Exame Logo

Como não tornar o tédio no próximo Burnout

Você tem se sentido desmotivado? Sofia Esteves tem um conselho de carreira para você nesta coluna

Mulheres sofrem preconceito em áreas de tecnologia (Delmaine Donson/Getty Images)
LG

Luísa Granato

Publicado em 29 de março de 2021 às 14h32.

Se você mora em São Paulo, essa semana é de feriado prolongado. Talvez você esteja tentando descansar na segurança de casa, mas provavelmente o sentimento não é exatamente de alívio pela pausa no trabalho. Desde a pandemia — e seu agravamento recente — muita coisa mudou na nossa vida, mais afazeres no trabalho e também domésticos, usamos mais a casa e, portanto, acabamos sujando mais e tendo mais serviço. O trabalho também tem momentos intensos e os dias da semana às vezes parecem misturados, o calendário parece algo contínuo, sem interrupção.

Apesar disso tudo dar a sensação de rotina agitada, já reparou que, mesmo na correria, bate um sentimento de tédio de vez em quando? Não é por falta de ter o que fazer. Até porque uma das definições que você vai encontrar no dicionário para tédio é “sensação de enfado produzida por algo lento, prolixo ou temporalmente prolongado demais”. Ou seja, não se trata necessariamente de ócio, mas desse “prolongado demais” e seus efeitos psicológicos. Tem mais a ver com o dia da marmota no filme “O feitiço do tempo” do que o famoso “ai, que preguiça” na obra “Macunaíma”. E para essa sensação, existe um nome: a Síndrome de Boreout. Já ouviu falar?

A primeira vista, pode ser confundida com aquela outra, que inclusive já consta na nova Classificação Internacional de Doenças (CID-11), no entanto são quadros de saúde mental diferentes. Burnout é uma síndrome resultante do estresse crônico no local de trabalho, caracterizada por sentimento de exaustão ou esgotamento de energia; aumento do distanciamento mental do próprio trabalho, ou sentimentos de negativismo ou cinismo relacionados ao próprio trabalho; e redução da eficácia profissional.

Já o boreout, que vem do termo em inglês "bore/bored", tem mais a ver com uma falta de significado existencial e desempenho profissional, com sintomas que surgem pelo prolongamento (de novo ele, o “prolongamento”) da falta de desafios no trabalho, falta de relevância nas atividades desempenhadas, ausência de identificação com o trabalho, rotina focada em tarefas repetitivas. Soou familiar?

Tudo isso pode parecer muito atual, bem característico de alguns ambientes corporativos no último ano, quando, diante da crise, várias organizações precisaram atuar no “modo sobrevivência”. Para sobreviver, foi preciso muita mudança, claro, mas não necessariamente investimento em projetos de inovação mais avançada, processos de criações mais disruptivas. Era uma transformação, digamos, pragmática. E isso, para alguns, pode ter representado uma maior mecanização do trabalho e menor espaço para a criatividade, para o novo.

Esse cenário todo que descrevi, no entanto, não é tão recente assim. A Síndrome de Boreout é descrita pelos consultores de negócios Philippe Rothlin e Peter Werder no livro “Boreout!: Overcoming Workplace Demotivation” (Boreout !: Superando a desmotivação do local de trabalho, em tradução livre para o português), publicado em 2008. Na época, os autores estimavam que 15% dos colaboradores eram propensos a desenvolver tal síndrome. Me pergunto qual seria o resultado agora...

Apesar de não existirem muitas estatísticas sobre a síndrome especificamente, fico pensando sobre como ela é um reflexo dos últimos anos. Como ela se relaciona, por exemplo, com momentos em que as atividades se tornam mais mecânicas, com ambientes em que trocas de ideias já não existem, com cenários de distanciamento entre as pessoas (tanto físico quanto afetivo), e como ela também tem ligação com uma dependência emocional em relação ao trabalho.

Pode parecer contraditório falar em dependência emocional, uma vez que eu, particularmente, acredito na importância de encontrar propósito no que se faz. Porém, como já diria o trocadilho: “tudo que é excesso, é demais”.

