O plano dos republicanos para sabotar o ano de 2021
Se o democrata Joe Biden de fato ganhar, terá de governar diante do equivalente a uma sabotagem sem fim da política econômica por parte dos republicanos
Matheus Doliveira
Publicado em 29 de setembro de 2020 às 15h06.
Última atualização em 29 de setembro de 2020 às 15h07.
Ninguém sabe ao certo quem vai vencer a eleição presidencial americana em novembro. Hoje Joe Biden tem a vantagem, mas entre os caprichos do colégio eleitoral e quaisquer que sejam as surpresa de outubro que os apoiadores do presidente Donald Trump estão preparando - e pode ter certeza de que elas vêm aí -, quem é que sabe?
Algo claro, contudo, é que os republicanos - não só Trump, mas o partido inteiro dele - estão agindo como se não houvesse amanhã. Ou, para ser mais preciso, estão agindo como se não houvesse ano que vem.
E isso quer dizer que, se Biden de fato ganhar, terá de governar diante do equivalente a uma sabotagem sem fim da política econômica por parte dos adversários políticos dele.
Para entender a que me refiro quando falo em agir como se não houvesse ano que vem, peguem o caso do grande (e ilegal) comício a portas fechadas que Trump realizou no domingo em Nevada.
Ou então o caso das semanas de silêncio e inépcia de Trump quanto aos incêndios florestais devastando os Estados da região Oeste do país. É verdade que Trump não vai ganhar na Califórnia, nem em Oregon ou Washington. Mas supõe-se que ele seja o presidente dos Estados Unidos, e não só dos chamados Estados vermelhos, ou republicanos.
Além do mais, estes Estados representam quase 19% da economia americana; é de se esperar que ele fosse se importar com o dano sofrido por estas regiões, que irá transbordar para o resto do país. Mas claramente ele não liga.
Para mim, porém, a demonstração mais visível da recusa republicana em pensar adiante é o fato de que nada vem sendo feito para aliviar o sofrimento dos americanos desempregados - que perderam grande parte dos benefícios que os sustentavam no início de julho - ou a futura crise fiscal que atingirá os governos estaduais e municipais.
Eu leio diversas newsletters de negócios que tentam orientar sobre futuros avanços políticos e econômicos; no começo do verão, praticamente todas previram que a Câmara democrata e o Senado republicano chegariam a algum tipo de acordo sobre o auxílio econômico. Os desempregados continuariam a receber benefícios ampliados, embora fossem inferiores ao complemento de US$ 600 por semana que eles vêm recebendo com a lei CARES (sigla em inglês de Coronavirus Aid, Relief, and Economic Security Act - em tradução livre, Lei de Socorro, Auxílio e Segurança Econômica ao Coronavírus); governos estaduais e municipais receberiam um auxílio significativo, embora não tanto quanto os democratas queriam.
Só que não houve acordo, tirando os decretos executivos de Trump que autorizaram alguns pagamentos a mais e uma gracinha que já está fazendo água. O que aconteceu?
Minha leitura é que, enquanto os democratas aprovaram uma lei de auxílio que devia servir de ponto de partida para negociações lá atrás, em maio, os republicanos vacilaram, impedidos tanto pelos direitistas linha-dura quanto pelas fantasias de uma recuperação econômica em V. E, quando eles entenderam que os delírios deles não se realizariam, era tarde demais para tomar qualquer atitude que fosse ter muito impacto na eleição. Sendo assim, por que se preocupar em fazer alguma coisa?
Ou seja, é como se os republicanos não esperassem ganhar e tivessem entendido que, caso isso aconteça, eles vão lidar com a bagunça de algum modo.
Claro que um observador ingênuo talvez pudesse esperar que os políticos levassem em conta o interesse público, e não só a sorte política do partido deles. Não é o caso desses políticos, nem desse partido.
Tudo isso tem consequências sinistras para o estado da nação nos meses e talvez anos após a eleição.
