O impacto da redução da jornada no mercado de trabalho
Armando Monteiro Neto (CNI) e Paulo Paim (PT-RS) explicam os prós e os contras da redução da jornada para 40 horas semanais
Da Redação
Publicado em 27 de agosto de 2009 às 11h47.
A história econômica está recheada de decisões que à primeira vista fazem todo o sentido, mas que não resistem ao mais trivial dos testes práticos. Tome-se o exemplo da Argentina. No começo da década, o governo Néstor Kirchner queria evitar reajustes da carne e decidiu taxar as exportações e congelar os preços. A lógica da decisão é que a redução dos embarques do produto ao exterior aumentaria a oferta interna e garantiria o abastecimento do mercado mesmo com preços não tão vantajosos aos produtores. Apesar de parecer uma solução óbvia para quem entende pouco de economia, a política teve um efeito desastroso. Os pecuaristas, na verdade, receberam do governo um incentivo e tanto para mudar de ramo e utilizar suas terras para outro cultivo. Dessa forma, a Argentina, que um dia já foi um dos principais produtores e exportadores de carne do mundo, hoje importa o produto para atender a demanda local.
Tome-se agora um exemplo brasileiro. Nos últimos seis anos e meio, sindicalistas e empresários muitas vezes defenderam - até com virulência - a demissão do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. O argumento era de que, com a substituição de Meirelles por um economista mais desenvolvimentista, os juros básicos da economia brasileira poderiam cair mais rápido. Só que até o analista de mercado mais novato sabe que o simples boato de que Meirelles deixaria o cargo já seria suficiente para fazer os juros futuros dispararem na BM&F. Ao invés de apostar na solução sindical, o governo Lula decidiu reduzir a dívida pública, engordar as reservas internacionais e abrandar a fragilidade cambial do país. Apesar de ter demorado vários anos para fazer efeito, essa política permitiu que o BC reduzisse os juros para o menor patamar da história - mesmo em meio à maior crise internacional das últimas décadas.
Amenizado o problema dos juros, as atenções se voltaram para o desemprego. A solução mágica do momento é a redução da jornada de trabalho. A PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 231/1995 propõe que os brasileiros deixem de trabalhar 44 horas semanais e dediquem-se 40 horas à atividade produtiva. Quem trabalhar acima disso receberia 75% mais do que o normal pela hora extra. Os autores da proposta, o senador Paulo Paim (PT-RS) e o deputado Inácio Arruda (PCB-CE), defendem que a medida criaria, como num passe de mágica, entre 2 milhões e 3 milhões de novos empregos no país. O projeto já foi aprovado por unanimidade em uma Comissão Especial da Câmara e agora precisa de 308 votos favoráveis dos deputados em plenário, antes de seguir para o Senado. Contrário à PEC, o setor industrial alerta que a aprovação da medida levaria a uma queda na produtividade da indústria, aumento dos custos, pressão sobre o preço final dos produtos, avanço da informalidade no mercado de trabalho e, no longo prazo, até mesmo demissões.
Como as opiniões sobre o mesmo assunto são bastante divergentes, é válido analisar o que aconteceu em países que já reduziram a jornada. A França é o caso clássico. Em 1996, assombrado por uma taxa de desemprego de 12%, o governo baixou um decreto instituindo a jornada semanal de 35 horas. A taxa de desemprego realmente caiu e chegou aos 7,6% no ano passado. Para os defensores da redução da jornada, seria então um exemplo a ser seguido. No entanto, o crescimento econômico francês ficou longe do satisfatório nos últimos treze anos. A taxa de desemprego do país é quase três vezes maior do que a da Noruega (2,6% da população ativa), onde há flexibilidade para se estabelecer a jornada de trabalho de acordo com o setor da economia. Além disso, a França conseguiu estimular as contratações concedendo incentivos fiscais para as empresas que adotassem a jornada mais curta - uma medida que o Brasil não pode se dar ao luxo de adotar após nove meses seguidos de queda de arrecadação.
Para entender a complexidade de se reduzir a jornada de trabalho no Brasil, o Portal EXAME conversou com o senador Paulo Paim (PT-RS) e com o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Armando Monteiro Neto. Confira a seguir os principais trechos das entrevistas:
Portal EXAME - A redução da jornada de trabalho vai gerar mais empregos?
Paulo Paim: O objetivo principal da PEC é a geração de mais postos de trabalho. Calculamos que a redução da jornada resulte em algo entre 2 e 3 milhões de novos empregos. O movimento sindical e os trabalhadores organizados do Brasil defendem uma jornada de 40 horas como uma forma de reconhecimento do processo irreversível de automação na indústria. Cada vez mais a máquina vai substituindo o homem no posto de trabalho. Numa jornada menor, mais homens teriam de operar uma máquina, o que geraria mais empregos. Não é combatendo as novas tecnologias que você vai evitar que os trabalhadores percam postos de trabalho.
