Blockchain: a mais subversiva de todas as inovações
Semana passada assisti a apresentação de Don Tapscott , aqui em São Paulo, sobre blockchain, a tecnologia por trás das criptomoedas Bitcoin e Ethereum, entre outras. Don é uma das maiores autoridades mundiais do tema. É autor do livro Blockchain Revolution e criador do Blockchain Research Institute. Sua mensagem principal é que, com o blockchain, […]
Da Redação
Publicado em 1 de setembro de 2017 às 11h50.
Última atualização em 1 de setembro de 2017 às 12h45.
Semana passada assisti a apresentação de Don Tapscott , aqui em São Paulo, sobre blockchain, a tecnologia por trás das criptomoedas Bitcoin e Ethereum, entre outras. Don é uma das maiores autoridades mundiais do tema. É autor do livro Blockchain Revolution e criador do Blockchain Research Institute.
Sua mensagem principal é que, com o blockchain, entramos em uma nova fase da internet no mundo. A fase 1 era a rede da informação. A fase 2 é a internet do valor e da confiança. Estas seriam características inerentes da nova plataforma, que é descentralizada, segura e independente de entidades centrais que a controlem.
Confesso que admiro estes gurus anglo-saxões que criam e defendem teses inovadoras. Fazem isso com muito profissionalismo e convicção, ressaltando o poder transformador irresistível da mudança e minimizando possíveis inconvenientes. Também usam a convicção para criar empresas e modelos de negócios que provem o seu argumento.
Blockchain é, porém, uma tecnologia peculiar e misteriosa. Começa pelo fato que foi criada, em 2008, por um tal de Satoshi Nakamoto. Nunca soubemos se é uma pessoa real, um pseudônimo ou mesmo um grupo de programadores. Como sempre acontece com tais enigmas, a cada quando aparece alguma notícia sobre a sua suposta verdadeira identidade ou alguém querendo se passar por ele. Até agora continua um enigma indecifrável.
Estamos acostumados com as invenções que têm uma cara conhecida. O iPhone lembra imediatamente de um Steve Jobs mítico, vestido de jeans, tênis e camiseta preta, introduzindo o produto em apresentações memoráveis. Quando pensamos que podemos colonizar Marte e escapar desta prisão, em que estamos, chamada terra, vêm à mente imediatamente Elon Musk e a sua SpaceX
Não querer receber o crédito por uma invenção tão extraordinária indica que o criador é um rebelde que faz questão de não jogar pelas regras estabelecidas, mas sim criar um universo paralelo fora do controle de organizações e governos.
Os participantes da estrutura descentralizada que mantém o sistema íntegro são chamados de “mineiros” e o processamento dos blocos de informação de “mineração”. Imagens que remetem a submundos de exploração em minas escuras e subterrâneas. Coerente com as várias acusações de que é um ambiente propicio e infestado por criminosos e terroristas.
O Bitcoin vive seu instante celebridade pela curiosidade e volatilidade. Chegou a valer 4.300 dólares nos últimos dias, uma valorização de mais de 300% sobre o que valia no início do ano. Da mesma maneira que pode dobrar de valor em uma semana é capaz de desabar novamente em poucas horas. Outros dinheiros virtuais, como o Ethereum, foram criados e toda uma nova categoria de criptomoedas ganhou a luz do dia e o interesse de muita gente.
O que parecia uma brincadeira rebelde em 2008 virou uma febre e já não há mais quem deixe de levar a sério o enorme poder disruptivo da invenção. Bancos, governos e grandes corporações estão todos dedicando tempo e investimento ao tema.
O capitalismo recente desenvolveu uma capacidade formidável de transformar em produtos e negócios aquilo que nasceu para ser a sua negação. Nos últimos tempos eram as startups nascidas em garagens que adotavam tais ideias ousadas e destruíam criativamente mercados e corporações estabelecidas. Agora a ficha caiu para todos e as grandes organizações sabem que ninguém mais está a salvo. É um salve-se quem puder.
Blockchain é uma tecnologia que possibilita estabelecer e comprovar a “verdade” de fatos e situações que são exatos e verificáveis. A comprovação é feita, atualmente, por intermediários que são remunerados para a tarefa. O banco garante que temos saldo na conta. Os bancos centrais criam e intermediam moedas. O cartório atesta que somos proprietários de imóveis. O tribunal eleitoral declara estamos habilitados para votar. O Detran confirma que temos licença para dirigir.
