Economia

Bush vai à guerra; só falta o pretexto

Ainda não se sabe quando _ embora a resposta ao "se" seja a cada dia mais segura_ os Estados Unidos atacarão o Iraque. Mas sobre uma coisa não resta dúvida. A julgar pelas manifestações pacifistas em todo o mundo, o presidente americano George W. Bush conseguiu uma proeza: ampliar nos quatro cantos da Terra uma […]

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 11h03.

Ainda não se sabe quando _ embora a resposta ao "se" seja a cada dia mais segura_ os Estados Unidos atacarão o Iraque. Mas sobre uma coisa não resta dúvida. A julgar pelas manifestações pacifistas em todo o mundo, o presidente americano George W. Bush conseguiu uma proeza: ampliar nos quatro cantos da Terra uma maldisfarçada simpatia pelo Iraque e por seu ditador, Saddam Hussein. Enquanto o Exército americano prepara 150 000 homens para o ataque e estaciona quatro porta-aviões no Golfo, convence o Reino Unido a mandar outros 26 mil e governos locais como Turquia ou Arábia Saudita a dar apoio a toda essa soldadesca, os protestos antiguerra reúnem centenas de milhares em todo o mundo. Mesmo nos Estados Unidos, 58% da população declara ser contrária à guerra contra o Iraque sem que haja evidência concreta de que Saddam tem armas de destruição em massa.

Eis o ponto central: até agora, os inspetores das Nações Unidas, liderados por Hans Blix, foram incapazes de comprovar que Saddam tenha violado as resoluções da ONU ou os tratados internacionais sobre a proliferação de armas de destruição em massa. Na apresentação que fizeram hoje (27/01) ao Conselho de Segurança, os inspetores reclamaram da cooperação iraquiana, queixaram-se da dificuldade em interrogar os cientistas locais, mas não mostraram prova alguma. Blix afirmou que três questões continuam sem resposta:

  • Quanto material ilícito continua intacto e sem ser declarado desde antes da Guerra do Golfo, em 1991;
  • O que foi comprado ou produzido ilegalmente;
  • Como o mundo pode impedir a aquisição ou produção de armas de destruição em massa no futuro.

    Sem provas concretas, o governo Bush perde substância em sua acusação contra o ditador iraquiano e na sua intenção de atacar o Iraque imediatamente. Seu argumento moral repousa, por enquanto, apenas nas palavras. "Os Estados Unidos têm várias informações recolhidas por nossos serviços de inteligência segundo as quais o Iraque detém armas proibidas", afirmou o secretário de Estado americano, Colin Powell, em entrevista publicada hoje pelo jornal italiano Corriere della Sera. "Assim que tivermos certeza de que isso poderá ser feito de forma segura, acho que na próxima semana ou antes, divulgaremos grande parte desse material."

    Em resposta às declarações de Powell no Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça), o ministro das Relações Exteriores do Iraque, Naji Sabri, acusou o secretário americano de mentir "tantas vezes que ninguém acredita mais": "Fizemos tudo o que podíamos para que este país e esta região não corressem o risco de uma guerra [...]. Eles gostam de levar a morte e a destruição para outras partes do mundo. São eles que estão piorando a situação e fazendo um monte de ameaças, fabricando mentiras todos os dias", afirmou o chanceler à agência Reuters.

    Quase ninguém se arrisca a apostar numa solução pacífica para a crise. Ao pedir mais tempo para continuar as inspeções no Iraque, Blix e companhia transmitiram a sensação de que dificilmente o Conselho de Segurança aprovaria uma ação imediata. Daí a queda na cotação do petróleo, que hoje era cotado ao redor de 30 dólares pelo barril de Brent e 32 pelo de bruto. Mas há uma falsa percepção de que o único interesse americano na guerra diz respeito ao petróleo. Um relatório do Conselho para Relações Exteriores americano em parceria com o Instituto James Baker revelou que levaria pelo menos dez anos (e 40 bilhões de dólares) para que o Iraque voltasse a produzir petróleo em quantidade tal que fizesse alguma diferença no preço. A Arábia Saudita produz tanto óleo, que sempre conseguiria estabelecer a cotação, mesmo que os americanos transformassem o Iraque no qüiquagésimo-segundo estado da Federação.

    O alívio de hoje nos preços do óleo também pode não passar de ilusão: os Estados Unidos não precisam de _ e não esperarão por _ apoio da ONU. A doutrina Bush, de ataques preemptivos para impedir que nações inimigas adquiram poderio nuclear, foi elaborada há dez anos pelo vice-presidente Dick Cheney e assessores como o atual vice-secretário da Defesa, Paul Wolfowitz. É a cúpula do governo Bush que pressiona pelo uso imediato da força, à revelia dos organismos multilaterais. Se alguém pode ser considerado moderado em meio aos falcões republicanos, esse alguém é Colin Powell.

    Nada disso quer dizer que o apoio da ONU _ e, em conseqüência, da opinião pública mundial _ não seja um cenário preferível. E reverter a atual posição dos membros do Conselho de Segurança pode não ser tão complicado quanto parece. Apesar da oposição do Partido Trabalhista, Tony Blair parece estar incondicionalmente alinhado com Bush. A Rússia, de Vladimir Putin, já se aliou aos Estados Unidos para a aprovação da resolução 1441, que restabeleceu as inspeções em busca de armas de destruição em massa no país. Restam, com poder de veto no Conselho, França e China. Tanto a França quanto a Alemanha (que deve assumir esta semana a presidência do Conselho), por mais oposição pública que façam aos Estados Unidos diante dos respectivos eleitorados, têm muito pouco peso específico para se opôr à vontade da superpotência. Quanto à China, bem, a China sempre é uma incógnita. Mas uma incógnita que não tem feito muita diferença nas contas bélicas americanas.

    Resta, enfim, a batalha da opinião pública. É ocioso perder tempo desqualificando o regime ditatorial de Saddam Hussein. O próprio Colin Powell, que no fatídico 11 de setembro de 2001 declarou não haver indício de ligação entre o ditador iraquiano e a rede terrorista Al-Qaeda, teve de voltar atrás depois que surgiram evidências de que partidários de Osama Bin Laden fugiram para o norte do Iraque com apoio (político e financeiro) de Saddam. Mesmo assim, praticamente toda a opinião pública nos países do Oriente Médio é hostil à guerra. Países como Turquia, Egito ou Arábia Saudita, tradicionais aliados americanos na região, têm tentado manter um delicado equilíbrio interno, evitando apoiar explicitamente a iniciativa americana. Em quase todos os países da Europa e da América Latina, o público parece ter adotado uma atitude de "pacifismo até prova em contrário". Se nem a guerra contra o terrorismo serve de pretexto para conquistar a simpatia das massas, o que mais pode fazer George W. Bush? Seria uma boa idéia se ele começasse a aproveitar oportunidades como a que foi oferecida hoje pelas Nações Unidas para apresentar suas célebres "provas contundentes" de que Saddam tem "mesmo" armas de destruição em massa.

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