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A guerra insana (e inútil) ao populismo

O establishment liberal bem pensante do mundo ocidental declarou guerra ao populismo. O Brexit e a eleição de Trump nos Estados Unidos foram os principais acontecimentos que demoliram as certezas da mídia, institutos de pesquisa e dos analistas que esperavam e previam resultados diferentes do que ocorreu. Em especial, a comunidade de tecnologia e inovação […]

TRUMP E THIEL: o empreendedor avisou que os seus pares consideravam que o mundo todo estava bem se eles estivessem bem; os dados mostram que não é bem assim / Shannon Stapleton/ Reuters
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Da Redação

Publicado em 6 de janeiro de 2017 às 15h18.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h35.

O establishment liberal bem pensante do mundo ocidental declarou guerra ao populismo. O Brexit e a eleição de Trump nos Estados Unidos foram os principais acontecimentos que demoliram as certezas da mídia, institutos de pesquisa e dos analistas que esperavam e previam resultados diferentes do que ocorreu.

Em especial, a comunidade de tecnologia e inovação foi tomada de surpresa pela onda de rejeição à sua visão de que o mundo estava evoluindo para uma era de prosperidade sem precedentes. O ano de 2016 havia começado com o anúncio, em Davos, do inicio da Quarta Revolução Industrial, um conjunto de avanços tecnológicos em áreas como inteligência artificial, robótica, internet das coisas, veículos autônomos, nanotecnologia, biotecnologia, ciências dos materiais e energias renováveis. O efeito acumulado e integrado das evoluções em áreas tão essenciais do conhecimento humano deverá produzir uma transformação profunda na vida das pessoas, empresas, sociedade e governos.

Embora ouvíssemos comentários isolados sobre o potencial desaparecimento de ocupações mais operacionais, o tom geral era de franco otimismo. Eu, que convivo nesse mundo, assisti a inúmeras apresentações que falavam de crescimento explosivo, organizações exponenciais, disrupção de todas as indústrias e outras mudanças radicais. Mensagens habitualmente associadas a um inevitável progresso rumo a um mundo melhor. Sempre desconfiei desse otimismo exagerado. Uma espécie de autismo de quem só enxerga um lado e não dá atenção às graves disparidades e problemas atuais do mundo.

O raciocínio básico dos que acreditam na tese da prosperidade constante sustenta que o progresso tecnológico, em um mundo aberto e democrático, produz crescimento, aumenta a produtividade e melhora a qualidade de vida. Alguns contratempos, como desaparecimento de empregos, serão resolvidos com a criação de novos e melhores. Com mais educação e meritocracia, todos com o tempo acabarão beneficiados.

Há dados históricos objetivos que suportam essa afirmação. Em um livro, recém publicado, chamado Progress – Ten reasons to look forward to the future, o historiador econômico sueco Johan Norberg mostra que o mundo nunca esteve tão bem em áreas tão variadas como comida, pobreza, violência, conhecimento, liberdade, expectativa de vida e igualdade. Apresenta um conjunto indiscutível de argumentos e dados mostrando que o mundo só tem melhorado nas ultimas décadas.

Os que votaram no Brexit e em Trump, obviamente, não concordam. Só 5% dos americanos aceitam a afirmação correta, segundo o livro, de que a pobreza mundial caiu pela metade nos últimos 20 anos. 81% dos que votaram em Trump pensam que a vida piorou nos últimos 50 anos. Entre os que votaram a favor do Brexit, 61% acham que a maior parte dos filhos estará em situação pior que os pais, no futuro. Essa é a verdade deles pré ou pós qualquer era.

Os que acusam as notícias falsas do Facebook e Google e os russos de influenciarem as eleições americanas certamente têm dificuldade de entender por que uma parte significativa da população não se vê incluída nos benefícios do progresso e da globalização.

Em artigo recente para esta EXAME Hoje, com o título “Para vencer o populismo” o professor de Harvard Michael Sanders vai direto ao ponto: “Enquanto Barack Obama e Hillary Clinton falam constantemente em oportunidades, Trump fala, de maneira direta, sobre vencedores e perdedores”.

O próprio uso do termo populismo, de conotação claramente pejorativa, demonstra que a maior parte dos analistas despreza o sentimento das pessoas e os líderes que estão se aproveitando politicamente da situação. Outros reclamam que o novo discurso político se caracteriza por um marketing artificial, com domínio da linguagem da televisão e das novas mídias, e sem compromisso com a verdade.

Em outras palavras, populistas são manipuladores de sensações e sentimentos de uma gente revoltada com fatos que não tem, em geral, sustentação em realidades objetivas. Desconsideram a força das realidades subjetivas.

Os fatos, porém, são teimosos e insistem em reaparecer. Peter Thiel, o único grande empreendedor do Vale do Silício a suportar abertamente Trump, avisou que os seus pares consideravam que o mundo todo estava bem se eles estivessem bem. Antes ainda, Thomas Piketty, no seu Capital no Século XXI, já tinha alertado que, apesar dos avanços tecnológicos, a renda estava se concentrando nos países desenvolvidos. O desemprego segue em alta em varias partes do mundo, inclusive o Brasil. O próprio documento de Davos, que lançou a indústria 4.0 , advertia que milhões de empregos serão extintos nos próximos anos.

Difícil negar que os benefícios do crescimento e da globalização foram distribuídos desigualmente entre países e pessoas. É o populismo ou é a população justamente ressentida?