Com o blockchain os intermediários não precisam mais existir. Podemos desbancarizar, descartorizar e desintermediar todas as entidades que guardam e processam dados públicos.
Também é possível imaginar (e tem gente fazendo) um Uber sem o Uber e um AirBnB sem a plataforma e a empresa que presta o serviço. A conexão entre motoristas e usuários, entre hóspedes e donos de imóveis será feito por uma conexão, sem mediadores ou controladores, usando o blockchain. Os “mineiros” anônimos serão remunerados pela comissão que hoje pagamos à empresa.
Algumas aplicações são especialmente revolucionárias. A possiblidade de termos um prontuário médico individual, com todas as informações de tratamento, exames, diagnósticos e, porque não, o nosso próprio genoma. Propriedade do indivíduo – e não de instituições – que disponibilizaria, a seu bel prazer, para o profissional ou hospital que fosse tratá-lo em um dado instante.
Na verdade, a ideia do prontuário pode ser estendida para um vasto conjunto de informações que acumulamos em vários lugares da rede. Nossos dados de navegação, compras, fotos, vídeos etc., seriam todos armazenados em uma estrutura de blocos, privada, só controlada por nós mesmos e não pelas grandes plataformas da Web. Um sonho irreal? Pode ser, mas possível.
Outra iniciativa admirável é o projeto desenvolvido pela Microsoft e Accenture, apoiado pela ONU, para fornecer identificação legal e verificável para 1,1 bilhão de pessoas que não tem identidade oficial, no mundo. Permitirá que os refugiados sejam identificados onde estejam e tenham acesso a serviços básicos e educação.
Uma possibilidade ainda mais disruptiva (e louca) seria a mudança radical dos atuais sistemas de votação. Ao invés dos colégios e zonas eleitorais, os votantes seriam agrupados por ideias e causas. Poderíamos votar diretamente naqueles que defendessem nossos interesses e pontos de vista. Uma democracia, ao mesmo tempo, direta e representativa.
Don Tapscott, e muitos outros, estão construindo negócios para que as grandes organizações explorem todas as múltiplas oportunidades da nova tecnologia. Mas é nas aplicações sem dono, sem controle e sem centro que encontraremos o potencial mais subversivo, desestabilizador e transformador desta cadeia de blocos. Aterrorizantes e deslumbrantes novos tempos.
Semana passada assisti a apresentação de Don Tapscott , aqui em São Paulo, sobre blockchain, a tecnologia por trás das criptomoedas Bitcoin e Ethereum, entre outras. Don é uma das maiores autoridades mundiais do tema. É autor do livro Blockchain Revolution e criador do Blockchain Research Institute.
Sua mensagem principal é que, com o blockchain, entramos em uma nova fase da internet no mundo. A fase 1 era a rede da informação. A fase 2 é a internet do valor e da confiança. Estas seriam características inerentes da nova plataforma, que é descentralizada, segura e independente de entidades centrais que a controlem.
Confesso que admiro estes gurus anglo-saxões que criam e defendem teses inovadoras. Fazem isso com muito profissionalismo e convicção, ressaltando o poder transformador irresistível da mudança e minimizando possíveis inconvenientes. Também usam a convicção para criar empresas e modelos de negócios que provem o seu argumento.
Blockchain é, porém, uma tecnologia peculiar e misteriosa. Começa pelo fato que foi criada, em 2008, por um tal de Satoshi Nakamoto. Nunca soubemos se é uma pessoa real, um pseudônimo ou mesmo um grupo de programadores. Como sempre acontece com tais enigmas, a cada quando aparece alguma notícia sobre a sua suposta verdadeira identidade ou alguém querendo se passar por ele. Até agora continua um enigma indecifrável.
Estamos acostumados com as invenções que têm uma cara conhecida. O iPhone lembra imediatamente de um Steve Jobs mítico, vestido de jeans, tênis e camiseta preta, introduzindo o produto em apresentações memoráveis. Quando pensamos que podemos colonizar Marte e escapar desta prisão, em que estamos, chamada terra, vêm à mente imediatamente Elon Musk e a sua SpaceX
Não querer receber o crédito por uma invenção tão extraordinária indica que o criador é um rebelde que faz questão de não jogar pelas regras estabelecidas, mas sim criar um universo paralelo fora do controle de organizações e governos.
