Brasil vai viver sua versão de "fiscal cliff" em 2021 — plano B seria pior
Para enfrentar a covid-19, destaca o analista, o governo brasileiro teve de disponibilizar quase 10% do PIB; no próximo ano, as receitas serão ainda menores
Ligia Tuon
Publicado em 12 de novembro de 2020 às 13h42.
Última atualização em 12 de novembro de 2020 às 13h43.
Em 2012, o termo fiscal cliff (abismo fiscal) deu o que falar no noticiário econômico em função de um momento delicado pelo qual passava os Estados Unidos . No fim daquele ano, a economia americana sofreria com a combinação de dois efeitos inevitáveis: aumento de impostos mais corte nas receitas.
Entre mortos e feridos, salvaram-se todos nos EUA e a vida seguiu. Agora, num momento totalmente diferente e bem mais delicado para o mundo todo, será a vez do Brasil passar pelo seu próprio abismo fiscal. E essa, infelizmente, é a nossa melhor alternativa, destaca Arthur Mota, economista da Exame Research , braço de investimento da Exame, em relatório publicado nesta quinta-feira, 12.
Para enfrentar a covid-19, destaca o analista, o governo brasileiro teve de disponibilizar quase 10% do PIB — R$ 322 bilhões para auxílio emergencial, R$ 79 bilhões para estados e municípios, além de outras despesas. Ao mesmo tempo, há R$ 27,5 bilhões em redução de receita esperados para o ano que vem, com a redução de IOF de crédito, alíquotas de importação, redução de IPI, dívidas previdenciárias e Pis/Cofins
"São mais de R$ 600 bilhões que não teremos para sustentar os efeitos econômicos da pandemia, que ainda devem aparecer em 2021, mesmo esperando que não ocorra uma segunda onda de contágio", diz o documento. "Esse é o nosso fiscal cliff: redução dos gastos e normalização de impostos".
Pandemia a parte, vale ressaltar que o caso brasileiro é bem mais preocupante do que o que foi o americano, já que não temos a mesma capacidade financiamento. Além disso, nossa situação fiscal já era preocupante muito antes de o coronavírus chegar.
O plano B é pior
Se o governo decidisse evitar encarar esse abismo — que é inclusive uma preocupação do mercado quando a atual gestão sinaliza que pode continuar os pagamentos do auxílio emergencial sem apontar uma fonte de capital para isso —, o cenário poderia ser bem pior.
"Adotando nova expansão fiscal, o país entraria numa crise de confiança e credibilidade, que teria efeitos ainda mais severos. Por isso, é necessário, ainda que com custo de desaceleração e recuperação, encarar o abismo", escreve Mota.
O país tem até o fim de dezembro para tomar essa decisão e a escolha errada teria alguns impactos já conhecidos nos ativos: maior depreciação do real, com o dólar buscando novo equilíbrio num primeiro momento em R$ 6; juros maiores, sobretudo no curto prazo, o que compromete a capacidade de pagamento da dívida, o Ibovespa perderia seu suporte atual, respondendo aos efeitos no mercado de juros e a redução das expectativas de lucros das empresas, além do cenário mais recessivo que teríamos pela frente, enumera.