Há relatos de psicólogos que recebem pacientes com pânico de férias, que não sabem o que fazer com o tempo livre prolongado (já deu para entender que essa palavra é a chave, né?), que inclusive precisam de medicamentos para lidar com a ansiedade criada por esse "vácuo contínuo” ou que até aproveitam os muitos dias tranquilos para adiantar trabalho. Claro, a Síndrome do Boreout não se trata disso, é sobre quando o trabalho é a própria fonte de tédio. Mas, talvez, o que precisamos discutir mais é o tédio em si.

Recebemos tantos estímulos no dia a dia, são tantos dados gerados a cada milésimo de segundo, uma disputa pela nossa atenção, tanto a fazer e tão pouco tempo. Será que naturalizamos a agitação a ponto dos momentos mais pacatos, ou menos eufóricos, ou mais rotineiros se tornaram absolutamente insuportáveis? Será que o tédio surge até nos curtos espaços de tempo e não mais naquilo do “prolongado demais”?

No livro “Boredom: A Lively History” (Tédio: uma História Animada, em tradução livre), Peter Toohey começa explicando que "o tédio é uma das emoções humanas mais comuns", se trata de "uma parte integrante da vida cotidiana". Com isso, ele não faz uma ode ao tédio e sugere que devemos valorizá-lo em vez de combatê-lo, mas levanta alguns questionamentos sobre o que esse sentimento carrega. SOBRENOME cita um filósofo chamado David Londey que, certa vez, sugeriu que o tédio, talvez, nem exista. Ele especulava sobre como o tédio poderia ser um termo que abrange emoções como frustração, fartura, depressão, nojo, indiferença, apatia e aquela sensação de estar preso ou confinado. Uma espécie de "máscara" para o que de verdade sentimos, mas talvez não sabemos nomear.

Não quero diminuir o sentimento de ninguém, nem sugerir soluções mágicas, mas propor uma reflexão sobre porque o tédio parece tão presente na nossa vida e o que ele pode estar escondendo. O quanto o tédio pode ser um elemento presente em alguns momentos no trabalho e também na vida pessoal e o que isso provoca em nós. Por que, independentemente de ser feriado na sua cidade hoje, andamos com essa sensação de enfado? Não existem respostas únicas nem fáceis, mas acho que uma coisa é certa: para que o boreout não ganhe proporções que a Síndrome do Burnout infelizmente ganhou, precisamos começar a falar sobre o tédio. Essa palavrinha curta, mas que carrega uma série de coisas com ela.

Veja também

Se você mora em São Paulo, essa semana é de feriado prolongado. Talvez você esteja tentando descansar na segurança de casa, mas provavelmente o sentimento não é exatamente de alívio pela pausa no trabalho. Desde a pandemia — e seu agravamento recente — muita coisa mudou na nossa vida, mais afazeres no trabalho e também domésticos, usamos mais a casa e, portanto, acabamos sujando mais e tendo mais serviço. O trabalho também tem momentos intensos e os dias da semana às vezes parecem misturados, o calendário parece algo contínuo, sem interrupção.

Apesar disso tudo dar a sensação de rotina agitada, já reparou que, mesmo na correria, bate um sentimento de tédio de vez em quando? Não é por falta de ter o que fazer. Até porque uma das definições que você vai encontrar no dicionário para tédio é “sensação de enfado produzida por algo lento, prolixo ou temporalmente prolongado demais”. Ou seja, não se trata necessariamente de ócio, mas desse “prolongado demais” e seus efeitos psicológicos. Tem mais a ver com o dia da marmota no filme “O feitiço do tempo” do que o famoso “ai, que preguiça” na obra “Macunaíma”. E para essa sensação, existe um nome: a Síndrome de Boreout. Já ouviu falar?

A primeira vista, pode ser confundida com aquela outra, que inclusive já consta na nova Classificação Internacional de Doenças (CID-11), no entanto são quadros de saúde mental diferentes. Burnout é uma síndrome resultante do estresse crônico no local de trabalho, caracterizada por sentimento de exaustão ou esgotamento de energia; aumento do distanciamento mental do próprio trabalho, ou sentimentos de negativismo ou cinismo relacionados ao próprio trabalho; e redução da eficácia profissional.

Já o boreout, que vem do termo em inglês "bore/bored", tem mais a ver com uma falta de significado existencial e desempenho profissional, com sintomas que surgem pelo prolongamento (de novo ele, o “prolongamento”) da falta de desafios no trabalho, falta de relevância nas atividades desempenhadas, ausência de identificação com o trabalho, rotina focada em tarefas repetitivas. Soou familiar?

