De volta para o futuro
A única coisa certa é que o mundo pós-pandemia não será o mesmo de antes
beatrizcorreia
Publicado em 9 de junho de 2020 às 15h28.
Última atualização em 9 de junho de 2020 às 15h31.
A retomada e o novo normal são os temas que dominam as conversas no momento, aliás virtuais. Muita gente especulando cenários apocalípticos ou tentando lançar tendências a partir de seus próprios anseios. A única certeza é que vivíamos em um mundo antes do Covid-19, e viveremos em outro após o Covid-19.
Uma das mudanças mais latentes é a forma de trabalho. Quem já gostava do trabalho remoto, intensificou. Quem não gostava, experimentou.
Empresas antes resistentes a adotar o trabalho remoto se viram forçadas a experimentá-lo, muitas vezes sem o necessário preparo, para dar continuidade às suas atividades ou pelo menos parte delas. Nestes ambientes o trabalho remoto era mal interpretado por alguns como “folga”, não importando o quanto os números de pesquisas demonstrassem seu aumento da produtividade. No início da pandemia, alguns gestores chegaram a pensar que tantas cadeiras vazias nos escritórios seriam a prova de que a empresa precisava de muito menos gente para funcionar, menosprezando o trabalho de pessoas que lutam em casa para equilibrar suas responsabilidades do trabalho com a rotina doméstica, também impactada, às vezes sem o espaço ou a ergonomia adequados. Estas empresas sofreram um pouco mais para se adaptar e os sistemas tecnológicos e rotinas tiveram que ser alterados às pressas para o trabalho remoto.
Do outro lado, aqueles que já experimentavam esta tendência antes da pandemia se entusiasmaram com a aceleração forçada que a crise trouxe, anunciando a possibilidade de tornar esta forma de trabalho permanente. Talvez ao verem escritórios e mesmo lojas completamente vazios com operações funcionando ainda que parcialmente, reflitam se toda aquela estrutura seria mesmo necessária, que aluguéis, muito tempo e deslocamento poderiam ser poupados se atividades de apoio ou mesmo comerciais operassem da casa de cada funcionário.
Entretanto, é preciso ponderar a perspectiva das relações humanas, de como manter um time engajado virtualmente, sem esquecer que engajamento guarda comprovadamente estreita relação com resultados. Antes da pandemia já havia vastas pesquisas que comprovavam que contar com o trabalho remoto como parte da carga de trabalho contribuía para a motivação das pessoas. Agora estas conclusões precisarão ser refinadas para avaliar se o engajamento permanece quando o trabalho remoto não se tratar mais de alguns dias por mês, mas de uma forma permanente de trabalho.
É esperado que atividades transacionais, mais padronizadas e que requerem menor nível de orientação, sejam executadas sem problemas e com maior produtividade de maneira remota, mas resta ainda certa dúvida se atividades criativas e de construção mais coletiva não serão afetadas pela mecanicidade das conexões virtuais. O cenário provável é que muitas empresas adotarão o formato híbrido, físico-virtual, preservando parte de atividades presenciais. Caberá uma análise cuidadosa das funções que terão seu melhor desempenho, e em quais momentos, no formato remoto e no formato presencial. Aqui vale uma reflexão sobre a função comercial, chave para qualquer empresa.
O isolamento social provocou mudanças nos hábitos de consumo. Estando em casa, muitas pessoas querem ou precisam cozinhar mais ou melhor, ou receber a comida já pronta em casa, acessar multiplataformas de entretenimento, preocupam-se mais com a saúde, higienização pessoal e de casa, tentam se exercitar mesmo na sala e recebem rapidamente diversos produtos na porta de sua casa, dentre tantas outras mudanças.
A consequência é o crescimento forte do comércio eletrônico, não apenas por sites e aplicativos, mas mesmo por WhatsApp. Isto é especialmente positivo para o Brasil, onde manchetes frequentes sobre fraudes e golpes ainda afastavam alguns consumidores desconfiados da segurança de meios de pagamento e da entrega. É animador que nosso comércio eletrônico cresça não somente em vendas, mas em número de adeptos. Isto não voltará a patamares pré-pandemia, porque o consumidor experimentou comodidades que lhe agradaram. Entretanto, é prudente avaliarmos a situação de maneira sistêmica.
