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O dilema da dívida pública pandêmica: o que esperar depois?

Para os governos com histórico ruim na economia, simplesmente tomar emprestado e gastar mais pode não ser o melhor curso de ação

Dólar (halduns/Getty Images)
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Matheus Doliveira

Publicado em 11 de dezembro de 2020 às 12h47.

MILÃO – Aumento nos gastos públicos durante a pandemia é essencial para administrar os serviços de saúde, auxiliar famílias que têm perdido renda, bem como preservar empresas que de outro modo podem prejudicar a produção e os empregos no longo prazo se quebrarem. Kristalina Georgieva, diretora-geral do Fundo Monetário Internacional, tem insistido aos legisladores para “gastar, porém guardando os comprovantes”. Do mesmo modo, a economista-chefe do Banco Mundial, Carmen M. Reinhart nos lembra que “primeiro deve-se lutar a guerra, depois dá-se um jeito em como  pagar por ela.”

Embora recomendações sejam sensatas para países com sólidas bases fiscais, os riscos de gastos maiores no longo prazo podem ser perigosamente altos para outros. Em 2008, a Comissão de Crescimento e Desenvolvimento (na qual nós dois já trabalhamos) mostrou que bem-sucedidos países em desenvolvimento devem seu crescimento econômico em parte à qualidade de seus investimentos sociais e de capital. E os mais bem-sucedidos destes países, descobrimos, haviam mantido suas economias com níveis de poupança ou perto dos níveis de investimentos, de modo que os atuais déficits em suas contas eram pequenos.

Hoje, contudo, há muitos países – alguns que entraram na pandemia já bastante endividados – que não têm sido administradores eficazes de recursos públicos, graças à precária seleção e implementação de projetos, foco ineficiente nos gastos sociais, subsídios supérfluos ou corrupção absoluta. Tanto o Banco Mundial quanto o FMI têm ferramentas eficazes para medir a qualidade dos gastos públicos, e há uma infinidade de índices que mostram como a governança de um país se sai em relação às referências tradicionais. Para governos com histórico ruim, simplesmente tomar emprestado e gastar mais pode não ser o melhor curso de ação.

Afinal, os cidadãos de um país não estão bem servidos quando o próprio governo fica mais endividado para gastar de forma imprudente. Para esses países, tomar empréstimos em moedas fortes quando as exportações estão deprimidas e suas próprias taxas de câmbio estão sob pressão, simplesmente torna mais provável a reprogramação da dívida futura, e pode colocar instituições financeiras internacionais como o FMI em uma desconfortável posição uma vez que hoje elas defendem incondicionais gastos extra.

Crescimento econômico depende de altos retornos do investimento público em capital humano e infraestrutura. Países que investiram de maneira inteligente nessas áreas viram sua fortuna econômica aumentar, ao passo que aqueles que investiram mal ficaram mais endividados e menos capazes de pagar, especialmente se essas dívidas forem em moeda estrangeira. Uma vez que a maioria dos países em desenvolvimento tem margem limitada para tomar empréstimos em seus próprios mercados de capital, qualquer gasto adicional provavelmente será financiado externa e comercialmente. Essa é uma potencial receita para o desastre.

No atual ambiente de taxas de juros baixas, costuma-se dizer que, desde que os custos de empréstimos fiquem abaixo da taxa de crescimento, os gastos adicionais financiados por dívida fazem sentido. Mas, novamente, embora esse argumento seja justificável quando aplicado a países ricos, ele apresenta perigos no contexto de economias emergentes e em desenvolvimento, onde fatores como a eficiência e distribuição dos gastos são muito importantes. Essas questões não podem ser esquecidas – nem mesmo durante uma pandemia – porque podem aumentar a carga da dívida futura e reduzir as chances de um bem-sucedido desenvolvimento a longo prazo.

Além disso, existem abordagens mais eficazes para lidar com os dilemas fiscais enfrentados pelas economias emergentes e em desenvolvimento. Isso inclui o aumento do volume de assistência direcionada às populações vulneráveis; estender a duração dos empréstimos do FMI, que pode depender de garantias de que os recursos serão bem utilizados, assim como programas combinados do FMI e do Banco Mundial que incluem parâmetros de desempenho fiscal.

No rescaldo das crises da dívida da década de 1980, as instituições de Bretton Woods colaboraram para produzir estruturas de política econômica de médio prazo que forneceriam novos recursos de financiamentos e integração para sensatos planos de desenvolvimento. Essas estruturas formais poderiam agora ser reavivadas de alguma forma para oferecer melhores garantias aos credores de que os principais gargalos estruturais e preocupações de governança estão sendo considerados..

