O futuro do emprego é precário
A aprovação da reforma trabalhista teve o efeito benéfico de despertar o país para a questão do emprego. Passei toda a semana lendo artigos sobre o tema. Quanto mais lia mais ficava preocupado com a gravidade da situação. Apesar do otimismo da classe empresarial com a nova lei, fui atacado por um pessimismo – não […]
Publicado em 20 de julho de 2017 às, 19h40.
A aprovação da reforma trabalhista teve o efeito benéfico de despertar o país para a questão do emprego. Passei toda a semana lendo artigos sobre o tema. Quanto mais lia mais ficava preocupado com a gravidade da situação. Apesar do otimismo da classe empresarial com a nova lei, fui atacado por um pessimismo – não usual, diga-se de passagem – com a nossa capacidade, como país, de resolver adequadamente problema tão complexo em tempo hábil.
Seguem alguns números, muitos deles conhecidos por todos. A última pesquisa do IBGE mostra que 13,3% da população econômica ativa está procurando emprego, o equivalente a 13.7 milhões de pessoas. O percentual chega a 25% na faixa entre 18 a 24 anos, que é um instante crítico de início de carreira para um vasto contingente de jovens.
Do total de desocupados, 3 milhões estão sem emprego há mais de 2 anos. Na faixa entre 18 e 24 anos são mais de 1 milhão. Como esta estatística só conta os “sem emprego” que fizeram algum esforço para buscar trabalho, o número é ainda maior se considerarmos que só entre 50 e 61 anos, há 1,25 milhão de homens que não trabalham, não estão procurando emprego e nem são aposentados.
O total de ocupados é de 90 milhões, ou 53% da população economicamente ativa, o valor mais baixo desde 2012. A pesquisa considera nessa conta quem trabalhou pelo menos uma hora por mês, ou mesmo quem não teve remuneração, mas ajudou uma atividade econômica de um membro do domicílio. Se somarmos ao número dos que buscam colocação aqueles que trabalham menos horas que gostariam, o total é de cerca de 25% da população, ou 24 milhões de pessoas. É o que o IBGE chama de “taxa de subutilização”, claramente um eufemismo. Não vi nenhuma estatística que somasse a esse número os que desistiram de procurar empregos, mas é razoável supor que passe de 30 milhões.
O efeito no resto da economia é um círculo pernicioso. Artigo do Estadão, de 17 de julho, apresenta uma pesquisa da empresa de recuperação de crédito Recovery, feita pelo Data Popular, que mostra que o total de brasileiros inadimplentes chega a 61 milhões de pessoas. Esse contingente deve em média 3 vezes o salário médio que ganham.
A listagem infinita de números negativos é puro sadomasoquismo, eu sei. Mas, na minha cabeça, serve para mostrar que a questão do emprego é central e estratégica para futuro de qualquer país. Há quem argumente que o retorno do crescimento econômico, quando vier, vai resolver o problema. Para seguir na toada pessimista, com a aceleração das transformações tecnológicas, já não há mais garantia de que isso vá acontecer.
Um dos fenômenos recentes é o crescimento do que, em inglês, se chama “gig economy” ou, em tradução livre, “economia de bicos”. São trabalhos, muitas vezes temporários, sem vínculo empregatício, que sempre existiram, mas agora ganham uma dimensão superior. É a uberização do mundo do trabalho. Incluem-se nessas categorias, além dos motoristas de aplicativos; entregadores de serviços de delivery; advogados, designers, contadores e demais profissionais liberais que trabalham para plataformas de crowdsourcing.
Tais profissionais não têm contrato, nem carteira asssinada e não são protegidos por lei. Como tal, não têm direito à benefícios como férias, seguro saúde e aposentadoria. Se a remuneração fosse suficiente o problema seria menor. O fato é que muitos desses mercados estão se saturando e os ganhos são limitados. Em vários países do mundo os profissionais estão se organizando e pedindo para que governos e empresas lhes garantam direitos mínimos. Em muitos casos, estão entrando na justiça para pedir vínculo com o dono da plataforma.
A economia de bicos é apenas a fase inicial da transformação do mercado de trabalho. Faz parte da chamada economia compartilhada. A próxima etapa será muito mais radicalmente disruptiva. É a quarta revolução industrial, quando a união da robótica, da internet das coisas e da inteligência artificial substituirá inúmeras atividades hoje executadas por humanos. Os carros serão sem motoristas, os call centers sem atendentes, os check-outs de supermercados sem caixa e assim por diante.
Diante de tal ruptura não há crescimento econômico que dê conta de criar empregos em número suficiente. Artigo da revista EXAME de 19 de julho, com o título “Jovens Ainda na Fila”, mostra que na Europa, com a recuperação econômica o desemprego caiu um pouco, mas continua muito elevada entre os jovens na Espanha (38,6%), Itália (37%) e França (21,6%). Só é baixo na Alemanha e na Inglaterra, não por acaso os países que têm aproveitado melhor a mudança tecnológica.
Também por lá a o crescimento de ocupações de menor qualidade e com contratos temporários está se tornando comum. O Banco Central Europeu estima que “a taxa de desemprego da zona do Euro seria de 18% – o dobro da atual – se contabilizado o total de pessoas que parou de procurar emprego ou que estão empregadas, mas gostariam de trabalhar mais”.
O profissional que tiver um mínimo de condições e adequada preparação educacional vai ter que, gradativamente, inventar seu próprio emprego e seguir reinventando-o em vários estágios da vida.
Fecho aqui a minha sinfonia pessimista para dizer que a tecnologia que mata o passado também inventa novos futuros. Assisti recentemente uma apresentação do Peter Diamandis, autor do livro Abundância (o título fala por si) e e um dos fundadores da Singularity University. Foi no Congresso de Inovação da Industria da CNI (Confederação Nacional da Industria).
Peter é um defensor incansável de que a tecnologia resolverá todos os problemas de escassez – por mais complexos que sejam – do mundo. É um otimista inabalável. Diz que novos e melhores empregos serão criados e que viveremos um período de prosperidade sem precedentes. Mesmo ele reconhece que não haverá emprego para todos e que os governos deveriam criar uma renda mínima para os excluídos. É uma versão revista e atualizada da tese permanente do ex-senador e atual vereador Eduardo Suplicy.
Parece, pois, que em um mundo globalizado, proteger empregos tradicionais é inútil. Resta acelerar políticas públicas e ações empresariais para dominar e usar a tecnologia que vai criar as novas ocupações. Precisamos também educar pragmaticamente e urgentemente nossos jovens para que eles estejam preparados para assumir os novos postos.
Também não parece o caso de que precisemos de menos capitalismo, como nos mostra a China e o seu partido comunista, hoje um dos países mais inovadores do mundo. Precisamos de um capitalismo mais ousado, inovador e social.
Se parece que estamos atrasados, despreparados e perdidos, lembro que em momentos de ruptura tecnológica a passagem do tempo é exponencial.