Economia

Campina Grande

Oásis no semi-árido

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h59.

Os três personagens descritos a seguir têm negócios completamente diferentes -- mas o destino lhes reservou algo em comum. Confira:

O agricultor Cícero Procópio sofria com a alta salinidade da água do poço de sua pequena propriedade, onde plantava mandioca e criava cabras, em Barra de Santa Rosa, a 170 quilômetros de João Pessoa. Desde 2002, o empecilho joga a seu favor: Procópio construiu um tanque para aproveitar a água salinizada, no qual cria camarões, atualmente sua principal fonte de renda.

O engenheiro cearense Avilez de Lima monitora perdas de energia na Companhia de Eletricidade do Ceará (Coelce), controlada pela espanhola Endesa. Desde 2001, ele dispõe de um sistema que reduziu a um sexto o tempo de resposta a problemas.

O empresário chinês Mingshu Li, da província de Guangdong, também tinha um problema -- gerenciar bancos de dados com alfabeto latino e ideogramas chineses. Um software que reconhece ambos, adquirido em 2002, resolveu o assunto.

O que Procópio, Lima e Mingshu têm em comum? Os três tornaram-se mais produtivos graças a tecnologias desenvolvidas pelas empresas Embrapa Algodão (Procópio), LEE (Lima) e Light Infocon (Li), todas sediadas na cidade paraibana de Campina Grande, a 150 quilômetros de João Pessoa. Trata-se da principal cidade do interior do Nordeste, com quase 362 000 habitantes e porta de entrada do semi-árido, uma das regiões mais secas do mundo. Lá estão a maior fábrica têxtil do Brasil, da Coteminas, e a fábrica das sandálias Havaianas, da Alpargatas -- mas o grande trunfo competitivo local não reside no tamanho das linhas de produção. "Campina Grande tem tradição de décadas como centro de serviços, tecnologia e educação", diz o engenheiro Francisco Gadelha, presidente da Federação das Indústrias da Paraíba (Fiep). Nas últimas décadas, dois importantes processos mantêm-se em curso no município. O primeiro é o avanço da educação, em todos os níveis e faixas etárias, e da qualificação de mão-de-obra. O grande marco foi a chegada da Escola Politécnica, em 1952, e depois viria a fazer parte da Universidade Federal da Paraíba. "Não temos dificuldade para encontrar mão-de-obra qualificada, seja na produção, seja para serviços de engenharia", diz Otacílio Teobaldo, diretor da fábrica da Alpargatas, que emprega 2 400 pessoas. "Mais de 50% dos nossos gerentes são aqui da cidade e outros 30% são do Nordeste." Esse perfil educacional contribui para atrair investimentos e gerar negócios -- o outro processo em curso. A renda per capita da cidade cresceu 47% entre 1991 e 2000 e houve redução real da pobreza. A cidade melhorou seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH-M), de 0,647 para 0,721, o que coloca num nível de desenvolvimento humano médio -- mesmo localizada na Paraíba, um dos estados mais pobres do país.

Um dos casos que bem ilustram a fama de oásis de prosperidade no semi-árido é o da produtora de software Light Infocon, criada em 1983. A empresa, que emprega 42 funcionários e deve faturar 3,5 milhões de reais neste ano, ocupa uma casa ampla, no bairro universitário do Bodocongó, e dedica-se à área de bancos de dados multimídia. Ali trabalham 18 desenvolvedores de programas de computador -- cujos clientes, nos últimos cinco anos, espalham-se por Estados Unidos, Rússia, China, Canadá, Espanha, Portugal e Austrália. No Brasil, a Infocon atende a companhias do porte de Gol e Natura. Seus fundadores, entre eles o engenheiro pernambucano Alexandre Moura, de 42 anos, nunca cogitaram ficar restritos aos negócios locais. "Desde o início, decidimos que tínhamos de partir para o Brasil e o mundo", diz Moura.

