La La Land: a contramão da leveza
La La Land, o filme, ganhou 7 globos de ouro e recebeu 14 indicações para o Oscar, igualando Titanic. Um sucesso retumbante para um roteiro que homenageia os musicais antigos e mostra um casal enamorado em busca de fama e sucesso em Los Angeles. Fui assistir ao filme esperando ver uma comédia musical típica de […]
Publicado em 3 de fevereiro de 2017 às, 11h51.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h04.
La La Land, o filme, ganhou 7 globos de ouro e recebeu 14 indicações para o Oscar, igualando Titanic. Um sucesso retumbante para um roteiro que homenageia os musicais antigos e mostra um casal enamorado em busca de fama e sucesso em Los Angeles.
Fui assistir ao filme esperando ver uma comédia musical típica de Hollywood. O filme é mais do que isso. É uma reflexão sobre o fato de que realizar sonhos é muito mais difícil e angustiante do que parece. Leva tempo, custa dedicação, exige renuncias e é feito de escolhas e perdas.
Esta é a boa surpresa do filme. Em tempos em que a leveza e a vida sem complicações se tornaram valores cultuados e incensados, é inesperado encontrar tal temática em filmes do gênero que, com raras exceções, são feitos para ser uma diversão sem compromissos.
As homenagens aos clássicos estão todas lá, desde Cantando na Chuva, Grease, Moulin Rouge, Amor Sublime Amor, Um Americano em Paris e Os Guarda-chuvas do Amor. Está também uma homenagem ao inigualável sapateado de Fred Astaire em filmes como Vamos Dançar? e a Roda da Fortuna. Ryan Gosling e Emma Stone, como Sebastian e Mia, treinaram e se esforçaram para cantar e dançar músicas e coreografias que propositalmente simulam as versões antigas.
Resolvi escrever este artigo para dar um tempo, aos leitores, e a mim mesmo, de temas mais áridos relacionados aos problemas do mundo. Também prometi escrever o artigo sem mencionar Trump nem uma vez. Ops! Ato falho. Aviso aos navegantes do alto risco de “spoiler” na continuação da leitura. Caso não tenham visto o filme e se importem, sugiro que vejam e voltem para se divertir com este leve texto.
Bem razoável era esperar que as dificuldades de Sebastian e Mia – para ter um clube de jazz e se tornar uma atriz, respectivamente – passassem dos seus desencontros iniciais para uma demonstração de superação das frustrações e, finalmente, para um final com sonhos realizados e uma relação tranquila, descontraída e equilibrada entre amor e trabalho.
Esta expectativa é coerente com a vontade contemporânea de termos uma vida leve. A leveza tornou-se um ideal. Queremos ser magros, saudáveis, divertidos e gozar de prazeres fáceis e imediatos. Ter relações afetivas serenas, tranquilas e, muitas vezes, sem compromisso. Também queremos terminar com as relações impunemente, sem tensões ou brigas.
Quando solicitados a descrever as qualidades desejadas dos nossos amados citamos invariavelmente o bom humor e a virtude de ser divertida(o). O equipamento poderoso que carregamos em nossas bolsas e bolsos é o símbolo máximo da leveza. Somos móveis e portáteis.
Desejos justificados e compreensíveis. O mercado publicitário e as marcas entenderam isso como ninguém. Suas manifestações mais premiadas são elegias lúdicas à leveza.
Como prova de que o movimento deixou as ruas e foi para a academia, o filósofo e sociólogo francês Gilles Lipovestsky publicou recentemente um livro com o título Da Leveza, rumo a uma civilização sem peso. Já na introdução lemos: “A leveza, nas suas várias formas é a nova utopia da sociedade hipermoderna” “Tudo deve ser curto, suave, pequeno, sem peso e ligeiro”
A busca deste estado de ausência de peso não começou hoje. Foi descrita magnificamente na obra prima (livro e filme) de Milan Kundera: A Insustentável Leveza do Ser. A personagem principal, Tomás, leva uma vida de liberdade descompromissada e irresponsável nas suas relações amorosas e políticas, enquanto os russos chegam na cidade para enterrar de vez o que ficou conhecido como a Primavera de Praga.
Em um outro clássico do cinema, Casablanca, Humphrey Bogart (Rick) e Ingrid Bergman (Ilsa) vivem uma paixão alienada de casal adolescente na iminência da invasão nazista em Paris. “Eu me lembro de todos os detalhes. Os alemães vestiam cinza e você azul”, diz Rick, enchendo de cores nossa imaginação. Também aqui a leveza se provou insustentável.
Em ambos os casos, porém, é possível argumentar que o mundo era excessivamente pesado para permitir que seus habitantes levitassem. O mundo atual é muito mais propício a permitir tais devaneios. Os avanços tecnológicos, a liberação dos costumes, a tolerância e a diversidade de comportamentos nos autorizam a sonhar com uma vida boa, simples e de múltiplos desejos de realizados. Exceção feita, é claro, se acharmos que com o advento de Trump (ops!, de novo) o mundo vai degringolar irreversivelmente.
E eis que o filme vira um desmancha prazeres. Na sua sequência final – uma das melhores dos últimos tempos e quase tão boa como a de Casablanca – vemos que podemos ter um destino ou outro, mas não os dois ao mesmo tempo. O sorriso final de Sebastian e Mia mostra que a ficha caiu para eles.
Uma pessoa querida me disse que o filme é triste. Não é. É apenas a observação de que, apesar da abundância de possibilidades e que- como diz o psicanalista e consultor de empresas Jorge Forbes – pela primeira vez na história da humanidade podemos mais do que queremos, o pressentimento é que nas questões essenciais da vida continuamos querendo mais do que podemos.