Tudo isso pode parecer muito atual, bem característico de alguns ambientes corporativos no último ano, quando, diante da crise, várias organizações precisaram atuar no “modo sobrevivência”. Para sobreviver, foi preciso muita mudança, claro, mas não necessariamente investimento em projetos de inovação mais avançada, processos de criações mais disruptivas. Era uma transformação, digamos, pragmática. E isso, para alguns, pode ter representado uma maior mecanização do trabalho e menor espaço para a criatividade, para o novo.

Esse cenário todo que descrevi, no entanto, não é tão recente assim. A Síndrome de Boreout é descrita pelos consultores de negócios Philippe Rothlin e Peter Werder no livro “Boreout!: Overcoming Workplace Demotivation” (Boreout !: Superando a desmotivação do local de trabalho, em tradução livre para o português), publicado em 2008. Na época, os autores estimavam que 15% dos colaboradores eram propensos a desenvolver tal síndrome. Me pergunto qual seria o resultado agora...

Apesar de não existirem muitas estatísticas sobre a síndrome especificamente, fico pensando sobre como ela é um reflexo dos últimos anos. Como ela se relaciona, por exemplo, com momentos em que as atividades se tornam mais mecânicas, com ambientes em que trocas de ideias já não existem, com cenários de distanciamento entre as pessoas (tanto físico quanto afetivo), e como ela também tem ligação com uma dependência emocional em relação ao trabalho.

Pode parecer contraditório falar em dependência emocional, uma vez que eu, particularmente, acredito na importância de encontrar propósito no que se faz. Porém, como já diria o trocadilho: “tudo que é excesso, é demais”.

Há relatos de psicólogos que recebem pacientes com pânico de férias, que não sabem o que fazer com o tempo livre prolongado (já deu para entender que essa palavra é a chave, né?), que inclusive precisam de medicamentos para lidar com a ansiedade criada por esse "vácuo contínuo” ou que até aproveitam os muitos dias tranquilos para adiantar trabalho. Claro, a Síndrome do Boreout não se trata disso, é sobre quando o trabalho é a própria fonte de tédio. Mas, talvez, o que precisamos discutir mais é o tédio em si.

Recebemos tantos estímulos no dia a dia, são tantos dados gerados a cada milésimo de segundo, uma disputa pela nossa atenção, tanto a fazer e tão pouco tempo. Será que naturalizamos a agitação a ponto dos momentos mais pacatos, ou menos eufóricos, ou mais rotineiros se tornaram absolutamente insuportáveis? Será que o tédio surge até nos curtos espaços de tempo e não mais naquilo do “prolongado demais”?

No livro “Boredom: A Lively History” (Tédio: uma História Animada, em tradução livre), Peter Toohey começa explicando que "o tédio é uma das emoções humanas mais comuns", se trata de "uma parte integrante da vida cotidiana". Com isso, ele não faz uma ode ao tédio e sugere que devemos valorizá-lo em vez de combatê-lo, mas levanta alguns questionamentos sobre o que esse sentimento carrega. SOBRENOME cita um filósofo chamado David Londey que, certa vez, sugeriu que o tédio, talvez, nem exista. Ele especulava sobre como o tédio poderia ser um termo que abrange emoções como frustração, fartura, depressão, nojo, indiferença, apatia e aquela sensação de estar preso ou confinado. Uma espécie de "máscara" para o que de verdade sentimos, mas talvez não sabemos nomear.

Não quero diminuir o sentimento de ninguém, nem sugerir soluções mágicas, mas propor uma reflexão sobre porque o tédio parece tão presente na nossa vida e o que ele pode estar escondendo. O quanto o tédio pode ser um elemento presente em alguns momentos no trabalho e também na vida pessoal e o que isso provoca em nós. Por que, independentemente de ser feriado na sua cidade hoje, andamos com essa sensação de enfado? Não existem respostas únicas nem fáceis, mas acho que uma coisa é certa: para que o boreout não ganhe proporções que a Síndrome do Burnout infelizmente ganhou, precisamos começar a falar sobre o tédio. Essa palavrinha curta, mas que carrega uma série de coisas com ela.

Acompanhe tudo sobre:Dicas de carreira

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se