Economia

Banco Central reduz Selic em 0,75 ponto e juros vão a 3% ao ano

Esta é a sétima redução consecutiva no atual ciclo de baixa iniciado no ano passado; comitê indica que haverá mais cortes neste ano

Roberto Campos Neto (imagem de arquivo) (Amanda Perobelli/Reuters)

Roberto Campos Neto (imagem de arquivo) (Amanda Perobelli/Reuters)

Ligia Tuon

Ligia Tuon

Publicado em 6 de maio de 2020 às 18h08.

Última atualização em 11 de maio de 2020 às 18h13.

O Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) anunciou nesta quarta-feira, 6, um corte de 0,75 ponto percentual (p.p.) na Selic, taxa básica de juros da economia, que foi de 3,75% a 3% ao ano.

O colegiado indicou ainda que pode haver mais um corte na próxima reunião, em junho, de mesmo grau.

Trata-se do menor nível da taxa básica da economia desde 1999, quando começou o regime de metas para a inflação. Esta é a sétima redução consecutiva no atual ciclo de baixa iniciado em julho do ano passado.

A decisão foi unânime e surpreendeu grande parte do mercado, que esperava um corte menor, de 0,5 p.p, dada a trajetória recente do câmbio e da fuga de dólares do país em função do estresse gerado pela pandemia do coronavírus. A moeda americana depreciou mais de 20% em relação ao real desde a reunião anterior. Além disso, há sinais de que a deterioração da política fiscal pode ser mais persistente que o esperado.

No comunicado, o comitê disse que dois integrantes do grupo chegaram a considerar dar o corte todo hoje (o desta quarta e o esperado para a próxima reunião), o que poderia levar a uma redução de 1,5 p.p. na taxa.

O estímulo vem num momento em que os diversos setores da economia registram retrações recordes, e grande parte dos consumidores passam a comprar apenas bens essenciais. É por isso que o comitê diz no comunicado que "neste momento, a conjuntura econômica prescreve estímulo monetário extraordinariamente elevado".

"A aceleração do pace foi justificada pela derrocada da atividade além do previsto anteriormente e das cadentes expectativas de inflação, inclusive para 2021, mesmo considerando uma elevação do preço da gasolina", diz Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos.

O colegiado reforçou, no entanto, que há potenciais limitações para o grau de ajuste adicional, como a trajetória fiscal ao longo do próximo ano, assim como a percepção sobre sua sustentabilidade: "Para a próxima reunião, condicional ao cenário fiscal e à conjuntura econômica, o Comitê considera um último ajuste, não maior do que o atual, para complementar o grau de estímulo necessário como reação às consequências econômicas da pandemia da Covid-19. No entanto, o Comitê reconhece que se elevou a variância do  seu balanço de riscos e ressalta que novas informações sobre os efeitos da pandemia, assim como uma diminuição das incertezas no âmbito fiscal, serão essenciais para definir seus próximos passos.".

No comunicado anterior, o comitê já havia colocado a questão fiscal como possível impeditivo para uma maior flexibilização monetária, mas"parece que pesou mais o choque de demanda no curto prazo", diz Mauricio Oreng, do Santander.

A desaceleração econômica ampliada pela pandemia no mundo todo ainda não pode ser lida nos índices de atividade locais disponíveis até março. Com isso, o comitê ressalta ainda que os efeitos recessivos da quarentena deverão ser notadamente superiores nos dados de abril.

Na opinião, do Itaú, porém, seria necessário um agravamento ainda mais intenso da situação fiscal e um nível ainda mais depreciado da taxa de câmbio para impedir que o Copom repita em junho a decisão de hoje. "Assim, esperamos que o banco central leve a taxa Selic para 2,25% a.a. em sua próxima reunião, patamar que deve ser mantido até o fim do ano".

A opinião do mercado também aponta para mais um corte na Selic na reunião de junho. O Boletim Focus, do Banco Central, espera que a taxa chegue ao fim do ano a 2,75% ante 3% na estimativa anterior. Para 2021, a expectativa é que fique em 3,75% ao ano ao final do período.

Ao mesmo tempo, as projeções de inflação estão em forte queda em função dos efeitos deflacionários gerados pela pandemia. A expectativa do Focus caiu pela oitava semana seguida nesta segunda-feira, chegando a uma alta estimada em apenas 1,97% para o IPCA, contra 2,20% visto antes. Para 2021, a inflação é calculada agora em 3,30%, ante 3,40% no levantamento anterior.

Veja comunicado completo:

Em sua 230ª reunião, o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu, por unanimidade, reduzir a taxa Selic para 3,00% a.a.