Os participantes da estrutura descentralizada que mantém o sistema íntegro são chamados de “mineiros” e o processamento dos blocos de informação de “mineração”. Imagens que remetem a submundos de exploração em minas escuras e subterrâneas. Coerente com as várias acusações de que é um ambiente propicio e infestado por criminosos e terroristas.
O Bitcoin vive seu instante celebridade pela curiosidade e volatilidade. Chegou a valer 4.300 dólares nos últimos dias, uma valorização de mais de 300% sobre o que valia no início do ano. Da mesma maneira que pode dobrar de valor em uma semana é capaz de desabar novamente em poucas horas. Outros dinheiros virtuais, como o Ethereum, foram criados e toda uma nova categoria de criptomoedas ganhou a luz do dia e o interesse de muita gente.
O que parecia uma brincadeira rebelde em 2008 virou uma febre e já não há mais quem deixe de levar a sério o enorme poder disruptivo da invenção. Bancos, governos e grandes corporações estão todos dedicando tempo e investimento ao tema.
O capitalismo recente desenvolveu uma capacidade formidável de transformar em produtos e negócios aquilo que nasceu para ser a sua negação. Nos últimos tempos eram as startups nascidas em garagens que adotavam tais ideias ousadas e destruíam criativamente mercados e corporações estabelecidas. Agora a ficha caiu para todos e as grandes organizações sabem que ninguém mais está a salvo. É um salve-se quem puder.
Blockchain é uma tecnologia que possibilita estabelecer e comprovar a “verdade” de fatos e situações que são exatos e verificáveis. A comprovação é feita, atualmente, por intermediários que são remunerados para a tarefa. O banco garante que temos saldo na conta. Os bancos centrais criam e intermediam moedas. O cartório atesta que somos proprietários de imóveis. O tribunal eleitoral declara estamos habilitados para votar. O Detran confirma que temos licença para dirigir.
Com o blockchain os intermediários não precisam mais existir. Podemos desbancarizar, descartorizar e desintermediar todas as entidades que guardam e processam dados públicos.
Também é possível imaginar (e tem gente fazendo) um Uber sem o Uber e um AirBnB sem a plataforma e a empresa que presta o serviço. A conexão entre motoristas e usuários, entre hóspedes e donos de imóveis será feito por uma conexão, sem mediadores ou controladores, usando o blockchain. Os “mineiros” anônimos serão remunerados pela comissão que hoje pagamos à empresa.
Algumas aplicações são especialmente revolucionárias. A possiblidade de termos um prontuário médico individual, com todas as informações de tratamento, exames, diagnósticos e, porque não, o nosso próprio genoma. Propriedade do indivíduo – e não de instituições – que disponibilizaria, a seu bel prazer, para o profissional ou hospital que fosse tratá-lo em um dado instante.
Na verdade, a ideia do prontuário pode ser estendida para um vasto conjunto de informações que acumulamos em vários lugares da rede. Nossos dados de navegação, compras, fotos, vídeos etc., seriam todos armazenados em uma estrutura de blocos, privada, só controlada por nós mesmos e não pelas grandes plataformas da Web. Um sonho irreal? Pode ser, mas possível.
Outra iniciativa admirável é o projeto desenvolvido pela Microsoft e Accenture, apoiado pela ONU, para fornecer identificação legal e verificável para 1,1 bilhão de pessoas que não tem identidade oficial, no mundo. Permitirá que os refugiados sejam identificados onde estejam e tenham acesso a serviços básicos e educação.
Uma possibilidade ainda mais disruptiva (e louca) seria a mudança radical dos atuais sistemas de votação. Ao invés dos colégios e zonas eleitorais, os votantes seriam agrupados por ideias e causas. Poderíamos votar diretamente naqueles que defendessem nossos interesses e pontos de vista. Uma democracia, ao mesmo tempo, direta e representativa.
Don Tapscott, e muitos outros, estão construindo negócios para que as grandes organizações explorem todas as múltiplas oportunidades da nova tecnologia. Mas é nas aplicações sem dono, sem controle e sem centro que encontraremos o potencial mais subversivo, desestabilizador e transformador desta cadeia de blocos. Aterrorizantes e deslumbrantes novos tempos.