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Um país onde o impossível acontece

Parece quase uma questão de fé acreditar que o Brasil conseguirá um mínimo de estabilidade em um horizonte razoável. O torvelinho de crises e turbulências em que nos metemos desde as manifestações de junho de 2013 é um teste cruel para uma economia que havia sido montada em bases frágeis desde o segundo mandato de […]

PROTESTO EM BRASÍLIA: a perda de PIB em relação ao que esperávamos poderá ir de 70 bilhões a 350 bilhões de reais nos próximos dois anos / / Reuters (Paulo Whitaker/Reuters)
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Da Redação

Publicado em 23 de maio de 2017 às 15h09.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h13.

Parece quase uma questão de fé acreditar que o Brasil conseguirá um mínimo de estabilidade em um horizonte razoável. O torvelinho de crises e turbulências em que nos metemos desde as manifestações de junho de 2013 é um teste cruel para uma economia que havia sido montada em bases frágeis desde o segundo mandato de Lula. Além disso, cada crise que surge dá menos opções razoáveis de saída e aumenta sobremaneira a incerteza sobre as possíveis soluções.

A atual crise recebe a alcunha de pior entre as piores justamente porque pega um presidente em exercício com provas mais contundentes do que em outros momentos. Por mais que a gravação seja disputada quanto a sua veracidade, o estrago do conteúdo já foi feito. Mas as incertezas sobre o desenlace da crise colocam dúvidas sobre a permanência ou não de Temer à frente da presidência. É essa incerteza que é mortal para a economia no curto prazo. Ao menos nas próximas semanas ou meses haverá uma queda relevante de confiança na economia. Essa é a única certeza que se tem. A dentada no PIB deste trimestre e provavelmente do próximo tirará um bom naco do crescimento esperado este ano e quanto a isso não há muita dúvida.

O problema é a partir daí. Por enquanto, há a percepção de que a equipe econômica permanece e as reformas seguem adiante, por mais que atrasadas. A crise, ao fim e ao cabo, serviu para mostrar um pedaço do que pode acontecer se houver um desvio. Isso pode ajudar no convencimento dos congressistas do que pode significar para a economia não as aprovar agora.

Dito isto, talvez valha uma leitura Poliana de tudo que está acontecendo. A saída de um presidente impopular e atado ao impeachment da Dilma pode levar a alguma estabilidade, se possível, com alguém que seja aceito pela maioria, de direita à esquerda. Abriu-se a percepção de que não há muito espaço para brigas partidárias sob risco de afundar o país e entregá-lo a um aventureiro ano que vem. Essa solução de convergência, caso tenha capacidade de diálogo com o Congresso, poderá ser a nova pinguela mais parruda para seguir adiante até as eleições.

Um presidente muito à parte do grupo político que geriu o Brasil nos últimos anos pode ser um risco, mas ao mesmo tempo pode diminuir a pressão dos descontentes quanto à figura de Temer e consolidar o necessário cenário reformista à frente. O medo de depressão ao invés de “apenas” uma recessão poderá ajudar nesse momento.

Segue sendo verdade que continuamos dependurados na reforma da previdência e hoje, mais do que nunca, na permanência da equipe econômica. Enquanto nada mudar nesse quadro, o cenário será de instabilidade, mas não de ruptura completa.

Para a economia, assim, como dissemos, significará crescimento mais baixo e algum desemprego mais elevado. Difícil ainda falar em números sem sabermos exatamente os próximos desdobramentos, mas os exercícios que fiz indicam que a perda de PIB em relação ao que esperávamos poderá ir de 70 bilhões a 350 bilhões de reais nos próximos dois anos.

Essa perda de riqueza ajuda a manter pelo menos a trajetória de duas variáveis relevantes: juros e inflação. Em que pese a depreciação cambial que ocorreu, ela não é suficiente para impactar a inflação. Mas um PIB mais fraco joga a favor de uma inflação ainda mais baixa, o que abre espaço para o Bacen continuar derrubando a taxa de juros. Não deve mais ser o consolidado de 125 pontos que se imaginava, mas uma queda de 1 ponto percentual é bastante factível nesse momento. Especialmente porque a reforma previdenciária não saiu da agenda ainda, mas também porque dado que não tem política fiscal para ajudar na crise, será premente o papel do BC em mitigar o estrago político, sem prejuízos à inflação.

