crescimento e, ao mesmo tempo, gerenciar os 260 bilhões de dólares da dívida pública", diz o jornal americano em reportagem publicada nesta segunda-feira.

Essa visão é compartilhada pelo jornal britânico Financial Times, com algumas atenuantes. "Não haveria sentido em subestimar os riscos que o Brasil enfrentará caso Lula se torne presidente. A conversão do líder Partido dos Trabalhadores (PT) à política social-democrata no estilo europeu e seu compromisso em manter os fundamentos da estabilidade econômica, tais como metas da inflação e a taxa flutuante de câmbio, são fenômenos recentes. Além do mais, interesses importantes ligados ao PT, tais como o movimento sindical do funcionalismo público e o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), não estão convencidos com os compromissos assumidos por Lula", diz o jornal em editorial publicado hoje.

Uma reportagem da revista britânica The Economist afirma: "Lula faz muito esforço para se posicionar ao centro. Ele agora garante que vai honrar a dívida brasileira e não decretar a moratória. Os mercados não estão se deixando impressionar com isso, temendo que ele possa rapidamente perder o controle das finanças do país". O analista Graham Stock, do J.P Morgan Chase, disse à revista que o Brasil não terá problemas para pagar débitos ainda neste ano, mas a partir de 2003, "se as turbulências permanecerem e a situação ficar mais grave".

O editorial do jornal britânico Financial Times acredita que o mercado está agindo com exagero ao fato de Lula se tornar presidente do Brasill. "Os investidores internacionais, que injetaram mais de 150 bilhões de dólares (cerca de 581 bilhões de reais) no país na última década têm motivos para estarem preocupados. Mas há o perigo de que eles estejam reagindo exageradamente ao fato." "A queda do real e da bolsa de valores, ocorrida na semana passada, pareceu uma reação exagerada à provável vitória do PT. Ao especularem com um colapso brasileiro, os investidores dos mercados financeiros acabam fazendo com que tal colapso seja mais provável. Eles deveriam dar uma chance ao Brasil e a Lula", afirma o jornal.

Os temores em relação ao candidato petista misturam muito de uma ansiedade irracional com um possível governo socialista a uma desconfiança real da capacidade de o PT governar um país complexo como o Brasil. Em entrevista a jornalistas estrangeiros no Brasil realizada hoje pela manhã, não faltaram as clássicas comparações com países latinos como Cuba e Venezuela. Sobre Cuba, o presidente do partido, José Dirceu, disse: "A estrutura política de Cuba não é o que nos interessa e não foi esse tipo de democracia que o PT ajudou a construir no Brasil em 22 anos".

Outra questão, bem mais pertinente por sinal, que passa pela cabeça dos estrangeiros é a posição de Lula em relação à ALca e aos Estados Unidos. Na entrevista, Lula afirmou que pretende renovar as relações comerciais com os Estados Unidos, mas disse que o modelo comercial da União Européia seria mais eficiente que a Alca: "O Brasil vai negociar para manter seus interesses e cada país tem de fazer valer os seus". Para ele, "os Estados Unidos têm resistência a sua candidatura por falta de informação".

Mas informação não é o que parece faltar à sociedade americana. O presidente do Federal Reserve de Nova York, William McDonough, por exemplo, afirmou nesta segunda-feira que a crise de confiança no Brasil deverá ser superada. "Conheço o Brasil muito bem e, baseado em previsões razoáveis e no teste de estresse, o Brasil ficará bem", disse ele, em um evento no Instituto Internacional de Banqueiros, em Washington. Ele alertou aos banqueiros presentes ao evento, no entanto, que "a atual falta de confiança no Brasil é altamente destrutiva".

Para o Financial Times, o período entre as eleições e a posse do novo presidente é o mais sujeito a turbulências. "Quando chegar o momento de Lula assumir, o perfil da dívida brasileira poderá ter se deteriorado ainda mais. Cerca de metade da dívida pública está na forma de dólares ou vinculada à moeda norte-americana. Portanto, a desvalorização do real aumentou os custos do serviço da dívida. Isso, por sua vez, vai fazer com que seja mais difícil para o Brasil atingir as metas fiscais estabelecidas junto ao FMI", afirma o jornal britânico. "Lula terá pouco tempo para estabilizar sua credibilidade. Há muito que ele pode fazer. Primeiro, pode anunciar metas de inflação factíveis. (...) Pode também copiar o modelo desenvolvido por Tony Blair, quando assumiu em 1997, e garantir um Banco Central independente. Lula já apavorou o mercado dizendo que Armínio Fraga deve sair. Seus assessores são menos teimosos, contudo, quando foram perguntados se Fraga deveria ficar por alguns meses durante a transição." É sempre bom lembrar que Fraga e o ministro Pedro Malan (Fazenda) são os queridinhos do mercado financeiro _ brasileiro ou internacional. No entender da Economist, porém, o PT não tem alguém com o perfil correto para o BC e deve procurar um nome de fora. A revista sugere, também, que Lula deveria tomar algumas medidas para controlar o déficit da Previdência.

Mas o FT também sugere que Lula pode vir a demonstrar ser mais eficiente do que muitos esperam. "Os governos do PT em várias cidades e estados exibiram administrações pragmáticas, eficazes e transparentes. Lula, de forma equivocada, descartou convidar o competente Armínio Fraga para continuar no seu posto de diretor do Banco Central. Mas, de maneira sábia, ele está preparado para convidar figuras importantes da política brasileira e do setor privado para que façam parte do seu eventual governo."

Nova Argentina?

De um modo geral, o sistema financeiro brasileiro é visto com bons olhos pelo mercado externo. Vários analistas descartam a possibilidade de acontecer no Brasil o que aconteceu com a Argentina, quando o país decretou a moratória e seus bancos quebraram. "Mas nunca devemos deixar de lembrar que os bancos têm 30% de seus ativos em títulos do governo", afirma Victoria Miles, analista do J.P. Morgan Chase. "Uma reestruturação forçada do perfil da dívida brasileira ainda é necessária." As palavras da Economist são um bom lembrete para o petista: "Lula tem de ter a verdadeira dimensão do enorme preço econômico e político de um eventual calote da dívida brasileira. Caso dê algum passo errado, a população não irá perdoá-lo."

Colaborou Ricardo Arnt

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