A vida das empresas de tecnologia na cidade é facilitada pela existência da Fundação Parque Tecnológico, ligada à Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). A Fundação nasceu em 1984 e dois anos depois criou uma incubadora de empresas de base tecnológica -- uma das primeiras do Brasil. Desde então, já apoiou 88 novos empreendimentos. "Temos os olhos voltados para o mercado", diz a diretora Francilene Garcia. "Além de atuar na formação do empreendedor, oferecemos uma central de vendas e marke ting." Entre os resultados obtidos estão contratos no valor de 5 milhões de reais para as 15 empresas atualmente incubadas, com clientes como HP, Motorola e Petrobras. Em 2001, a fundação promoveu um censo que indicou a existência de 116 empresas desenvolvedoras de tecnologia em software e eletrônica na cidade.

Esse ecossistema de empresas, somado a duas universidades públicas mais uma privada, em implantação, e a escolas técnicas de qualidade, como a Redentorista, formam um pólo de educação e geração de empregos de alto nível. Vivem em Campina Grande mais de 20 000 estudantes. Pelo menos um terço deles vem de fora e movimenta fortemente os setores de comércio, serviços e lazer. A riqueza que possibilitou a criação desse pólo veio do comércio. Campina Grande foi o segundo maior centro de distribuição de algodão do mundo nos anos 30 só perdendo para Liverpool -- a cidade foi a primeira a ter máquinas para beneficiamento e prensas para os fardos de algodão.

O comércio de algodão teve os últimos momentos de glória nos anos 70, mas o status de centro tecnológico e de inovação ficou. Por exemplo, em Campina Grande foi instalado o primeiro computador de grande porte em uma universidade fora do Sul e do Sudeste, em 1968. Em 1970, saiu de lá o primeiro projeto brasileiro de um computador industrial, montado em Camaçari, na Bahia. A inteligência ali concentrada divide-se hoje em outras áreas estratégicas, como engenharia química e agropecuária.

Essa tradição local deverá ser reforçada com o anúncio da implementação do Instituto do Semi-Árido, anunciado no fim de outubro pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, destinado à difusão de tecnologia de combate à seca (Campina Grande concorreu com cidades de quatro outros estados da região). O anúncio foi feito na reinauguração do aeroporto João Suassuna, que teve sua capacidade aumentada de 80 000 para 250 000 passageiros por ano.

Inspirada no sucesso das Havaianas, da Alpargatas, Campina Grande quer fazer da diferenciação uma vantagem competitiva na indústria do vestuário graças a uma tecnologia criada pela unidade da Embrapa ali instalada: o algodão naturalmente colorido. As fibras nascem com tons de bege, marrom, verde e, num futuro próximo, avermelhado. Assim, dispensam o trabalho de pigmentação, economizam água e poluem menos. Os preços conseguidos já são 30% superiores ao do algodão normal. "Já vendemos 5 000 peças para o mercado interno e temos encomendas de 30 000 para o exterior no próximo ano", afirma a mineira Maysa Gadelha, diretora da CoopNatural, cooperativa que reúne 20 confecções locais sob a marca Natural Fashion. Choque semelhante, em tecnologia e gestão, deverá ser aplicado ao setor calçadista, que ganhará um pólo próprio, com capacidade inicial para 33 empresas -- algumas trabalhando com couros exóticos, como o de avestruz.

CAMPINA GRANDE EM NÚMEROS
Área geográfica: 644,1 km2
População: 362 000 habitantes
Potencial de consumo per capita*: 1 512 dólares
Expectativa de vida: 63,5 anos
Mortalidade infantil: 47,7 por 1 000 nascimentos
IDH: 0,721 (é o 2 612º do Brasil)
Lei de Responsabilidade Fiscal: o município compromete 48% de suas
receitas com a folha do funcionalismo
Principais atividades: o setor mais importante é o de serviços (educação,
saúde, software, distribuição e engenharia), a seguir vêm o agronegócio
e a indústria (têxtil, calçadista e minerais não-metálicos)
Fontes: IBGE/ADH/FIEP/Simonsen Associados *Em 2002

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