Azevêdo, da OMC, critica protecionismo: “todos têm culpa”
Em entrevista a EXAME, diretor-geral da OMC fala de protecionismo, abertura de mercados e também das reivindicações americanas
Da Redação
Publicado em 25 de janeiro de 2018 às 17h25.
Última atualização em 25 de janeiro de 2018 às 17h25.
DAVOS, SUÍÇA — Nos bastidores do Fórum Econômico Mundial , o Mercosul e a União Europeia dão continuidade às conversas para tentar tirar do papel um acordo em debate há mais de uma década. Os Estados Unidos, por outro lado, dão prioridade a sua agenda de acordos bilaterais, como presidente Donald Trump se encontrando com a primeira ministra britânica, Theresa May nesta quinta-feira.
Para o diretor-geral da Organização Mundial do Comércio ( OMC ), Roberto Azevêdo, a abertura comercial está na gênese da eficiência e competitividade da indústria. Azevêdo, que já trabalhou nas embaixadas brasileiras em Washington e em Montevidéu, além de ter servido na missão permanente em Genebra, falou a EXAME sobre abertura de mercados, protecionismo, sobre o papel da OMC na mediação de conflitos de mercado e até sobre o nova postura americana em termos de comércio internacional.
Aqui em Davos há um debate entre aqueles que foram excluídos das benesses da globalização, que estão se revoltando. O que o senhor acha que a OMC pode fazer para que esses países possam negociar acordos comerciais e evitar cair em regulações excessivas, criando barreiras ao comércio internacional?
A primeira coisa que eu acho que se precisa fazer é dar clareza a essa discussão. Muitas vezes é dito que os “perdedores da globalização” estariam perdendo por causa do comércio internacional, por causa de importações que vem de outros países. Isso faria com que as pessoas desses países perdessem seus empregos. A primeira coisa a constatar é que isso não é verdade. Oito em cada dez empregos perdidos são por causa de aumento de produtividade, por causa de novas tecnologias e inovações. Apenas dois empregos são por causa do comércio internacional. Então tentar resolver esse problema parando o comércio internacional não irá resolver o problema. Nesses países, as pessoas irão continuar desempregados porque a economia moderna está propiciando uma substituição muito rápida da mão de obra tradicional pela mão de obra digital-tecnológica e mecanizada. Isso não é algo novo e acontece desde o motor elétrico, desde a locomotiva. Mas a velocidade com que isso está acontecendo agora é diferente de tudo que jamais aconteceu. Então o que podemos fazer é não ignorar essa questão e tentar ajudar encontrando soluções, treinando e preparando trabalhadores para um trabalho mais sofisticado, preparando alunos e estudantes para para uma economia mais digitalizada, mais de serviços. Porém, isso não acontece da noite para o dia. Esse é um processo mais longo. Nesse período de transição é preciso ter políticas públicas que ajudem a diminuir o impacto sobre o segmento da população que sofre com a mudança.
Há políticos e líderes internacionais que acusam outros países, como a China, por exemplo, de fazerem algo próximo de um dumping social. E depois que a China entrou na OMC em 2000 muitas áreas da Europa, principalmente, acabaram se desertificando em termos industriais, porque a concorrência chinesa era voraz em termos de produção. Como o senhor enxerga essa situação?
Alguns setores pensam assim, principalmente naqueles que são mais intensos em mão de obra. Mas o custo da mão de obra na China subiu bastante nos últimos anos. Já se aproxima inclusive daqueles dos padrões ocidentais. Tanto é assim que algumas indústrias já não estão ficando mais lá, mas migrando para outros países como Bangladesh ou Vietnã. Eu acredito que, na medida em que os países subam o seu custo de mão de obra, as empresas devem continuar a migrar. Isso é uma coisa localizada. Esse problema responde por uma percentagem muito pequena do problema inicial que você apontou, dos perdedores da globalização.
Países como a Índia, a China e até mesmo o Brasil pedem mais abertura comercial, mais livre comércio por parte dos países desenvolvidos. Mas ao mesmo tempo esses países são os mais fechados do mundo em termos de políticas comerciais protecionistas. Há uma certa incongruência com esse pedido de abertura comercial ao mesmo tempo em que esses países escolhem manter suas barreiras alfandegárias?