Suponha que Biden, o ex-vice-presidente, ganhe (o que não é garantido) e que o faça sem que Trump e seus apoiadores criem uma crise constitucional imensamente prejudicial (o que definitivamente não é garantido). Mesmo assim, ainda existirão dois meses durante os quais os republicanos controlarão a Casa Branca e o Senado.
Normalmente, os governos de saída tentam deixar o caminho mais tranquilo para seus sucessores. Se você acha que isso vai acontecer dessa vez, eu tenho alguns quilômetros de muro de fronteira, pagos pelo México, que talvez você queira comprar.
O que vai de fato acontecer, no melhor cenário, é nada: nenhuma medida para limitar a transmissão do coronavírus, nenhum socorro financeiro para as famílias e os governos regionais em crise. E quem quer apostar comigo nas possíveis ações intencionais para piorar as coisas?
Ou seja, se Biden for empossado no dia 20 de janeiro, será o segundo presidente democrata seguido que herda um país em crise, mas desta vez uma muito pior do que aquela que o presidente Obama pegou.
E os problemas não vão acabar no dia da posse. Se os republicanos ainda controlarem o Senado, farão de tudo que puderem para sabotar o novo governo Biden.
Vale lembrar que, em 2011, os republicanos da Câmara mantiveram a América refém, ameaçando forçar um default na dívida nacional a menos que Obama cedesse às exigências deles. E olha que esse era o Partido Republicano pré-Trump - já era extremista, mas não no ponto que está hoje.
As coisas serão melhores se os democratas levarem o Senado além da Casa Branca. Mas Biden continuará a enfrentar obstruções constantes. Meu palpite é que, o que quer que digam hoje, uma hora os democratas serão forçados a acabar com a obstrução (tentativa de barrar ou atrasar a votação de um projeto de lei pelo Senado discutindo a proposta ad infinitum ou apresentando inúmeros recursos procedimentais contra ela) simplesmente para tornar o país governável.
A questão é que, ainda que uma vitória de Biden, se acontecer, salve a democracia americana do colapso imediato, ela não irá curar a doença que afeta nosso sistema político.
Ninguém sabe ao certo quem vai vencer a eleição presidencial americana em novembro. Hoje Joe Biden tem a vantagem, mas entre os caprichos do colégio eleitoral e quaisquer que sejam as surpresa de outubro que os apoiadores do presidente Donald Trump estão preparando - e pode ter certeza de que elas vêm aí -, quem é que sabe?
Algo claro, contudo, é que os republicanos - não só Trump, mas o partido inteiro dele - estão agindo como se não houvesse amanhã. Ou, para ser mais preciso, estão agindo como se não houvesse ano que vem.
E isso quer dizer que, se Biden de fato ganhar, terá de governar diante do equivalente a uma sabotagem sem fim da política econômica por parte dos adversários políticos dele.
Para entender a que me refiro quando falo em agir como se não houvesse ano que vem, peguem o caso do grande (e ilegal) comício a portas fechadas que Trump realizou no domingo em Nevada.
Ou então o caso das semanas de silêncio e inépcia de Trump quanto aos incêndios florestais devastando os Estados da região Oeste do país. É verdade que Trump não vai ganhar na Califórnia, nem em Oregon ou Washington. Mas supõe-se que ele seja o presidente dos Estados Unidos, e não só dos chamados Estados vermelhos, ou republicanos.
Além do mais, estes Estados representam quase 19% da economia americana; é de se esperar que ele fosse se importar com o dano sofrido por estas regiões, que irá transbordar para o resto do país. Mas claramente ele não liga.
Para mim, porém, a demonstração mais visível da recusa republicana em pensar adiante é o fato de que nada vem sendo feito para aliviar o sofrimento dos americanos desempregados - que perderam grande parte dos benefícios que os sustentavam no início de julho - ou a futura crise fiscal que atingirá os governos estaduais e municipais.
