Atualmente apenas clientes com consumo superior a 3 MW podem escolher de quem vão comprar (massimo colombo/Getty Images)
Estadão Conteúdo
Publicado em 16 de janeiro de 2019 às 17h29.
Brasília - Um grupo de empresas que representam hidrelétricas de pequeno porte quer suspender uma decisão do governo que reduziu os limites de acesso à entrada de consumidores no mercado livre de energia. A portaria foi publicada em 27 de dezembro pelo ex-ministro de Minas e Energia, Moreira Franco.
A portaria 514, que ficou apenas cinco dias em consulta pública, permite que consumidores com carga superior a 2,5 megawatts (MW) possam comprar energia de qualquer fornecedor a partir de 1º de julho de 2019. Em 1º de janeiro de 2020, o limite será reduzido a 2 MW. Hoje, apenas clientes com consumo superior a 3 MW podem escolher de quem vão comprar energia.
A Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa (Abragel), que representa 279 pequenas centrais hidrelétricas (PCH) e outros empreendimentos hidrelétricos de menor porte, quer a revogação da portaria. A entidade alega que a ampliação da abertura do mercado livre, nos moldes propostos pelo governo, prejudica a competição entre os agentes.
No recurso, a Abragel cita que a portaria afeta uma lei de 1998 que criou o incentivo para a compra de fontes limpas. Por meio dessa lei, consumidores com carga entre 500 kWh e 3 MW podem comprar energia com desconto em algumas taxas, a preços mais baixos, desde que ela seja proveniente de fontes alternativas. A Abragel diz que há vício de ilegalidade na portaria, que não teria poder para alterar uma lei.
A redução do limite para entrada no mercado livre prejudica diretamente geradores de fontes alternativas como as pequenas centrais hidrelétricas, eólicas, solares e biomassa. Isso porque os clientes que hoje só podem comprar energia desses geradores terão liberdade para escolher qualquer fornecedor - de grandes hidrelétricas a termelétricas, por exemplo. A portaria, portanto, pode retirar a competitividade desses geradores frente a outros produtores.
A associação avalia que a abertura do mercado deveria ser gradativa e concatenada com ajustes para reduzir os custos dessa decisão para os demais consumidores de energia - algo com que o próprio MME concordava, destaca a entidade. Procurado, o ministério não comentou.
O presidente da Associação Brasileira de Comercializadores de Energia Elétrica (Abraceel), Reginaldo Medeiros, classifica a iniciativa da Abragel de "reserva de mercado". "Essa questão foi exaustivamente examinada pelo ministério. Não é algo novo. Há 24 anos, temos as diretrizes para abrir o mercado. Finalmente o poder concedente acordou e decidiu livrar os consumidores dessa reserva de mercado", disse.
Na avaliação do executivo, os geradores de fontes incentivadas temem a concorrência com a energia convencional, e não é por falta de competitividade. "Eles são competitivos. Mas quando alguém só pode comprar laranja, o preço sobe. Quando pode comprar laranja ou tangerina, há competição, e todos têm que baixar seus preços", afirmou.
"Mesmo com a portaria, parte da reserva de mercado vai permanecer. Nós queremos ir além. Queremos que todo consumidor, inclusive de baixa tensão, tenha direito de escolher seu fornecedor", acrescentou Medeiros. A Abragel não quis se manifestar.
A redução dos limites para migração ao mercado livre também foi criticada pela Associação dos Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee). As empresas, responsáveis pelo atendimento ao consumidor final, calcularam um impacto adicional de R$ 220 milhões para as contas de luz.
Esse custo decorre do fato de que os clientes que migram para o mercado livre deixam de pagar alguns encargos - como o empréstimo de R$ 21 bilhões realizado em 2014 e 2015, concedido para socorrer as empresas durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff. Esse custo foi integralmente repassado para as tarifas.
Em ofício ao MME, a Abradee defendeu a ideia de que a ampliação do acesso ao mercado livre seja feita de forma gradual e com medidas que evitem a transferência de custos ao consumidor. A proposta defendida pela associação é a apresentada pelo governo na Consulta Pública 33, apresentada em 2017 pelo ministério. Ela previa que a abertura ocorreria gradualmente, até 2026, para consumidores de alta e média tensão.
O conteúdo da Consulta Pública 33 foi acolhido em projetos de lei em tramitação na Câmara e no Senado. A proposta estabelece a realização de estudos para que a abertura do mercado seja feita na baixa tensão e propõe medidas para evitar perdas às distribuidoras e custos aos consumidores residenciais.