Davos: o melhor dos tempos, o pior dos tempos
A reunião anual do Fórum Econômico de Davos, que acontece nesta semana, marca uma mudança radical de posicionamento dos líderes mundiais em relação à crise por que passa o capitalismo liberal. A diferença já aparece no tema da reunião: liderança responsiva e responsável. O tema do ano passado, para comparação, foi a Quarta Revolução Industrial. […]
Da Redação
Publicado em 20 de janeiro de 2017 às 09h52.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h20.
A reunião anual do Fórum Econômico de Davos, que acontece nesta semana, marca uma mudança radical de posicionamento dos líderes mundiais em relação à crise por que passa o capitalismo liberal.
A diferença já aparece no tema da reunião: liderança responsiva e responsável. O tema do ano passado, para comparação, foi a Quarta Revolução Industrial. Além da aliteração e do jogo de palavras, os significados são contundentes. As duas palavras juntas significam que o fórum espera uma reação rápida e consequente para os problemas do mundo atual. Em um ano, a atenção passou da aceleração da transformação digital para o risco de um planeta dividido controlado por oportunistas populistas.
O documento básico de preparação do Fórum recebeu o título de “Cinco Prioridades da Liderança para 2017”. Ele lista preocupações profundas com a divisão do mundo entre norte e sul e ricos e pobres.
Enumera desafios, incluindo a urgência da volta de um crescimento mais robusto. Com 5% de crescimento anual, o PIB de um país dobra em 14 anos. Com os 3% médios atuais precisa-se de 24 anos. Desnecessário dizer que para o Brasil os 3% já nos cairia muito bem. O desafio é imenso. Não há nenhum vestígio de que o crescimento mude de patamar. As novas tecnologias desempregam e o seu efeito na produtividade – alavanca de crescimento – tem sido pequeno nos últimos tempos.
Pede também que se faça uma reforma do capitalismo de mercado para restaurar a coesão entre negócios e sociedade. Proposta ousada, convenhamos, para um fórum de crentes no liberalismo econômico.
Para reforçar a tese e acirrar os ânimos, a Oxfam, ONG internacional de combate à pobreza, publicou um relatório, na véspera do início do Fórum, afirmando que novos dados indicam que a desigualdade mundial aumentou. A manchete chocante anunciando que apenas 8 pessoas têm a mesma riqueza que os 50% mais pobres da humanidade ressoou pelo mundo inteiro e ricocheteou de volta em Davos.
Na principal palestra do primeiro dia do evento, o presidente da China Xi Jinping, defendeu enfaticamente a globalização e a abertura dos mercados. Mandou recados diretos, sem mencionar o nome, para o protecionista Trump. Sinais invertidos de um mundo paradoxal.
Em 45 minutos de apresentação Jinping falou a palavra globalização mais de 100 vezes. O partido comunista chinês recebeu uma referência elogiosa. Capitalismo e democracia não foram sequer mencionados. Tempos complexos e contraditórios.
O documento do fórum qualifica como uma “crise na formação da identidade” os medos e os descontentamentos das pessoas que resultaram no Brexit e na eleição de Trump. Finaliza pedindo um esforço coletivo para a busca de soluções e o reconhecimento de que somos uma comunidade global com um destino comum.
O mérito evidente da discussão é a admissão de que o capitalismo, como o conhecemos, está em crise e precisa de uma mudança de rumos. A fraqueza é não reconhecer que o mundo mudou, ficou mais horizontal e as hierarquias anteriores desapareceram. Um modelo único de mundo com uma identidade padronizada já não nos serve mais. Não há crise de identidade. Há múltiplas identidades. Nosso destino é incomum e o globo é uma reunião de comunidades singulares.
Não há um único capitalismo. Há múltiplos capitalismos como demonstra uma China que pede pela globalização sob os auspícios de um partido comunista e não ousa dizer o nome do regime que adota. Não é verossímil esperar por uma nova ordem mundial homogênea. Precisamos de uma governança que reconheça diferenças entre países e identidades nacionais. Caso contrário, o resto do mundo vai continuar invadindo a Europa e os Estados Unidos em busca de um padrão de vida que nem os seus próprios habitantes conseguem mais manter.
Davos acerta quando pede uma liderança responsiva e responsável. Davos se ilude quando ainda parece buscar um modelo hegemônico e único para resolver os problemas do capitalismo.
Xi Jinping citou no início da sua fala, para ilustrar os dilemas atuais, a frase de Charles Dickens no livro Um Conto de Duas Cidades: “Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos”. No livro, Dickens fala da Revolução Francesa comparando-a com a primeira revolução industrial, que estava começando quando o livro foi publicado em 1859.
O presidente chinês não reproduziu a continuação do texto de Dickens, mas poderia tê-lo feito. A comparação com os tempos atuais continuaria válida. Ei-la: “aquela foi a idade da sabedoria, foi a idade da insensatez; foi a época da crença, foi a época da incredulidade; foi a estação a luz, foi a estação das trevas; foi a primavera da esperança, foi o inverno do desespero; tínhamos tudo diante de nós, não tínhamos nada à nossa frente…”
Que a mesma disparidade de expectativas aconteça, de modo similar, na primeira e na quarta revolução industrial não quer dizer que o mundo não evoluiu. Há fartura de provas de que o mundo é muito melhor hoje do que em 1859. Quer dizer, apenas, que as elites – incluindo a que está em Davos – estão falhando em construir tempos melhores para os 99% restantes.
