Nos últimos 15 anos, o Brasil evoluiu muito no controle das contas públicas. O país controlou a emissão de moeda e de títulos de dívida, fixou e cumpriu metas de economia de recursos para pagar juros e obteve o "grau de investimento" de duas das três principais agências de classificação de risco do mundo. Após um período de cinco anos seguidos de redução da relação dívida pública/PIB, no entanto, o governo teve de abandonar a meta de superávit primário inicialmente traçada para 2009 por conta da crise.
O mercado encarou a decisão com naturalidade, já que, naquele momento de pânico nos mercados financeiros, o mundo todo adotava políticas anticíclicas para reaquecer a economia. Na mesma tendência, o governo brasileiro baixou os juros, cortou impostos e estimulou o consumo. As medidas funcionaram e agora o país começa a sair da crise antes do que quase todos os demais.
Nos últimos 15 anos, o Brasil evoluiu muito no controle das contas públicas. O país controlou a emissão de moeda e de títulos de dívida, fixou e cumpriu metas de economia de recursos para pagar juros e obteve o "grau de investimento" de duas das três principais agências de classificação de risco do mundo. Após um período de cinco anos seguidos de redução da relação dívida pública/PIB, no entanto, o governo teve de abandonar a meta de superávit primário inicialmente traçada para 2009 por conta da crise.
O mercado encarou a decisão com naturalidade, já que, naquele momento de pânico nos mercados financeiros, o mundo todo adotava políticas anticíclicas para reaquecer a economia. Na mesma tendência, o governo brasileiro baixou os juros, cortou impostos e estimulou o consumo. As medidas funcionaram e agora o país começa a sair da crise antes do que quase todos os demais.
Preocupação
O problema é que o mercado já começa a desconfiar que o governo, além de não cumprir a meta de superávit primário deste ano, de 2,5% do PIB, também não conseguirá economizar o equivalente a 3,3% do PIB em 2010. O resultado do primeiro semestre foi considerado ruim pelo mercado. O superávit primário caiu de 61,3 bilhões de reais entre janeiro e junho de 2008 para 18,5 bilhões de reais nos primeiros seis meses deste ano -- uma queda de 70%. A quantia é equivalente a apenas 1,28% do PIB e reforçou a percepção de bancos como o Santander de que o superávit ficará abaixo da meta, em 2% do PIB.
Nesta quarta-feira, o ministro da Fazenda Guido Mantega tentou acalmar os ânimos do mercado. "Cumpriremos a meta de 2,5% do PIB este ano, sem usar o fundo soberano", afirmou. "Faremos aquilo que tiver que ser feito para que isso ocorra." Mas o mercado está cético porque os gastos do governo cresceram 17% no primeiro semestre mesmo em um ambiente de queda de arrecadação mensal de cerca de 9% neste semestre em relação aos seis meses anteriores.
Para a corretora do Santander, a atividade fraca no primeiro trimestre deste ano, a menor produção de bens e serviços, a redução das importações e as medidas de incentivo tributário destinadas a estimular consumo no curto prazo pressionaram a arrecadação. Desde outubro do ano passado, o governo aplicou uma série de desonerações para ajudar setores afetados pela crise econômica - como a redução do IPI - que resultaram em uma renúncia tributária de quase 11 bilhões de reais.
Já o crescimento dos gastos foi impulsionado por uma regra acordada pelo próprio governo com o Congresso. Desde 2007, o reajuste do salário mínimo leva em conta o PIB de dois anos anteriores somado à inflação do ano anterior. Ou seja, para calcular o salário mínimo de 2009 foi utilizado como base o PIB de 2007 mais a inflação de 2008, o que levou a um aumento de 12,05%. Para o próximo ano, a expectativa é de uma alta de cerca de 10% - numa época em que as contas do governo não estarão tão saudáveis quanto no passado. "Além do impacto nos benefícios da Previdência, isso é utilizado como argumento pelos funcionários públicos para pedirem aumento também", diz Cristiano Souza, economista do Santander.
Outro ponto que eleva os gastos do governo é o inchaço da máquina pública. Desde o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, foram contratados 220.000 novos funcionários públicos apenas na esfera federal. O governo justifica a necessidade de melhoria da máquina pública, mas uma pesquisa recente do Banco Mundial, no entanto, mostra que a percepção de qualidade não melhorou. E a tendência é que as contratações continuem - ainda que de forma mais lenta. "O governo deve fazer a reforma previdenciária, mas essa é uma discussão controversa, politicamente difícil de sustentar", afirma o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas. "Também seria uma saída realizar uma reforma do quadro de funcionalismo. Cortar alguns funcionários e deixar a máquina pública mais eficiente."
O fator Dilma
Uma das medidas para aumentar a arrecadação seria a criação de novos impostos. A possibilidade é remota dada a sua impopularidade, mas há quem a defenda. Para aumentar a arrecadação, o governo estuda criar um novo tributo: a Contribuição Social para Saúde (CSS). Essa contribuição seria cobrada sobre movimentações financeiras assim como a antiga CPMF, que, antes de ser extinta, rendia 40 bilhões aos cofres públicos por ano. A alíquota, entretanto, será de 0,1%, contra 0,38% de sua antecessora. A votação do projeto é uma das prioridades do Congresso assim que terminar o recesso parlamentar, no início de agosto.
Não se sabe, entretanto, se o governo terá força no Congresso para levar a votação adiante porque 2010 é um ano de eleição. Se aprovado, o projeto deve desgastar o governo Lula e, por consequência, enfraquecer a candidatura Dilma. Da mesma forma, o mercado é cético sobre a possibilidade de que haja um forte controle de gastos públicos no próximo ano porque, tradicionalmente, os governos brasileiros gastam mais às vésperas de eleições.
O cumprimento da meta de superávit de 3,3% do PIB em 2010 ficaria, dessa forma, bastante dependente de uma retomada vigorosa da economia brasileira. "Ao continuar com gastos como os de hoje, o país conta apenas com a forte retomada do crescimento econômico para aliviar os danos de tantas despesas desnecessárias", avalia o economista Raul Velloso. A expectativa média dos analistas é de que a economia brasileira cresça 3,5% no próximo ano, um número ainda baixo se comparado às taxas de 5% ao ano registradas em 2007 e 2008. Assim, a tarefa impopular de sanear as contas públicas ficará mesmo para o próximo governo.