Com tudo isto, atrasamos a recuperação, mas ela ainda não se mostrou impossível. Pois, como o título deste artigo sugere, o impossível tem acontecido com certa frequência no país.

SERGIO VALE

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Parece quase uma questão de fé acreditar que o Brasil conseguirá um mínimo de estabilidade em um horizonte razoável. O torvelinho de crises e turbulências em que nos metemos desde as manifestações de junho de 2013 é um teste cruel para uma economia que havia sido montada em bases frágeis desde o segundo mandato de Lula. Além disso, cada crise que surge dá menos opções razoáveis de saída e aumenta sobremaneira a incerteza sobre as possíveis soluções.

A atual crise recebe a alcunha de pior entre as piores justamente porque pega um presidente em exercício com provas mais contundentes do que em outros momentos. Por mais que a gravação seja disputada quanto a sua veracidade, o estrago do conteúdo já foi feito. Mas as incertezas sobre o desenlace da crise colocam dúvidas sobre a permanência ou não de Temer à frente da presidência. É essa incerteza que é mortal para a economia no curto prazo. Ao menos nas próximas semanas ou meses haverá uma queda relevante de confiança na economia. Essa é a única certeza que se tem. A dentada no PIB deste trimestre e provavelmente do próximo tirará um bom naco do crescimento esperado este ano e quanto a isso não há muita dúvida.

O problema é a partir daí. Por enquanto, há a percepção de que a equipe econômica permanece e as reformas seguem adiante, por mais que atrasadas. A crise, ao fim e ao cabo, serviu para mostrar um pedaço do que pode acontecer se houver um desvio. Isso pode ajudar no convencimento dos congressistas do que pode significar para a economia não as aprovar agora.

Dito isto, talvez valha uma leitura Poliana de tudo que está acontecendo. A saída de um presidente impopular e atado ao impeachment da Dilma pode levar a alguma estabilidade, se possível, com alguém que seja aceito pela maioria, de direita à esquerda. Abriu-se a percepção de que não há muito espaço para brigas partidárias sob risco de afundar o país e entregá-lo a um aventureiro ano que vem. Essa solução de convergência, caso tenha capacidade de diálogo com o Congresso, poderá ser a nova pinguela mais parruda para seguir adiante até as eleições.

Um presidente muito à parte do grupo político que geriu o Brasil nos últimos anos pode ser um risco, mas ao mesmo tempo pode diminuir a pressão dos descontentes quanto à figura de Temer e consolidar o necessário cenário reformista à frente. O medo de depressão ao invés de “apenas” uma recessão poderá ajudar nesse momento.

Segue sendo verdade que continuamos dependurados na reforma da previdência e hoje, mais do que nunca, na permanência da equipe econômica. Enquanto nada mudar nesse quadro, o cenário será de instabilidade, mas não de ruptura completa.

Para a economia, assim, como dissemos, significará crescimento mais baixo e algum desemprego mais elevado. Difícil ainda falar em números sem sabermos exatamente os próximos desdobramentos, mas os exercícios que fiz indicam que a perda de PIB em relação ao que esperávamos poderá ir de 70 bilhões a 350 bilhões de reais nos próximos dois anos.

Essa perda de riqueza ajuda a manter pelo menos a trajetória de duas variáveis relevantes: juros e inflação. Em que pese a depreciação cambial que ocorreu, ela não é suficiente para impactar a inflação. Mas um PIB mais fraco joga a favor de uma inflação ainda mais baixa, o que abre espaço para o Bacen continuar derrubando a taxa de juros. Não deve mais ser o consolidado de 125 pontos que se imaginava, mas uma queda de 1 ponto percentual é bastante factível nesse momento. Especialmente porque a reforma previdenciária não saiu da agenda ainda, mas também porque dado que não tem política fiscal para ajudar na crise, será premente o papel do BC em mitigar o estrago político, sem prejuízos à inflação.

Com tudo isto, atrasamos a recuperação, mas ela ainda não se mostrou impossível. Pois, como o título deste artigo sugere, o impossível tem acontecido com certa frequência no país.

SERGIO VALE
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