A reunião anual do Fórum Econômico de Davos, que acontece nesta semana, marca uma mudança radical de posicionamento dos líderes mundiais em relação à crise por que passa o capitalismo liberal.
A diferença já aparece no tema da reunião: liderança responsiva e responsável. O tema do ano passado, para comparação, foi a Quarta Revolução Industrial. Além da aliteração e do jogo de palavras, os significados são contundentes. As duas palavras juntas significam que o fórum espera uma reação rápida e consequente para os problemas do mundo atual. Em um ano, a atenção passou da aceleração da transformação digital para o risco de um planeta dividido controlado por oportunistas populistas.
O documento básico de preparação do Fórum recebeu o título de “Cinco Prioridades da Liderança para 2017”. Ele lista preocupações profundas com a divisão do mundo entre norte e sul e ricos e pobres.
Enumera desafios, incluindo a urgência da volta de um crescimento mais robusto. Com 5% de crescimento anual, o PIB de um país dobra em 14 anos. Com os 3% médios atuais precisa-se de 24 anos. Desnecessário dizer que para o Brasil os 3% já nos cairia muito bem. O desafio é imenso. Não há nenhum vestígio de que o crescimento mude de patamar. As novas tecnologias desempregam e o seu efeito na produtividade – alavanca de crescimento – tem sido pequeno nos últimos tempos.
Pede também que se faça uma reforma do capitalismo de mercado para restaurar a coesão entre negócios e sociedade. Proposta ousada, convenhamos, para um fórum de crentes no liberalismo econômico.
Para reforçar a tese e acirrar os ânimos, a Oxfam, ONG internacional de combate à pobreza, publicou um relatório, na véspera do início do Fórum, afirmando que novos dados indicam que a desigualdade mundial aumentou. A manchete chocante anunciando que apenas 8 pessoas têm a mesma riqueza que os 50% mais pobres da humanidade ressoou pelo mundo inteiro e ricocheteou de volta em Davos.
Na principal palestra do primeiro dia do evento, o presidente da China Xi Jinping, defendeu enfaticamente a globalização e a abertura dos mercados. Mandou recados diretos, sem mencionar o nome, para o protecionista Trump. Sinais invertidos de um mundo paradoxal.
Em 45 minutos de apresentação Jinping falou a palavra globalização mais de 100 vezes. O partido comunista chinês recebeu uma referência elogiosa. Capitalismo e democracia não foram sequer mencionados. Tempos complexos e contraditórios.
O documento do fórum qualifica como uma “crise na formação da identidade” os medos e os descontentamentos das pessoas que resultaram no Brexit e na eleição de Trump. Finaliza pedindo um esforço coletivo para a busca de soluções e o reconhecimento de que somos uma comunidade global com um destino comum.
O mérito evidente da discussão é a admissão de que o capitalismo, como o conhecemos, está em crise e precisa de uma mudança de rumos. A fraqueza é não reconhecer que o mundo mudou, ficou mais horizontal e as hierarquias anteriores desapareceram. Um modelo único de mundo com uma identidade padronizada já não nos serve mais. Não há crise de identidade. Há múltiplas identidades. Nosso destino é incomum e o globo é uma reunião de comunidades singulares.
Não há um único capitalismo. Há múltiplos capitalismos como demonstra uma China que pede pela globalização sob os auspícios de um partido comunista e não ousa dizer o nome do regime que adota. Não é verossímil esperar por uma nova ordem mundial homogênea. Precisamos de uma governança que reconheça diferenças entre países e identidades nacionais. Caso contrário, o resto do mundo vai continuar invadindo a Europa e os Estados Unidos em busca de um padrão de vida que nem os seus próprios habitantes conseguem mais manter.
Davos acerta quando pede uma liderança responsiva e responsável. Davos se ilude quando ainda parece buscar um modelo hegemônico e único para resolver os problemas do capitalismo.
Xi Jinping citou no início da sua fala, para ilustrar os dilemas atuais, a frase de Charles Dickens no livro Um Conto de Duas Cidades: “Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos”. No livro, Dickens fala da Revolução Francesa comparando-a com a primeira revolução industrial, que estava começando quando o livro foi publicado em 1859.
O presidente chinês não reproduziu a continuação do texto de Dickens, mas poderia tê-lo feito. A comparação com os tempos atuais continuaria válida. Ei-la: “aquela foi a idade da sabedoria, foi a idade da insensatez; foi a época da crença, foi a época da incredulidade; foi a estação a luz, foi a estação das trevas; foi a primavera da esperança, foi o inverno do desespero; tínhamos tudo diante de nós, não tínhamos nada à nossa frente…”
Que a mesma disparidade de expectativas aconteça, de modo similar, na primeira e na quarta revolução industrial não quer dizer que o mundo não evoluiu. Há fartura de provas de que o mundo é muito melhor hoje do que em 1859. Quer dizer, apenas, que as elites – incluindo a que está em Davos – estão falhando em construir tempos melhores para os 99% restantes.