Eu leio diversas newsletters de negócios que tentam orientar sobre futuros avanços políticos e econômicos; no começo do verão, praticamente todas previram que a Câmara democrata e o Senado republicano chegariam a algum tipo de acordo sobre o auxílio econômico. Os desempregados continuariam a receber benefícios ampliados, embora fossem inferiores ao complemento de US$ 600 por semana que eles vêm recebendo com a lei CARES (sigla em inglês de Coronavirus Aid, Relief, and Economic Security Act - em tradução livre, Lei de Socorro, Auxílio e Segurança Econômica ao Coronavírus); governos estaduais e municipais receberiam um auxílio significativo, embora não tanto quanto os democratas queriam.
Só que não houve acordo, tirando os decretos executivos de Trump que autorizaram alguns pagamentos a mais e uma gracinha que já está fazendo água. O que aconteceu?
Minha leitura é que, enquanto os democratas aprovaram uma lei de auxílio que devia servir de ponto de partida para negociações lá atrás, em maio, os republicanos vacilaram, impedidos tanto pelos direitistas linha-dura quanto pelas fantasias de uma recuperação econômica em V. E, quando eles entenderam que os delírios deles não se realizariam, era tarde demais para tomar qualquer atitude que fosse ter muito impacto na eleição. Sendo assim, por que se preocupar em fazer alguma coisa?
Ou seja, é como se os republicanos não esperassem ganhar e tivessem entendido que, caso isso aconteça, eles vão lidar com a bagunça de algum modo.
Claro que um observador ingênuo talvez pudesse esperar que os políticos levassem em conta o interesse público, e não só a sorte política do partido deles. Não é o caso desses políticos, nem desse partido.
Tudo isso tem consequências sinistras para o estado da nação nos meses e talvez anos após a eleição.
Suponha que Biden, o ex-vice-presidente, ganhe (o que não é garantido) e que o faça sem que Trump e seus apoiadores criem uma crise constitucional imensamente prejudicial (o que definitivamente não é garantido). Mesmo assim, ainda existirão dois meses durante os quais os republicanos controlarão a Casa Branca e o Senado.
Normalmente, os governos de saída tentam deixar o caminho mais tranquilo para seus sucessores. Se você acha que isso vai acontecer dessa vez, eu tenho alguns quilômetros de muro de fronteira, pagos pelo México, que talvez você queira comprar.
O que vai de fato acontecer, no melhor cenário, é nada: nenhuma medida para limitar a transmissão do coronavírus, nenhum socorro financeiro para as famílias e os governos regionais em crise. E quem quer apostar comigo nas possíveis ações intencionais para piorar as coisas?
Ou seja, se Biden for empossado no dia 20 de janeiro, será o segundo presidente democrata seguido que herda um país em crise, mas desta vez uma muito pior do que aquela que o presidente Obama pegou.
E os problemas não vão acabar no dia da posse. Se os republicanos ainda controlarem o Senado, farão de tudo que puderem para sabotar o novo governo Biden.
Vale lembrar que, em 2011, os republicanos da Câmara mantiveram a América refém, ameaçando forçar um default na dívida nacional a menos que Obama cedesse às exigências deles. E olha que esse era o Partido Republicano pré-Trump - já era extremista, mas não no ponto que está hoje.
As coisas serão melhores se os democratas levarem o Senado além da Casa Branca. Mas Biden continuará a enfrentar obstruções constantes. Meu palpite é que, o que quer que digam hoje, uma hora os democratas serão forçados a acabar com a obstrução (tentativa de barrar ou atrasar a votação de um projeto de lei pelo Senado discutindo a proposta ad infinitum ou apresentando inúmeros recursos procedimentais contra ela) simplesmente para tornar o país governável.
A questão é que, ainda que uma vitória de Biden, se acontecer, salve a democracia americana do colapso imediato, ela não irá curar a doença que afeta nosso sistema político.