Para aqueles preocupados com as implicações dessas condições, vale lembrar que a reformulação do perfil da dívida, se feita preventivamente, requer que os mutuários produzam estruturas de crescimento e sustentabilidade da dívida que possam ser concebidas e implementadas com orientação de terceiros. A alternativa – reagendamento da dívida sob pressão ou inadimplência total – é uma opção muito pior que os programas financiados em parceria entre o Banco Mundial e o FMI que podem acumular dívidas privadas em termos revisados ​​e mais acessíveis.

Obviamente, uma estrutura que forneça alívio de longo prazo ao mesmo tempo que aborda as lacunas fiscais e a dívida insustentável implica em mecanismos internacionais de financiamento aprimorados de forma a colocar os pagamentos da dívida em um caminho sustentável. Em contraste com os exercícios anteriores de redução da dívida ( Iniciativa para Países Seriamente Endividados e a Iniciativa Multilateral de Alívio da Dívida ), as atuais circunstâncias indicam que o  recairá em grande parte sobre os mutuários de renda média. Portanto, é necessária uma nova arquitetura de reescalonamento da dívida que envolva ativamente os credores comerciais.

Qualquer iniciativa desse tipo precisaria ser endossada pelo G20, que já concordou em trabalhar na direção de uma nova estrutura global de reestruturação da dívida. Esta abordagem precisa incluir formalmente todos os principais países credores. É do interesse de todos os credores participarem desse exercício, tanto para evitar problemas de aproveitadores como para garantir a transparência das informações sobre as dívidas.

Tempos extraordinários exigem medidas extraordinárias. Sem uma ação ousada, os países em desenvolvimento podem estar prestes a perder anos ou mesmo décadas de avanço no mundo pós-pandemia. Na economia da pandemia, amortecedores de choques fiscais, gastos públicos eficientes e novos instrumentos para definir o perfil de pagamentos de dívidas insustentáveis ​​de forma preventiva são todos partes indispensáveis da necessária resposta.

Michael Spence, Ganhador do Prêmio Nobel de Economia, é Professor de Economia da Faculdade de Comércio Stern, da Universidade de Nova York e Membro Sênior da Hoover Institution.

Danny Leipziger, Professor da Escola de Administração e Comércio da Universidade George Washington, atuou como Vice-Presidente da Comissão para o Crescimento e o Desenvolvimento.

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MILÃO – Aumento nos gastos públicos durante a pandemia é essencial para administrar os serviços de saúde, auxiliar famílias que têm perdido renda, bem como preservar empresas que de outro modo podem prejudicar a produção e os empregos no longo prazo se quebrarem. Kristalina Georgieva, diretora-geral do Fundo Monetário Internacional, tem insistido aos legisladores para “gastar, porém guardando os comprovantes”. Do mesmo modo, a economista-chefe do Banco Mundial, Carmen M. Reinhart nos lembra que “primeiro deve-se lutar a guerra, depois dá-se um jeito em como  pagar por ela.”

Embora recomendações sejam sensatas para países com sólidas bases fiscais, os riscos de gastos maiores no longo prazo podem ser perigosamente altos para outros. Em 2008, a Comissão de Crescimento e Desenvolvimento (na qual nós dois já trabalhamos) mostrou que bem-sucedidos países em desenvolvimento devem seu crescimento econômico em parte à qualidade de seus investimentos sociais e de capital. E os mais bem-sucedidos destes países, descobrimos, haviam mantido suas economias com níveis de poupança ou perto dos níveis de investimentos, de modo que os atuais déficits em suas contas eram pequenos.

Hoje, contudo, há muitos países – alguns que entraram na pandemia já bastante endividados – que não têm sido administradores eficazes de recursos públicos, graças à precária seleção e implementação de projetos, foco ineficiente nos gastos sociais, subsídios supérfluos ou corrupção absoluta. Tanto o Banco Mundial quanto o FMI têm ferramentas eficazes para medir a qualidade dos gastos públicos, e há uma infinidade de índices que mostram como a governança de um país se sai em relação às referências tradicionais. Para governos com histórico ruim, simplesmente tomar emprestado e gastar mais pode não ser o melhor curso de ação.

Afinal, os cidadãos de um país não estão bem servidos quando o próprio governo fica mais endividado para gastar de forma imprudente. Para esses países, tomar empréstimos em moedas fortes quando as exportações estão deprimidas e suas próprias taxas de câmbio estão sob pressão, simplesmente torna mais provável a reprogramação da dívida futura, e pode colocar instituições financeiras internacionais como o FMI em uma desconfortável posição uma vez que hoje elas defendem incondicionais gastos extra.