Cenas de consumidores se aglomerando em corredores de shoppings e ruas de comércio nos primeiros dias de liberação de algumas cidades não ocorreram porque produtos e serviços não estavam disponíveis em comércio eletrônico. Cenas de dezembro em pleno meses de abril, maio. Talvez aqueles consumidores quiseram experimentar o produto antes da compra, talvez muitas daquelas compras ocorreram por impulso ou aquelas pessoas quiseram simplesmente sair de casa. Vejamos algumas experiências pré-pandemia.
Milhares de pessoas não deixaram de assistir a uma partida de futebol em estádios mesmo com pacotes de transmissões ao vivo disponíveis. Não há ainda dados se crianças que tiveram festinhas de aniversário virtuais tiveram o mesmo brilho no olho como naquelas em que corriam com os amiguinhos até perder o fôlego. Ou, ainda, porque tantas pessoas acordam mais cedo e se deslocam até a uma academia quando no seu local de residência há estrutura disponível ou aquela esteira se transformou em cabide de roupas. Elas buscam algum tipo de experiência que o virtual ainda não é capaz de transmitir, e isto está relacionado mais às emoções do que às funções racionais.
Pessoas querem estar com pessoas, compartilhar sensações e mesmo vaidades, em especial para povos mais expressivos emocionalmente, como nós brasileiros. Líderes não devem ignorar este aspecto ao projetar os produtos, os processos, as marcas e os canais de venda, porque nada se produz ou se vende sem pessoas. No momento, diversas experiências de consumo, de trabalho e de vida estão restringidas pela pandemia. Alternativas virtuais suprem determinadas necessidades e chegam a entusiasmar, mas não há garantias de que este seja o novo normal do consumidor, nem do funcionário que agora trabalha remotamente.
Viviane Martins é presidente da Falconi, uma das mais importantes consultorias de de gestão e estratégia do Brasil.
A retomada e o novo normal são os temas que dominam as conversas no momento, aliás virtuais. Muita gente especulando cenários apocalípticos ou tentando lançar tendências a partir de seus próprios anseios. A única certeza é que vivíamos em um mundo antes do Covid-19, e viveremos em outro após o Covid-19.
Uma das mudanças mais latentes é a forma de trabalho. Quem já gostava do trabalho remoto, intensificou. Quem não gostava, experimentou.
Empresas antes resistentes a adotar o trabalho remoto se viram forçadas a experimentá-lo, muitas vezes sem o necessário preparo, para dar continuidade às suas atividades ou pelo menos parte delas. Nestes ambientes o trabalho remoto era mal interpretado por alguns como “folga”, não importando o quanto os números de pesquisas demonstrassem seu aumento da produtividade. No início da pandemia, alguns gestores chegaram a pensar que tantas cadeiras vazias nos escritórios seriam a prova de que a empresa precisava de muito menos gente para funcionar, menosprezando o trabalho de pessoas que lutam em casa para equilibrar suas responsabilidades do trabalho com a rotina doméstica, também impactada, às vezes sem o espaço ou a ergonomia adequados. Estas empresas sofreram um pouco mais para se adaptar e os sistemas tecnológicos e rotinas tiveram que ser alterados às pressas para o trabalho remoto.
Do outro lado, aqueles que já experimentavam esta tendência antes da pandemia se entusiasmaram com a aceleração forçada que a crise trouxe, anunciando a possibilidade de tornar esta forma de trabalho permanente. Talvez ao verem escritórios e mesmo lojas completamente vazios com operações funcionando ainda que parcialmente, reflitam se toda aquela estrutura seria mesmo necessária, que aluguéis, muito tempo e deslocamento poderiam ser poupados se atividades de apoio ou mesmo comerciais operassem da casa de cada funcionário.
