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Inventaram a desculpa perfeita

A crise caiu como uma luva para governos em busca de culpados - mesmo que Wall Street não tenha a mais remota relação com as estradas ruins, a violência nas cidades, a educação miserável...

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Da Redação

Publicado em 18 de março de 2010 às 11h06.

A crise financeira internacional tem sido uma verdadeira mão na roda para certos governos da América do Sul. Não a esperavam, é claro, e com certeza não a desejaram, mas, já que ela está aí, por que não aproveitá-la para algum propósito útil? Não daria para fazer grande coisa se o desastre tivesse tido uma origem diferente. Mas seu endereço, sua autoria e suas causas são tudo o que poderia haver de mais indicado para fornecer material de discurso político e um tipo ideal de culpados: os Estados Unidos, os banqueiros americanos (ou do Primeiro Mundo) e a insuficiência de controles sobre o funcionamento das economias capitalistas. No começo, a crise serviu para alguns chefes de Estado elogiarem a si próprios, pela extrema sabedoria de seus governos, e se sentirem felizes pelo incêndio na casa do vizinho rico. Orgulhavam-se, então, de anunciar que o problema não chegaria ao seu pedaço; no pior dos casos, poderia provocar algum pequeno incômodo aqui ou ali, nada mais que isso. Quando, uma vez vencido o prazo de vigência dessa fantasia, o bicho começou a morder de verdade, ganharam um álibi que vão utilizar enquanto for possível: não fomos nós os culpados, e se não somos culpados pela crise também não somos culpados por nada de errado que exista em nossos países. "Eles" é que têm a culpa. "Eles" que resolvam, agora, a confusão que armaram para que possamos então voltar à situação perfeita que existia antes de os banqueiros americanos estragarem tudo. Alô, Mr. Obama: dê um jeito aí. Assim não é possível.

A crise econômica é de verdade e machuca mesmo, mas parte do uso que está sendo feito dela é um completo conto do vigário. Tome-se o caso de um país como o Brasil, por exemplo. Pelo que dá para entender do discurso oficial, cabe ao governo dos Estados Unidos em particular, e aos governos dos demais países ricos em geral, tomar medidas que resolvam os problemas que despontam todos os dias na economia brasileira, logo após ter ficado claro que sua imunidade ao terremoto financeiro mundial, sobre a qual tanta vantagem se contou, nunca tinha existido. Se essas medidas, que na verdade já estão sendo adotadas, vierem a dar certo mais adiante, vai ser bom para todo mundo, inclusive o Brasil. Mas mesmo que tudo se resolva às mil maravilhas e o conjunto da economia internacional volte a operar em sua melhor forma, nada vai mudar quanto à longa coleção de problemas fundamentais que temos aqui dentro. Eles não foram criados pela falência do Lehman Brothers; já existiam muito antes e, como sua solução não tem absolutamente nada a ver com qualquer coisa que não seja o próprio governo brasileiro, vão continuar existindo. Se não foram solucionados até agora, com crise ou sem crise, que diferença vão fazer para resolvê-los os pacotes financeiros do presidente Barack Obama, do G-8 ou do Padre Eterno? É claro que nenhuma.

As estradas de Mato Grosso e de Goiás, que são críticas para a movimentação da safra ora sendo colhida, estão em petição de miséria; é algo que causa um prejuízo indecente ao conjunto da economia nacional. Há mais de 20 anos, pelo menos, ficou claríssimo que grande parte da agricultura brasileira estava se deslocando para essas áreas - e que tinha se tornado um imperativo estratégico, para o país, equipá-las com rodovias de primeira classe. Ao longo destes 20 anos arrecadou-se o equivalente a trilhões de reais em impostos, cada vez mais a cada ano, e não existe o mais remoto vestígio de sua utilização por ali; as estradas estão piores, hoje, do que estavam antes. O que as depredações cometidas em Wall Street, ou qualquer outra praça financeira do mundo, têm a ver com isso? Quem tem a ver, e continuará tendo, são os governos brasileiros. Só eles têm a responsabilidade de construir estradas por aqui.

