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Com coronavírus e Selic em mínima histórica, há mais espaço para cortes?

Cresce pressão para que os bancos centrais, inclusive o brasileiro, coloquem em prática ferramentas de estímulo monetário contra epidemia

Coronavírus: epidemia levanta incertezas sobre economia global (ffikretow/Getty Images)
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Clara Cerioni

Publicado em 3 de março de 2020 às 06h00.

Última atualização em 3 de março de 2020 às 12h15.

São Paulo — Nas últimas semanas, o temor do impacto negativo do coronavírus na economia mundial aqueceu as discussões para que os bancos centrais coloquem em ação suas ferramentas de estímulo monetário. Ministros e banqueiros do G7, grupo que reúne os países mais industrializados do mundo, vão discutir nesta terça-feira (3) formas de responder conjuntamente aos danos da epidemia. A notícia animou bolsas de valores, inclusive a brasileira, que subiu quase 3% no fechamento de ontem.

O Brasil, que em menos de uma semana confirmou seus dois primeiros casos da doença, e em meio a 433 suspeitas, também deve colocar o debate na mesa na próxima reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central ( Copom ), que acontece em março.

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No último encontro, em fevereiro, o colegiado cortou pela quinta vez consecutiva a Selic, que foi para 4,25% ao ano em uma nova mínima histórica. Na ocasião, o comunicado do comitê indicou que o ciclo de cortes iniciado em julho de 2019, quando a Selic estava em 6,5%, havia terminado, mas aumenta cada vez mais a pressão para que a autoridade monetária continue cortando a taxa básica de juros. A projeção do boletim Focus desta segunda-feira (02) é de que a Selic se mantenha no mesmo patamar até o final deste ano.

Sobre o coronavírus, que surgiu na China em 31 de dezembro, o Copom apontou na ata de fevereiro que havia "múltiplas incertezas" envolvendo a ociosidade na economia mundial devido ao surto: "O Copom concluiu que a consequência desses efeitos para a condução da política monetária dependerá da magnitude relativa da desaceleração da economia global versus a reação dos ativos financeiros".

Do dia da divulgação da ata, em 11 de fevereiro, até hoje, no entanto, o número de infectados no mundo subiu de 43 mil para 87 mil casos e o de mortes quase triplicou, de mil para quase 3 mil. A epidemia já se espalha por 58 países. Fora da China, o cenário é mais preocupante na Coreia do Sul, Itália, Irã e Japão. Já os Estados Unidos confirmaram nesta segunda-feira (02) as seis primeiras mortes pelo Covid-19, nome oficial da doença.

No cenário externo, os bancos centrais já se mobilizam para conter uma possível estagnação pelo vírus. Nesta segunda-feira, Christiane Lagarde, presidente do Banco Central Europeu (BCE), reiterou que a instituição está pronta para tomar "medidas apropriadas e direcionadas" para combater o impacto econômico do surto.

Nos Estados Unidos, o Federal Reserve anunciou hoje um corte emergencial de juros para conter o potencial estrago do surto, antes mesmo da reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês) de 17 a 18 de março. Na sexta-feira (28), o presidente do banco central dos EUA, Jerome Powell, deixou a porta aberta para isso. Sua declaração foi seguida, nesta segunda, por falas semelhantes dos bancos do Japão e Reino Unido.

No Brasil, apesar desse cenário externo, analistas do mercado financeiro ouvidos por EXAME veem uma chance mínima de cortes na Selic já na próxima reunião, mas não descartam reduções a partir de abril ou maio, a depender do avanço do surto. A avaliação geral é a de que ainda há espaços para cortes, principalmente em razão da lenta expansão econômica do país, que deve se confirmar com o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) de 2019, com divulgação marcada para quarta-feira (04). O mercado espera uma alta em torno de 1,12%, de acordo com a mediana das expectativas trazidas pelo boletim Focus, do Banco Central, nesta semana.

"Era esperado que as condições econômicas estariam dadas para o Brasil voltar a cortar juros em meados do ano, em agosto. Mas, por conta do cenário externo, eu não veria com muita surpresa se o BC antecipasse os cortes para maio ou junho. Mas, já na próxima reunião, sem nenhuma comunicação nesse sentido, me surpreenderia. Menos pelas condicionantes, e mais devido a ausência de sinalizações nesse sentido", diz Rafael Gonçalves Cardoso, economista da Daycoval Investimentos.

Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central, considera que há a possibilidade de um corte já em março, pela mudança do cenário externo com o coronavírus, mas a vê como remota, uma vez que o BC brasileiro foi assertivo sobre o fim no ciclo de cortes de juros na última reunião. "Como a política monetária internacional se alterou drasticamente nas últimas semanas, o BC pode mudar de posição", afirma.

A análise de Roberto Padovani, economista-chefe do Banco Votorantim, vai na mesma linha: "Há espaço para corte, mas não na próxima reunião. Vão esperar mais informações, porque mais cortes ajudariam a aumentar a resistência da economia", diz.

Reduzir ajudaria mais?

Ainda não está claro o quanto a epidemia de coronavírus no mundo pode impactar o Brasil. No caso de haver um baque na economia em função da desaceleração global, cortes na Selic poderiam servir de estímulo. No entanto, se o surto crescer aqui, as ferramentas do BC não seriam suficientes para conter os efeitos na economia, na avaliação de especialistas.

"Com corte de juros, o BC do Brasil não conseguirá conter as dificuldades de produção de empresas que podem parar pelo coronavírus e pela falta de matéria-prima importada. Mas há um impacto relevante no consumo e no investimento", afirma Schwartsman.

Cardoso, da Daycoval, acrescenta que, muito embora a política monetária possa ajudar a economia com juros menores, será preciso mais do que isso para conter uma crise maior. "A política monetária é como uma corda: muito útil para puxar e frear e menos eficiente para empurrar. Com os juros em patamares baixos, o Brasil já não cresceu o que era esperado", diz.

Após uma década de combate a crises, os bancos centrais das principais economias do mundo estão perdendo seu poder de estímulo. Ao comentar o assunto no início deste mês, Christiane Lagarde sinalizou que os governos precisam intervir com apoio fiscal.

Essa saída pode servir também para o Brasil: "Daí sim seria estímulo na veia", diz Alvaro Bandeira, economista-chefe do Modalmais. Apesar de o espaço no Brasil para estímulos fiscais ser mais limitado em comparação a outros países — que podem fazer políticas mais consistentes, como de redução de impostos, por exemplo —, aqui "tem sempre uma forma de o governo fazer algo, ainda que tenha efeito efêmero", segundo Bandeira. "A liberação do FGTS no ano passado é um exemplo disso", diz.

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