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Guerra é paz?

The Big Stick: The Limits of Soft Power and the Necessity of Military Force Autor: Eliot Cohen. Editora: Basic Books Páginas: 304 ———————— Joel Pinheiro da Fonseca Falar em exército e uso de força militar parece algo fora de lugar no século 21. Guerras são uma relíquia bárbara ainda relevante nos confins mais atrasados do planeta. […]

POLÍCIA DO MUNDO: constante atuação militar dos EUA é, para o autor, um empecilho para novas guerras / Anna Krasko/Reuters
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Da Redação

Publicado em 24 de fevereiro de 2017 às 22h47.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h33.

The Big Stick: The Limits of Soft Power
and the Necessity of Military Force

Autor: Eliot Cohen. Editora: Basic Books
Páginas: 304

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Joel Pinheiro da Fonseca

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Falar em exército e uso de força militar parece algo fora de lugar no século 21. Guerras são uma relíquia bárbara ainda relevante nos confins mais atrasados do planeta. O mundo desenvolvido já descobriu que a paz é uma solução superior—econômica e moralmente. Apenas aquele gigante valentão, rico mas caipira em sua perspectiva, os Estados Unidos, ainda usa seu exército de maneira contínua. E o faz para saciar seu desejo de riqueza e petróleo, interesses egoístas que prejudicam o resto do mundo. O planeta estaria melhor se os Estados Unidos abrissem mão de sua política externa intervencionista e se pautassem por acordos globais ou pela autoridade da ONU.

Em vez de guerra, sanções econômicas e a expansão da cultural ocidental (o que se chama de soft power ) garantiriam que o mundo todo seguisse as normas da convivência civilizada, até que os últimos bastiões de autocracia e belicismo, empobrecidos e acuados por populações que demandam seus direitos, adeririam à essa ordem. Assim teríamos um mundo mais pacífico, justo e próspero. Com certeza, você já ouviu esse discurso.

Mas se essa prescrição fosse seguida à risca, argumenta Eliot Cohen em seu novo livro, o resultado não seria a paz mundial, mas o colapso da ordem liberal e largamente pacífica que hoje consideramos eterna, quase um dado estável da natureza humana. Na verdade, a ausência de guerras em larga escala desde 1945 é a exceção na história humana. Isso aconteceu por um motivo apenas, diz Cohen: o uso consciente e pró-ativo da força militar americana ao redor do globo. Primeiro como um limitador rigoroso das ambições soviéticas e, a partir dos anos 90, como o garantidor da ordem global.

Com o colapso do comunismo no mundo, um mundo cansado do medo constante da guerra total e com sonhos de paz passou a ver a hegemonia militar americana como problemática, um elemento de violência num mundo que se queria pacífico. Mas é essa violência, argumenta Cohen, que garante a dominância da paz e da ordem liberal global—que inclui liberdade econômica, democracia e respeito ao indivíduo. Assim, o mundo precisa de mais—e não menos—presença militar americana.

Os Estados Unidos já não gastam muito com defesa? Em termos históricos, gastam pouco, pelas contas de Cohen. Hoje em dia o gasto está em 3% do PIB, enquanto nos tempos da Guerra Fria a soma passava de 6%. Sentimos hoje os efeitos de uma diminuição relativa do poder bélico americano. A Rússia anexa territórios na Europa, a China constrói ilhas artificiais para estender seu domínio sobre o oceano, o Oriente Médio segue implodindo sob o jihadismo e tem na Rússia e no Irã seus novos garantidores de ordem.

Charles Krauthammer, colunista do jornal The Washington Post, separa as posições intelectuais quanto à política externa americana em quatro grupos: isolacionistas, internacionalistas liberais, realistas e globalistas democráticos. Os primeiros defendem que os Estados Unidos olhem apenas para dentro, deixando o resto do mundo se explodir. Essa posição deixou de ser relevante depois da Segunda Guerra Mundial. Os internacionalistas liberais aceitam que os Estados Unidos ajam no mundo, mas exigem que o país abra mão de seu unilateralismo em prol de órgãos internacionais e tratados. O ex-presidente Bill Clinton se encaixa aqui.

Os terceiros—os chamados realistas—encaram os Estados Unidos como mais uma nação num mundo anárquico, procurando seu interesse custe o que custar. O período áureo dessa vertente foi durante a presidência de Richard Nixon, quando Henry Kissinger dava as cartas na política externa. Os globalistas democráticos aceitam também o caráter anárquico das relações internacionais e a primazia do autointeresse. Defendem que os Estados Unidos tenham um papel moral de líder e garantidor do mundo livre. Suas motivações são o poder e os valores. De acordo com o livro, George W. Bush foi o grande expoente dessa visão. A visão de Cohen também se encaixa neste último grupo. Não é à toa que ele integrou o Comitê pela Liberação do Iraque, em apoio à guerra no governo Bush, uma aventura que, no final das contas, se revelou um fracasso. São os percalços da tentativa sempre arriscada de equilibrar autointeresse e compromissos éticos. Perspectiva que depende invariavelmente do uso da força.

Cohen não defende, como fica claro, uma política imperialista, a anexação territorial de outros países ou a guerra pela guerra. Seu objetivo é a paz, que, paradoxalmente, só pode ser sustentada pela força—isto é, pela ameaça crível da guerra. A Guerra Fria é talvez o melhor exemplo disso, mas o princípio continua válido hoje e sempre. Com Barack Obama, os Estados Unidos enfraqueceram, diz Cohen. A insistência excessiva na diplomacia e no plano simbólico, bem como algumas hesitações cruciais na hora de agir (como a demora em intervir na Síria, que deixou campo aberto para a Rússia), colocaram em xeque o poderio americano. O soft power importa? Sim, sem dúvida.

Na verdade, ele também está sub-utilizado se compararmos a situação atual com a máquina de propaganda contínua da Guerra Fria. Um pouco do apelo do terrorismo islâmico talvez pudesse ser contido com iniciativas mais agressivas no plano cultural. Mesmo assim, é ingênuo pensar que o simbólico e o diplomático bastem. Por trás da diplomacia eficaz jaz sempre o porrete, o big stick (expressão que retoma uma frase do presidente Theodore Roosevelt: “speak softly and carry a big stick”) da força militar.

O mundo não está colapsando. A ordem liberal que os Estados Unidos ajudaram a criar enfrenta novos desafios, mas ainda é francamente hegemônica. Graças, sem dúvida, ao poderio militar americano. Quando, em momentos como o atual, ele é questionado em sua essência não só pelos inimigos dos Estados Unidos, mas também por seus aliados e até por sua população, é hora de relembrar—ou ao menos discutir—os motivos de sua importância.

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