Entretanto, é preciso ponderar a perspectiva das relações humanas, de como manter um time engajado virtualmente, sem esquecer que engajamento guarda comprovadamente estreita relação com resultados. Antes da pandemia já havia vastas pesquisas que comprovavam que contar com o trabalho remoto como parte da carga de trabalho contribuía para a motivação das pessoas. Agora estas conclusões precisarão ser refinadas para avaliar se o engajamento permanece quando o trabalho remoto não se tratar mais de alguns dias por mês, mas de uma forma permanente de trabalho.
É esperado que atividades transacionais, mais padronizadas e que requerem menor nível de orientação, sejam executadas sem problemas e com maior produtividade de maneira remota, mas resta ainda certa dúvida se atividades criativas e de construção mais coletiva não serão afetadas pela mecanicidade das conexões virtuais. O cenário provável é que muitas empresas adotarão o formato híbrido, físico-virtual, preservando parte de atividades presenciais. Caberá uma análise cuidadosa das funções que terão seu melhor desempenho, e em quais momentos, no formato remoto e no formato presencial. Aqui vale uma reflexão sobre a função comercial, chave para qualquer empresa.
O isolamento social provocou mudanças nos hábitos de consumo. Estando em casa, muitas pessoas querem ou precisam cozinhar mais ou melhor, ou receber a comida já pronta em casa, acessar multiplataformas de entretenimento, preocupam-se mais com a saúde, higienização pessoal e de casa, tentam se exercitar mesmo na sala e recebem rapidamente diversos produtos na porta de sua casa, dentre tantas outras mudanças.
A consequência é o crescimento forte do comércio eletrônico, não apenas por sites e aplicativos, mas mesmo por WhatsApp. Isto é especialmente positivo para o Brasil, onde manchetes frequentes sobre fraudes e golpes ainda afastavam alguns consumidores desconfiados da segurança de meios de pagamento e da entrega. É animador que nosso comércio eletrônico cresça não somente em vendas, mas em número de adeptos. Isto não voltará a patamares pré-pandemia, porque o consumidor experimentou comodidades que lhe agradaram. Entretanto, é prudente avaliarmos a situação de maneira sistêmica.
Cenas de consumidores se aglomerando em corredores de shoppings e ruas de comércio nos primeiros dias de liberação de algumas cidades não ocorreram porque produtos e serviços não estavam disponíveis em comércio eletrônico. Cenas de dezembro em pleno meses de abril, maio. Talvez aqueles consumidores quiseram experimentar o produto antes da compra, talvez muitas daquelas compras ocorreram por impulso ou aquelas pessoas quiseram simplesmente sair de casa. Vejamos algumas experiências pré-pandemia.
Milhares de pessoas não deixaram de assistir a uma partida de futebol em estádios mesmo com pacotes de transmissões ao vivo disponíveis. Não há ainda dados se crianças que tiveram festinhas de aniversário virtuais tiveram o mesmo brilho no olho como naquelas em que corriam com os amiguinhos até perder o fôlego. Ou, ainda, porque tantas pessoas acordam mais cedo e se deslocam até a uma academia quando no seu local de residência há estrutura disponível ou aquela esteira se transformou em cabide de roupas. Elas buscam algum tipo de experiência que o virtual ainda não é capaz de transmitir, e isto está relacionado mais às emoções do que às funções racionais.
Pessoas querem estar com pessoas, compartilhar sensações e mesmo vaidades, em especial para povos mais expressivos emocionalmente, como nós brasileiros. Líderes não devem ignorar este aspecto ao projetar os produtos, os processos, as marcas e os canais de venda, porque nada se produz ou se vende sem pessoas. No momento, diversas experiências de consumo, de trabalho e de vida estão restringidas pela pandemia. Alternativas virtuais suprem determinadas necessidades e chegam a entusiasmar, mas não há garantias de que este seja o novo normal do consumidor, nem do funcionário que agora trabalha remotamente.
Viviane Martins é presidente da Falconi, uma das mais importantes consultorias de de gestão e estratégia do Brasil.