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É a vez do venture debt para startups no Brasil

"O venture debt tornou-se uma opção de financiamento para startups em forma de dívida não conversível, exigindo garantias, mas sem abocanhar equity"

 (Singu/Divulgação)
(Singu/Divulgação)
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Tallis Gomes

Publicado em 6 de abril de 2021 às, 17h12.

Última atualização em 8 de abril de 2021 às, 15h05.

Há praticamente um ano começamos a ouvir sobre venture debt no Brasil, até então, todo empreendedor já sabia o que era o venture capital. A diferença básica entre um e o outro é que, o venture capital permite que investidores apliquem recursos em empresas com grande potencial de crescimento, adquirindo equity da organização. Enquanto que o venture debt tornou-se uma opção de financiamento para startups em forma de dívida não conversível, exigindo garantias, mas sem abocanhar equity.

Eu posso contar a minha própria experiência utilizando o venture debt, que aliás, nos Estados Unidos já representa cerca de 25% da fonte de captação de recursos de empresas. Esse é um dado do Brasil Venture Debt, fundo que já financiou as operações de startups como Goomer, SmartMEI e Kenoby. Nos EUA a modalidade já é conhecida desde 1970.

Outra gestora que trabalha com esse tipo de crédito é a Galápagos Capital, que emprestou mais de R$ 45 milhões para startups em 2020, sendo uma delas, a Singu - marketplace de beleza, da qual sou fundador. Para 2021, a Galápagos já sinalizou pretensão em realizar empréstimos a pelo menos 15 operações, a um ticket médio que normalmente varia entre R$ 5 milhões e R$ 10 milhões, o que representa um valor total de R$ 75 milhões a R$ 150 milhões emprestados a startups.

Voltando à Singu, quando colocamos para rodar o negócio, optei por investir capital próprio durante um bom tempo, assim como vários outros empreendedores. Porém, fomos afetados diretamente pela crise do COVID, que deixou muitos clientes com o pé atrás para receber prestadoras de serviço em casa (foco da plataforma), ocasionando uma queda nos pedidos e impactando os resultados da operação.

Quando surgiu a possibilidade de fazermos um venture debt coloquei na balança as diferenças para o venture capital, que apesar de possibilitar acesso a um networking que um empresário não conseguiria sozinho, deixa o fundador dependente daquele aporte, ao ceder participação para a investidora e possuir quem investiu como um novo participante da gestão do negócio. De maneira alguma, eu abro guerra contra o venture capital, sendo uma opção importante para o mercado, mas naquele momento o formato de venture debt me atenderia melhor.

A opção do venture debt para Singu naquele momento era a mais viável, pois estávamos em negociação de investimento com a Natura e não fazia sentido abrir uma nova rodada de investimentos e ser diluído, pois o deal com a Natura poderia acontecer a qualquer momento. Na ocasião, a Singu utilizou como garantia, os recebíveis da empresa. Esse é um importante aspecto do Venture Debt, como é caracterizado por ser um acesso à crédito em forma de dívida, ele exige como contrapartida garantias ao invés de equity. 

Assim, em um mês fechamos o empréstimo com a Galápagos. O que é um outro ponto relevante da modalidade. Ela é mais rápida e simples que aportes de VC, ao mesmo tempo que costumam representar quantias menores. 

Para reduzir os riscos de inadimplência, os fundos focados em venture debt buscam startups que tenham recebido rodadas de investimento ou que já estejam um pouco mais maduras, além disso, garantias são sempre exigidas e podem variar de caso para caso. Os fundos observam se a sua empresa possui uma receita mínima, conquista de mercado e ganho de escala, assim como uma governança corporativa estruturada e controle de aplicação de recursos. De acordo com a Endeavor, esse processo de análise até a liberação do valor pode levar até quatro meses, apesar de no caso da Singu ter sido de apenas um, e com a entrada da Natura, a dívida já pôde ser quitada.

Quando faz sentido acessar um venture debt?

Pode-se citar algumas empresas que já se utilizaram desse recurso nos EUA, que certamente todos conhecem: Airbnb, Facebook, Spotify e Uber. Todas possuem algo em comum, são focadas em tecnologia. 

Ter uma equipe de tech é caro. Se eu cortasse a área de tecnologia da Singu, a economia seria enorme, porém, em compensação, o produto deixaria de existir, não teríamos desenvolvedores e não existiria uma plataforma.

Para sustentar a estrutura adequada é necessário investimento. Apesar de exigir certa maturidade da startup, no debt os juros serão melhor diluídos - em torno de 8% a 9% ao ano -  e o investidor não fará parte do controle da sua empresa, sendo uma boa opção para quem possui garantias e não está buscando smart money. No caso do venture capital, o fundador será diluído e terá o investidor próximo à gestão da operação, mas caso tenha sido feita uma boa escolha de VC, o empresário poderá usufruir de conexões de mercado fornecidas pelo investidor, além de ter acesso a um montante maior de capital.

Outra jogada comum é acessar ao venture debt quando a organização está entre rodadas de investimento ou melhorando seus números para atingir um valuation maior na próxima rodada. Outra opção comum, é utilizar a modalidade para se proteger de crises, como por exemplo as empresas que estão sofrendo na carne com a Covid-19, permitindo que a organização atravesse o momento e o quadro societário seja inalterado.

Como utilizar o venture debt?

Na Singu, o crédito foi utilizado para expandir o negócio e melhorar a tecnologia. É pra isso que esses recursos devem ser aplicados, para alavancar a startup, lançar produto novo, abrir uma spin off ou estratégias de negócio que irão gerar mais receita a longo prazo

De acordo com o Distrito, 2020 quebrou recordes em venture capital. Foram mais de US$ 3.5 bilhões investidos em startups por meio de mais de 470 rodadas de investimento. Se olharmos também para o crescimento do debt nos Estados Unidos e sua recente descoberta no Brasil, com a entrada de novas gestoras e fundos, a tendência é que nos próximos anos essa modalidade ganhe mais força. O BTG Pactual, por meio do boostLAB, é um dos bancos que prometem dar fôlego para o debt. No ano passado, a faixa de investimento desembolsado por eles foi projetada entre R$ 10 milhões e R$ 30 milhões por empresa.

Nos Estados Unidos, o Silicon Valley Bank (SVB), que é considerado o banco das startups, também começou a mirar o Brasil. Um fundo de venture debt de US$ 30 milhões foi estruturado em 2020 em parceria com o Partners for Growth (PFG) e com o IDB Invest, braço de investimento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Esse ano o SVB deve esquentar ainda mais essa movimentação.

Assim, veremos mais empresas aderindo ao venture debt. Uma projeção do boostLab, hub de negócios e tecnologia do BTG, e da consultoria ACE Cortex, apontou que o potencial para o mercado nacional de venture debt é alto e crescente, conquistando de 10% a 15% do de venture capital.

Crises também são impulsionadoras de negócios e o apelo por tecnologia nunca foi tão alto. Juntando as duas coisas, já é possível prever a força que o venture debt vai ganhar no mercado nacional.

*Tallis Gomes é CEO da Singu e cofundador e mentor do Gestão 4.0.