A atualização do cenário básico do Copom pode ser descrita com as seguintes observações:

No cenário externo, a pandemia da Covid-19 está provocando uma desaceleração significativa do crescimento global, queda nos preços das commodities e aumento da volatilidade nos preços de ativos. Nesse contexto, apesar da provisão adicional de estímulos fiscal e monetário pelas principais economias, e de alguma moderação na volatilidade dos ativos financeiros, o ambiente para as economias emergentes segue desafiador, com saída de capitais significativamente superior à de episódios anteriores;

Em relação à atividade econômica, dados mensais disponíveis até o mês de março repercutem apenas parcialmente os efeitos da pandemia da Covid-19 sobre a economia brasileira. Indicadores de maior frequência e tempestividade, referentes ao mês de abril, mostram que a contração da atividade econômica será significativamente superior à prevista na última reunião do Copom;

O Comitê avalia que diversas medidas de inflação subjacente se encontram abaixo dos níveis compatíveis com o cumprimento da meta para a inflação no horizonte relevante para a política monetária;

As expectativas de inflação para 2020, 2021 e 2022 apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em torno de 2,0%, 3,3% e 3,5%, respectivamente;

No cenário híbrido, com trajetória para a taxa de juros extraída da pesquisa Focus e taxa de câmbio constante a R$5,55/US$*, as projeções do Copom situam-se em torno de 2,4% para 2020 e 3,4% para 2021. Esse cenário supõe trajetória de juros que encerra 2020 em 2,75% a.a. e se eleva até 3,75% a.a. em 2021. Esse cenário supõe ainda que o preço do petróleo (Brent) subirá cerca de 40% até o final de 2020; e

No cenário com taxa de juros constante a 3,75% a.a., taxa de câmbio constante a R$5,55/US$* e a mesma premissa para o preço do petróleo, as projeções situam-se em torno de 2,3% para 2020 e 3,2% para 2021.

O Comitê ressalta que, em seu cenário básico para a inflação, permanecem fatores de risco em ambas as direções.

Por um lado, o nível de ociosidade pode produzir trajetória de inflação abaixo do esperado. Esse risco se intensifica caso a pandemia provoque aumentos de incerteza e de poupança precaucional e, consequentemente, uma redução da demanda agregada com magnitude ou duração ainda maiores do que as estimadas.

Por outro lado, políticas fiscais de resposta à pandemia que piorem a trajetória fiscal do país de forma prolongada, ou frustrações em relação à continuidade das reformas, podem elevar os prêmios de risco e gerar uma trajetória para a inflação acima do projetado no horizonte relevante para a política monetária.

O Copom avalia que perseverar no processo de reformas e ajustes necessários na economia brasileira é essencial para permitir a recuperação sustentável da economia. O Comitê ressalta, ainda, que questionamentos sobre a continuidade das reformas e alterações de caráter permanente no processo de ajuste das contas públicas podem elevar a taxa de juros estrutural da economia.

Considerando o cenário básico, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu, por unanimidade, reduzir a taxa básica de juros em 0,75 ponto percentual, para 3,00% a.a. O Comitê entende que essa decisão reflete seu cenário básico e um balanço de riscos de variância maior do que a usual para a inflação prospectiva e é compatível com a convergência da inflação para a meta no horizonte relevante, que inclui o ano-calendário de 2021.

O Copom entende que, neste momento, a conjuntura econômica prescreve estímulo monetário extraordinariamente elevado, mas reforça que há potenciais limitações para o grau de ajuste adicional. O Comitê avalia que a trajetória fiscal ao longo do próximo ano, assim como a percepção sobre sua sustentabilidade, serão decisivas para determinar o prolongamento do estímulo.

Dois membros do Comitê ponderaram que, mesmo com a possibilidade de elevação da taxa de juros estrutural, poderia ser oportuno prover todo o estímulo necessário de imediato, em conjunto com a sinalização de manutenção da taxa básica de juros pelos próximos meses, de modo a reduzir os riscos de não cumprimento da meta para a inflação de 2021.

Entretanto, foi preponderante a avaliação de que, frente à conjuntura de elevada incerteza doméstica, o espaço remanescente para utilização da política monetária é incerto e pode ser pequeno. Assim, o Copom optou por uma provisão de estímulo mais moderada, com o benefício de acumular mais informação até sua próxima reunião.

Para a próxima reunião, condicional ao cenário fiscal e à conjuntura econômica, o Comitê considera um último ajuste, não maior do que o atual, para complementar o grau de estímulo necessário como reação às consequências econômicas da pandemia da Covid-19. No entanto, o Comitê reconhece que se elevou a variância do  seu balanço de riscos e ressalta que novas informações sobre os efeitos da pandemia, assim como uma diminuição das incertezas no âmbito fiscal, serão essenciais para definir seus próximos passos.

Votaram por essa decisão os seguintes membros do Comitê: Roberto Oliveira Campos Neto (presidente), Bruno Serra Fernandes, Carolina de Assis Barros, Fábio Kanczuk, Fernanda Feitosa Nechio, Maurício Costa de Moura, Otávio Ribeiro Damaso e Paulo Sérgio Neves de Souza.

*Valor obtido pelo procedimento usual de arredondar a cotação média da taxa de câmbio R$/US$ observada nos cinco dias úteis encerrados no último dia da semana anterior à da reunião do Copom.

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