Crescimento econômico depende de altos retornos do investimento público em capital humano e infraestrutura. Países que investiram de maneira inteligente nessas áreas viram sua fortuna econômica aumentar, ao passo que aqueles que investiram mal ficaram mais endividados e menos capazes de pagar, especialmente se essas dívidas forem em moeda estrangeira. Uma vez que a maioria dos países em desenvolvimento tem margem limitada para tomar empréstimos em seus próprios mercados de capital, qualquer gasto adicional provavelmente será financiado externa e comercialmente. Essa é uma potencial receita para o desastre.

No atual ambiente de taxas de juros baixas, costuma-se dizer que, desde que os custos de empréstimos fiquem abaixo da taxa de crescimento, os gastos adicionais financiados por dívida fazem sentido. Mas, novamente, embora esse argumento seja justificável quando aplicado a países ricos, ele apresenta perigos no contexto de economias emergentes e em desenvolvimento, onde fatores como a eficiência e distribuição dos gastos são muito importantes. Essas questões não podem ser esquecidas – nem mesmo durante uma pandemia – porque podem aumentar a carga da dívida futura e reduzir as chances de um bem-sucedido desenvolvimento a longo prazo.

Além disso, existem abordagens mais eficazes para lidar com os dilemas fiscais enfrentados pelas economias emergentes e em desenvolvimento. Isso inclui o aumento do volume de assistência direcionada às populações vulneráveis; estender a duração dos empréstimos do FMI, que pode depender de garantias de que os recursos serão bem utilizados, assim como programas combinados do FMI e do Banco Mundial que incluem parâmetros de desempenho fiscal.

No rescaldo das crises da dívida da década de 1980, as instituições de Bretton Woods colaboraram para produzir estruturas de política econômica de médio prazo que forneceriam novos recursos de financiamentos e integração para sensatos planos de desenvolvimento. Essas estruturas formais poderiam agora ser reavivadas de alguma forma para oferecer melhores garantias aos credores de que os principais gargalos estruturais e preocupações de governança estão sendo considerados..

Para aqueles preocupados com as implicações dessas condições, vale lembrar que a reformulação do perfil da dívida, se feita preventivamente, requer que os mutuários produzam estruturas de crescimento e sustentabilidade da dívida que possam ser concebidas e implementadas com orientação de terceiros. A alternativa – reagendamento da dívida sob pressão ou inadimplência total – é uma opção muito pior que os programas financiados em parceria entre o Banco Mundial e o FMI que podem acumular dívidas privadas em termos revisados ​​e mais acessíveis.

Obviamente, uma estrutura que forneça alívio de longo prazo ao mesmo tempo que aborda as lacunas fiscais e a dívida insustentável implica em mecanismos internacionais de financiamento aprimorados de forma a colocar os pagamentos da dívida em um caminho sustentável. Em contraste com os exercícios anteriores de redução da dívida ( Iniciativa para Países Seriamente Endividados e a Iniciativa Multilateral de Alívio da Dívida ), as atuais circunstâncias indicam que o  recairá em grande parte sobre os mutuários de renda média. Portanto, é necessária uma nova arquitetura de reescalonamento da dívida que envolva ativamente os credores comerciais.

Qualquer iniciativa desse tipo precisaria ser endossada pelo G20, que já concordou em trabalhar na direção de uma nova estrutura global de reestruturação da dívida. Esta abordagem precisa incluir formalmente todos os principais países credores. É do interesse de todos os credores participarem desse exercício, tanto para evitar problemas de aproveitadores como para garantir a transparência das informações sobre as dívidas.

Tempos extraordinários exigem medidas extraordinárias. Sem uma ação ousada, os países em desenvolvimento podem estar prestes a perder anos ou mesmo décadas de avanço no mundo pós-pandemia. Na economia da pandemia, amortecedores de choques fiscais, gastos públicos eficientes e novos instrumentos para definir o perfil de pagamentos de dívidas insustentáveis ​​de forma preventiva são todos partes indispensáveis da necessária resposta.

Michael Spence, Ganhador do Prêmio Nobel de Economia, é Professor de Economia da Faculdade de Comércio Stern, da Universidade de Nova York e Membro Sênior da Hoover Institution.

Danny Leipziger, Professor da Escola de Administração e Comércio da Universidade George Washington, atuou como Vice-Presidente da Comissão para o Crescimento e o Desenvolvimento.

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