Armando Monteiro Neto: Esse argumento de que milhões de empregos vão ser gerados é uma falácia. Essa medida eleva o custo das empresas. Aquelas que puderem substituir mão de obra por processo de automação farão isso, mas não vão contratar mais funcionários. A redução de jornada deve ser feita pela via de negociação. (Continua)
Portal EXAME - O Brasil é um dos países menos afetados pela crise, mas ainda há um ambiente de incerteza. Não seria prejudicial ao mercado essa redução agora?
Paim: O mercado interno já está fortalecido. Por isso, acredito que há espaço para essa redução sem prejudicar nenhum setor. Quando eu defendia que o salário mínimo poderia ser acima de 100 dólares, diziam que a economia não ia resistir. O resultado é que ele está em quase 250 dólares. O próprio princípio da empresa é o lucro, e não sou contra isso. Se houver demanda no mercado, ninguém vai deixar de produzir. Para produzir, a empresa vai contratar mais funcionários.
Armando: Considero que isso é uma medida que deve ser avaliada e negociada setor a setor e num contexto em que o país estiver crescendo. Adotar isso como medida universal, legal e impositiva num momento de desaceleração econômica é o que podemos chamar de uma medida pró-cíclica. Na hora em que os economistas discutem medidas anti-cíclicas, que vão contra a direção da crise, a PEC vai intensificar os efeitos da crise.
Portal EXAME - Como a medida afeta a competitividade da indústria?
Paim: De nenhuma forma. Na minha avaliação todos os setores seriam beneficiados. É um efeito dominó, já que você vai aumentar o número de trabalhadores em todas as áreas. Vai fortalecer o próprio mercado interno. O empresário inteligente é aquele que paga bem seu trabalhador, porque vê nele um consumidor em potencial. Há setores do empresariado que são totalmente favoráveis. Algumas montadoras já adotam jornada de quarenta horas. Além disso, vai melhorar a qualidade da empresa. Com essa carga horária menor, o trabalhador estará com todo o seu potencial sabendo que seu horário reservado para lazer, família e estudo estará garantido. Se a empresa quiser manter o lucro, vai ter que empregar mais gente.
Armando: Os mercados externos diminuíram, então a concorrência está muito mais acirrada. Num mercado enxuto, quem disputa é quem tem custos mais baixos. Como o grande concorrente do Brasil, até no nosso mercado doméstico, é a China - que tem mão de obra barata e intensa - isso significa que vai afetar a competitividade da produção nacional. O Brasil está vivendo um momento em que o câmbio está desfavorável, o que significa dizer que as importações ficam mais baratas com a apreciação cambial. Há um processo em que o empresário brasileiro da indústria é colocado diante de um aumento de custos, então ele se transforma ou pode se transformar em alguns segmentos em importador. As siderúrgicas, por exemplo, trabalham em regime de turnos contínuos. Se você reduz a jornada, terá de ser formada outra turma. Isso gera aumento de custos. O setor siderúrgico já está tendo dificuldade para exportar, está havendo uma retração nos mercados externos.
Portal EXAME - A diminuição da jornada não seria pior para as pequenas e médias empresas?
Paim: Não haveria diferença de impacto nas pequenas e nas grandes empresas. E também trabalhamos com outras hipóteses. Por exemplo, quem reduzir a jornada abaixo de 40 horas poderia ter uma série de incentivos como atenuação sobre tributos cobrados da empresa.
Armando: A PEC traz para uma mesma posição situações que são heterogêneas. Por exemplo, uma pequena confeitaria que é intensiva em mão de obra não pode ser comparada a uma petroquímica ou a um setor mais intensivo de capital. Na pequena empresa, na qual o empresário não pode investir na compra de equipamentos para substituição de pessoal, poderá haver redução da produção ou até um crescimento da informalidade. A pequena empresa tem custos com encargos sociais que incidem sobre a contratação, além do salário. A informalidade a livraria desses encargos.
Portal EXAME - A medida não poderia afastar investidores estrangeiros?
Paim: Acho que cada vez mais os investidores estrangeiros, pela firmeza da economia brasileira, pela forma como estamos sólidos, eles vêm mais ao Brasil. Até porque no exterior a jornada é menor ou de, no máximo, 40 horas.
Armando: É mais uma medida que vai prejudicar o ambiente de negócios que já é ruim no Brasil. Ainda temos tributos pesados, oneramos exportações, há um custo de energia alto para o setor industrial, além de problemas de infraestrutura e logística.