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A crise financeira internacional tem sido uma verdadeira mão na roda para certos governos da América do Sul. Não a esperavam, é claro, e com certeza não a desejaram, mas, já que ela está aí, por que não aproveitá-la para algum propósito útil? Não daria para fazer grande coisa se o desastre tivesse tido uma origem diferente. Mas seu endereço, sua autoria e suas causas são tudo o que poderia haver de mais indicado para fornecer material de discurso político e um tipo ideal de culpados: os Estados Unidos, os banqueiros americanos (ou do Primeiro Mundo) e a insuficiência de controles sobre o funcionamento das economias capitalistas. No começo, a crise serviu para alguns chefes de Estado elogiarem a si próprios, pela extrema sabedoria de seus governos, e se sentirem felizes pelo incêndio na casa do vizinho rico. Orgulhavam-se, então, de anunciar que o problema não chegaria ao seu pedaço; no pior dos casos, poderia provocar algum pequeno incômodo aqui ou ali, nada mais que isso. Quando, uma vez vencido o prazo de vigência dessa fantasia, o bicho começou a morder de verdade, ganharam um álibi que vão utilizar enquanto for possível: não fomos nós os culpados, e se não somos culpados pela crise também não somos culpados por nada de errado que exista em nossos países. "Eles" é que têm a culpa. "Eles" que resolvam, agora, a confusão que armaram para que possamos então voltar à situação perfeita que existia antes de os banqueiros americanos estragarem tudo. Alô, Mr. Obama: dê um jeito aí. Assim não é possível.

A crise econômica é de verdade e machuca mesmo, mas parte do uso que está sendo feito dela é um completo conto do vigário. Tome-se o caso de um país como o Brasil, por exemplo. Pelo que dá para entender do discurso oficial, cabe ao governo dos Estados Unidos em particular, e aos governos dos demais países ricos em geral, tomar medidas que resolvam os problemas que despontam todos os dias na economia brasileira, logo após ter ficado claro que sua imunidade ao terremoto financeiro mundial, sobre a qual tanta vantagem se contou, nunca tinha existido. Se essas medidas, que na verdade já estão sendo adotadas, vierem a dar certo mais adiante, vai ser bom para todo mundo, inclusive o Brasil. Mas mesmo que tudo se resolva às mil maravilhas e o conjunto da economia internacional volte a operar em sua melhor forma, nada vai mudar quanto à longa coleção de problemas fundamentais que temos aqui dentro. Eles não foram criados pela falência do Lehman Brothers; já existiam muito antes e, como sua solução não tem absolutamente nada a ver com qualquer coisa que não seja o próprio governo brasileiro, vão continuar existindo. Se não foram solucionados até agora, com crise ou sem crise, que diferença vão fazer para resolvê-los os pacotes financeiros do presidente Barack Obama, do G-8 ou do Padre Eterno? É claro que nenhuma.

As estradas de Mato Grosso e de Goiás, que são críticas para a movimentação da safra ora sendo colhida, estão em petição de miséria; é algo que causa um prejuízo indecente ao conjunto da economia nacional. Há mais de 20 anos, pelo menos, ficou claríssimo que grande parte da agricultura brasileira estava se deslocando para essas áreas - e que tinha se tornado um imperativo estratégico, para o país, equipá-las com rodovias de primeira classe. Ao longo destes 20 anos arrecadou-se o equivalente a trilhões de reais em impostos, cada vez mais a cada ano, e não existe o mais remoto vestígio de sua utilização por ali; as estradas estão piores, hoje, do que estavam antes. O que as depredações cometidas em Wall Street, ou qualquer outra praça financeira do mundo, têm a ver com isso? Quem tem a ver, e continuará tendo, são os governos brasileiros. Só eles têm a responsabilidade de construir estradas por aqui.

O público tem à sua disposição toda uma lista, que vai de A a Z, com situações idênticas. É só escolher.

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