Economia

Falta de pessoal prejudica trabalhos da Aneel

Com apenas metade da diretoria, a agência terá que demitir 200 temporários e pode entrar em colapso

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 11h11.

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) corre o risco de entrar em colapso por falta de pessoal. O governo ainda não autorizou um concurso para contratação de novos técnicos que irão suprir a evasão de concursados que foram aprovados na última seleção e que desistiram de assumir os cargos em razão dos baixos salários. Além disso, a agência terá que demitir em dezembro boa parte dos funcionários com contrato temporário que, na prática, são os principais responsáveis pelas atividades da agência, como análise econômico-financeira das empresas e a análise das concessões. A solução, além do concurso, é a prorrogação dos contratos por mais alguns meses. Além disso, a agência sofre com o contingenciamento de verbas. A seguir, os principais trechos de uma conversa de EXAME com o diretor-geral da Aneel, Jerson Kelman, e com o diretor Isaac Averbuch.

EXAME Como está o quadro de pessoal da Aneel?
Isaac Averbuch As pessoas temporárias serão demitidas e teremos que trabalhar com os que passaram no concurso. Hoje, a Aneel tem cerca de 200 temporários. Vamos ter que demitir todos os terceirizados, menos os que passaram no concurso. Todos são de nível superior. A situação é dramática.
Jerson Kelman A posição do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, é fazer o concurso. Eu levei a ele a seguinte informação: vai ter um colapso se não tiver um concurso. Mas só fazer o concurso não elimina o colapso, pois em janeiro não vai ter mais ninguém aqui. É preciso estender o prazo dos temporários por alguns meses, para não haver solução de continuidade e de outro lado permitir que em junho tenhamos um novo plantel de funcionários. Politicamente, eu recebi um "ok" do ministério.

EXAME E quais são as conseqüências dessa situação?
Kelman Tive uma reunião com a Abrace [Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia Elétrica]. A Aneel não fez uma resolução que regulamenta uma série de pontos que devem ser regulamentados por força de decretos e leis recentes. Os grandes consumidores foram à Aneel e disseram que não agüentam ficar pagando uma série de coisas que acham que não devem pagar porque a regulamentação da Aneel não saiu ainda. A regulamentação não saiu, em parte, porque é um tema muito complexo e demoraria normalmente. Parte porque temos poucas pessoas para que possamos pedir: pense no assunto, nos traga e estude alternativas. Trata-se de regulamentação na área econômica. São bilhões de reais em jogo. Eu disse que reconheço que a Aneel, como instituição, já devia ter produzido essas regulamentações. Não havia uma data para ficar pronta, mas o diretor-relator da matéria, Eduardo Ellery (que saiu da agência em maio), queria tê-la terminado antes de sair e não conseguiu. Eu respondi que a responsabilidade é nossa e a instituição não está funcionando bem. Mas as pessoas estão se dedicando. Eu até disse para eles não imaginarem que existe aqui uma repartição pública cheia de funcionários sonolentos, que batem o ponto e vão para casa. Na realidade, as pessoas estão trabalhando aqui mais do que trabalham fora, por uma questão de empenho. A Aneel nunca atrasou um dia a revisão tarifária. Temos que fazer a revisão de 64 distribuidoras e mais um montão de geradoras. É um trabalho insano. E não temos tempo para pensar. É como bicicleta, se parar você cai.

EXAME Como a agência trabalha sem dois diretores?
Averbuch Eles não só ajudam a pensar. Como o diretor-geral não relata processos, os dois que ficaram estão relatando por quatro. O aumento do trabalho foi de 100%. Outro ponto é que, quando há revisão tarifária, têm que viajar dois diretores. Aí, para tudo. No início de outubro, houve audiências em Manaus e Boa Vista. Ficamos três dias fora, sem poder olhar os processos.
Kelman Os temas são extremamente complexos e a turma que sabe está subdimensionada para a tarefa. Eles não têm outra coisa além de ficar remando sem parar. Você não consegue atrair mais gente nova, que tenha estatura intelectual para pensar coisas novas. A Aneel não definha de todo porque tem muita dedicação dos funcionários que estão aqui.
Averbuch Mas não se pode imaginar que uma instituição desse nível vai funcionar à base do amor febril.

EXAME Há solução para esse quadro?
Kelman Temos um problema e temos que reconhecer sua existência. A situação é complicada, mas existem medidas que resolvem o problema: autorizar o concurso e prorrogar os contratos temporários. Não tendo essas condições, o avião se espatifa.
Averbuch Hoje a diretoria só aprova questões por unanimidade, pois só temos três votos. Se a gente não discutir exaustivamente antes da reunião formal, pode-se chegar a um impasse. Temos gasto um bom tempo em discussões preliminares. Se o governo não conseguir emplacar dois nomes até dezembro, a agência fica sem quórum. Aí não tem revisão tarifária, leilão de energia, nem nada.

EXAME A má vontade do governo em relação às agências é um problema?
Averbuch No caso da Aneel não. A ministra (de Minas e Energia, Dilma Rousseff), quando assumiu, tinha realmente uma certa desconfiança. A impressão que se tinha é que o governo achava que éramos militantes partidários e que as pessoas tinham chegado aqui por critério político. Quando a ministra chegou aqui, descobriu que o ministério não tem quadros e que não éramos um antro de oposição. Não tem especialistas sobre o modelo e com memória do setor no ministério. Aos poucos, ela foi mudando essa percepção e no final do ano passado ela descerrou uma placa em homenagem ao ex-diretor da Aneel, José Mário Abdo.

EXAME E o senhor teme indicações políticas na Aneel?
Kelman Na Aneel nunca houve um diretor que não fosse técnico e a expectativa é que os próximos também sejam técnicos. O ministro (de Minas e Energia, Silas Rondeau) disse isso e há expectativa que venha gente da casa.
Averbuch O setor é extremamente complexo. Sem um nome técnico, corre-se o risco de fazer populismo com as tarifas ou fazer o contrário, beneficiando totalmente as empresas. Tem que ter formação técnica para escutar o argumento de um e de outro, ver o que pode ser aproveitado, o que é choro legítimo e o que não é.

EXAME E como os problemas orçamentários impactam o dia-a-dia da Aneel?
Kelman Lembro que, no caso da Aneel, o contingenciamento é um problema, mas não é o principal. Pedimos 120 milhões de reais este ano e foi liberado 89 milhões de reais. Para o ano que vem, pedimos 161 milhões de reais e foram aprovados no projeto de lei 98 milhões de reais. No caso da execução orçamentária, a questão não é só quanto nos alocam, mas quais são os sinais que são dados. Se você já sabe que todo ano tem contingenciamento, há um efeito inibidor logo de partida. Os nossos técnicos ficam anos e anos formulando coisas que não dão em nada, porque é contingenciado. Eles aprenderam a não formular mais. Assim, a memória do contingenciamento tem um efeito perverso que inibe as iniciativas e a criatividade do funcionalismo.

EXAME E nas atividades da agência?
Kelman Vou dar um exemplo concreto dos problemas. Ao organizar os leilões de energia, a Aneel não tem uma base de dados confiável, seja de transmissão e geração, para poder colocar os preços existentes. Isso não é uma tarefa simples. Não temos uma base de dados confiável e usamos da Eletrobrás, que é muito antiga. E por isso saímos com preços-tetos que podem estar eventualmente muito altos, que podem ter efeito danoso no cálculo das tarifas do leilão. Não pudemos contratar uma equipe padrão para fazer esse estudo. No ano que vem vai continuar assim, ou pior.

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