A elite que, como nós, quer um mundo mais inovador, aberto e tolerante tem o desafio urgente de incorporar os atuais perdedores (reais ou percebidos) não apenas em um final ilusório, mas durante a jornada, sob a pena de não termos um mundo possível para o futuro que desejamos e que a tecnologia pode construir. Chamar os adversários de populistas é um desabafo simplesmente inútil.

silvio-genesini

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O establishment liberal bem pensante do mundo ocidental declarou guerra ao populismo. O Brexit e a eleição de Trump nos Estados Unidos foram os principais acontecimentos que demoliram as certezas da mídia, institutos de pesquisa e dos analistas que esperavam e previam resultados diferentes do que ocorreu.

Em especial, a comunidade de tecnologia e inovação foi tomada de surpresa pela onda de rejeição à sua visão de que o mundo estava evoluindo para uma era de prosperidade sem precedentes. O ano de 2016 havia começado com o anúncio, em Davos, do inicio da Quarta Revolução Industrial, um conjunto de avanços tecnológicos em áreas como inteligência artificial, robótica, internet das coisas, veículos autônomos, nanotecnologia, biotecnologia, ciências dos materiais e energias renováveis. O efeito acumulado e integrado das evoluções em áreas tão essenciais do conhecimento humano deverá produzir uma transformação profunda na vida das pessoas, empresas, sociedade e governos.

Embora ouvíssemos comentários isolados sobre o potencial desaparecimento de ocupações mais operacionais, o tom geral era de franco otimismo. Eu, que convivo nesse mundo, assisti a inúmeras apresentações que falavam de crescimento explosivo, organizações exponenciais, disrupção de todas as indústrias e outras mudanças radicais. Mensagens habitualmente associadas a um inevitável progresso rumo a um mundo melhor. Sempre desconfiei desse otimismo exagerado. Uma espécie de autismo de quem só enxerga um lado e não dá atenção às graves disparidades e problemas atuais do mundo.

O raciocínio básico dos que acreditam na tese da prosperidade constante sustenta que o progresso tecnológico, em um mundo aberto e democrático, produz crescimento, aumenta a produtividade e melhora a qualidade de vida. Alguns contratempos, como desaparecimento de empregos, serão resolvidos com a criação de novos e melhores. Com mais educação e meritocracia, todos com o tempo acabarão beneficiados.

Há dados históricos objetivos que suportam essa afirmação. Em um livro, recém publicado, chamado Progress – Ten reasons to look forward to the future, o historiador econômico sueco Johan Norberg mostra que o mundo nunca esteve tão bem em áreas tão variadas como comida, pobreza, violência, conhecimento, liberdade, expectativa de vida e igualdade. Apresenta um conjunto indiscutível de argumentos e dados mostrando que o mundo só tem melhorado nas ultimas décadas.

Os que votaram no Brexit e em Trump, obviamente, não concordam. Só 5% dos americanos aceitam a afirmação correta, segundo o livro, de que a pobreza mundial caiu pela metade nos últimos 20 anos. 81% dos que votaram em Trump pensam que a vida piorou nos últimos 50 anos. Entre os que votaram a favor do Brexit, 61% acham que a maior parte dos filhos estará em situação pior que os pais, no futuro. Essa é a verdade deles pré ou pós qualquer era.

Os que acusam as notícias falsas do Facebook e Google e os russos de influenciarem as eleições americanas certamente têm dificuldade de entender por que uma parte significativa da população não se vê incluída nos benefícios do progresso e da globalização.

Em artigo recente para esta EXAME Hoje, com o título “Para vencer o populismo” o professor de Harvard Michael Sanders vai direto ao ponto: “Enquanto Barack Obama e Hillary Clinton falam constantemente em oportunidades, Trump fala, de maneira direta, sobre vencedores e perdedores”.

O próprio uso do termo populismo, de conotação claramente pejorativa, demonstra que a maior parte dos analistas despreza o sentimento das pessoas e os líderes que estão se aproveitando politicamente da situação. Outros reclamam que o novo discurso político se caracteriza por um marketing artificial, com domínio da linguagem da televisão e das novas mídias, e sem compromisso com a verdade.

Em outras palavras, populistas são manipuladores de sensações e sentimentos de uma gente revoltada com fatos que não tem, em geral, sustentação em realidades objetivas. Desconsideram a força das realidades subjetivas.

Os fatos, porém, são teimosos e insistem em reaparecer. Peter Thiel, o único grande empreendedor do Vale do Silício a suportar abertamente Trump, avisou que os seus pares consideravam que o mundo todo estava bem se eles estivessem bem. Antes ainda, Thomas Piketty, no seu Capital no Século XXI, já tinha alertado que, apesar dos avanços tecnológicos, a renda estava se concentrando nos países desenvolvidos. O desemprego segue em alta em varias partes do mundo, inclusive o Brasil. O próprio documento de Davos, que lançou a indústria 4.0 , advertia que milhões de empregos serão extintos nos próximos anos.

Difícil negar que os benefícios do crescimento e da globalização foram distribuídos desigualmente entre países e pessoas. É o populismo ou é a população justamente ressentida?

A elite que, como nós, quer um mundo mais inovador, aberto e tolerante tem o desafio urgente de incorporar os atuais perdedores (reais ou percebidos) não apenas em um final ilusório, mas durante a jornada, sob a pena de não termos um mundo possível para o futuro que desejamos e que a tecnologia pode construir. Chamar os adversários de populistas é um desabafo simplesmente inútil.

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