A conversa sobre liberalização comercial é bastante complexa. E, francamente, todo os participantes têm, ao mesmo tempo, alguma razão e alguma culpa no cartório. Por exemplo, as economias desenvolvidas com frequência — não é sempre e não são todos os setores — tendem a impor barreiras na área agrícola. É muito comum que economias avançadas tenham um setor agrícola muito protegido e muitas vezes introduzindo subsídios aos produtores que distorcem as condições de mercado. Essa é uma reclamação dos países em desenvolvimento: eles apontam que, embora suas áreas comerciais industriais sejam muito fechadas, os países desenvolvidos fazem o mesmo com suas áreas agrícolas. A realidade é que o ideal seria se todos permitissem uma integração mais harmônica. O fechamento da economia, com uma reserva de mercado para as empresas nacionais é um erro. É um erro porque isso introduz ineficiências e esse país jamais conseguirá atingir um grau de competitividade que permita às empresas do país competir no cenário internacional. Mas como partimos de um momento de falta de competitividade para um com maior competitividade que vai permitindo abertura de mercados? É um grande desafio. O que não dá é cair na armadilha do argumento de que é preciso ser competitivo para depois abrir as fronteiras e as alfândegas.
Atualmente está sendo costurado um acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia. Essa abertura contraria muitos empresários brasileiros do setor industrial. Como nesse caso os governos poderiam atuar para apaziguar os ânimos?
Não foi o que eu vi quando passei por São Paulo e Brasília. Estive em contato com vários empresários do segmento industrial, inclusive ouvi de várias vozes internas opiniões favoráveis a essa abertura. Eles reconhecem que fechar o mercado não vai resolver e que nós não iremos desenvolver a capacidade produtiva competitiva de outra maneira. Esse é o desejo dos industriais brasileiros. É necessário que haja um certo equilíbrio das relações. O governo brasileiro também tem exigido que haja uma reciprocidade da União Europeia, sobretudo nos setores mais fechados, como a própria área agrícola, por exemplo. Negociação comercial é difícil mesmo, mas eu não senti, como colocado na sua pergunta, essa hostilidade. Pode ser que alguns setores tenham essa visão mas é um entre vários empresários e líderes de negócios que falam de maneira favorável ao tratado.
Como o senhor e a OMC avaliam o Acordo de Bali [de redução de medidas alfandegárias] após cinco anos de sua negociação? Como está essa questão atualmente?
É muito positivo porque nós conseguimos a ratificação por 2/3 dos membros em um tempo relativamente rápido. Em fevereiro deste ano o acordo já havia entrado em vigor com ratificações de basicamente todos os países chaves e mais ativos no mercado internacional. Essa semana mesmo acabei de receber a confirmação da Argentina e nós agora estamos em um processo de identificação de necessidades dos países em desenvolvimento para implementar o acordo. Muitos deles se comprometeram com os termos do acordo mas eles não têm capacidade técnica de aplicar então estamos tentando ajudá-los, procurando maneiras de auxiliar a implementação técnica e viabilizar o tratado.
Houve algum tipo de ratificação que emitiu junto uma reserva em relação ao que havia sido acordado?
Não existe qualquer tipo de reserva. Na OMC não existe essa questão de reserva: ou você assina ou você não aceita. O que houve é que os países puderam dizer quais os compromissos que eles poderiam implementar imediatamente, quais eles precisavam de um período de tempo para implementar e aqueles que eles precisam, não só de mais tempo, mas também de assistência técnica do órgão. Alguns países ainda estão notificando quais são suas necessidades e como podemos ajudá-los com o cumprimento de seus compromissos.
Amanhã espera-se um discurso do presidente Donald Trump aqui em Davos. Ele atualmente é tido comoprotecionista-in-chief, muito por causa de sua política econômica da “América Primeiro”. A mensagem que ele irá dar é aquela que o secretário de Comércio, Steven Mnuchin, já deu ontem? Podemos esperar barricadas no começo internacional ou até uma guerra comercial? Como o senhor vê essa mensagem de uma guerra comercial permanente que os Estados Unidos estão enviando atualmente?
Atrito comercial é algo permanente. Mas nós não estamos numa guerra comercial. Eu não vejo dessa maneira, nós saberíamos se tivéssemos uma guerra comercial. Não é o caso ainda. Os países estão atuando dentro das regras e isso é bom. Os americanos dizem que as regras precisam ser atualizadas. Ao menos esse é o meu entendimento do argumento americano. O que eles dizem é que o mundo mudou muito e hoje há países com modelos econômicos diferentes e esses modelos não estão bem refletidos ou capturados pelas regras multilaterais. Do ponto de vista deles, essa é uma reivindicação legítima. Quando estabelecemos acordos internacionais há algum tipo de mudanças nas regras. Eu creio que os Estados Unidos estão tentando passar essa mensagem durante esta semana.