Saindo da pandemia, mas com riscos na economia
A verdade é que a inflação aqui e lá fora está mais preocupante do que os BC assumiam há apenas alguns meses
Publicado em 14 de fevereiro de 2022 às, 14h06.
Com dois anos de pandemia em andamento, talvez já podemos dizer que 2022 tende a ser o ano em que ela se transformará em endemia. Salvo novas cepas que podem aparecer, o que tem sido uma constante no caso da Covid19, a tendência é que devemos chegar ao final deste ano com um grau elevado de normalização na economia.
Muito da atividade já voltou ao padrão pré-pandemia, com o podemos ver no caso do nível de atividade e da taxa de desemprego, mas a doença causou estragos na economia que teremos que lidar este ano e talvez nos próximos.
O mais importante, neste momento, certamente é a inflação. Há muita discussão sobre as causas da recente pressão inflacionária, mas na verdade ela é uma combinação de fortes estímulos fiscais e monetários com problemas na distribuição de insumos e produtos por causa da pandemia. Não importa muito a origem do processo inflacionário infelizmente, pois quando ela se instala pode se transformar em uma espiral difícil de controlar. No caso americano, por exemplo, o índice de difusão, que mostra qual o percentual de itens dentro do indicador que está crescendo, mostra que cerca de 80% a 90% dos preços estão em aceleração, a depender do índice escolhido. É uma alta significativa em relação a um padrão que costuma ser estável na casa dos 60%. No caso brasileiro essa taxa se encontra na casa dos 75%.
A verdade é que a inflação aqui e lá fora está mais preocupante do que os BC assumiam há apenas alguns meses. Há uma corrida contra o tempo para subir a taxa de juros o que for necessário para impedir que os preços continuem em aceleração. Para piorar, a atual onda da ômicron, por mais fraca que seja a variante, força uma quantidade grande de pessoas a parar de trabalhar por alguns dias, afetando em grau elevado a atividade. Além disso, os distúrbios na Ucrânia e as questões climáticas têm afetados os preços de commodities de forma importante. Não será difícil ver o preço do barril do petróleo romper os US$ 100 com a instabilidade geopolítica avançando.
Esse cenário de preços de commodities em alta mantém a pressão sobre a inflação ao consumidor. No caso brasileiro, depois de crescer quase 8% ano passado, a inflação de alimentos este ano está caminhando para poder ficar próximo de 6% ou talvez mais e os combustíveis devem continuar subindo. Isso quer dizer que o IPCA continuará sendo pressionado em 2022 em itens importantes e o BC não terá outra alternativa que não continuar subindo os juros. Havia alguma dúvida na última decisão do Copom se a última elevação seria em março, mas a Ata adiantou que não terminará por aí. Espero 12,25% de Selic ao final do ciclo, mas há boas casas esperando taxa ainda maior. Definitivamente a Selic está caminhando para ficar nos próximos meses entre 12% e 13%. A consequência na economia não será trivial. O PIB deve estagnar este ano com a última esperança, o agronegócio, dando sinais de quebra em safras importantes que podem tirar a chance de números melhores no crescimento.
Além da inflação, outra consequência que terá impactos duradouros é a política fiscal. Os países aumentaram em muito o tamanho de suas dívidas públicas nos últimos anos, começando com a crise de 2008. Ela trouxe a política fiscal a um outro patamar com a taxas de juros a zero levando a certa inoperância da política monetária e a necessidade de novo foco de atenção à política fiscal. Isso ficou ainda mais exacerbado na pandemia e saímos desse cenário com vários países do mundo com dívidas consolidadas entre 80% e 120% do PIB. Na maior parte desses casos, o agravante é que a dívida sobe em um momento em que as taxas de juros também sobem, aumentando o custo do estoque da dívida. A consequência é que essa dívida mais cara aumenta o próprio estoque e ter como consequência taxas de juros mais elevadas como prêmio de risco por ela estar mais elevada. Pode virar uma bola de neve difícil de controlar. Não fosse a elevação da inflação que demanda mais juros, a política fiscal não teria o risco que pode começar a ter.
O caso brasileiro é ainda mais grade porque aqui estamos falando de Selic na casa dos 12% e isso vai demandar sangue frio do próximo presidente para que tanto o fiscal quanto a inflação não saiam do controle. Olhando de hoje, estamos longe de ter essa segurança com os candidatos que se apresentam, inclusive o próprio Bolsonaro, que mostrou desde o ano passado seu grau de irresponsabilidade fiscal.
A saída da pandemia não será simples e fará com que o mundo tenha que lidar com inflação e dívida pública elevadas. Essas variáveis diminuem renda via inflação e crédito via juros, diminuindo o potencial de crescimento futuro das economias. Quanto antes os países tiverem claro que esses são elementos centrais a serem controlados, maior o potencial de recuperação futura. Mas, infelizmente, há muito ruído e populismo fiscal em ano eleitoral que poderá nos trazer ainda mais dificuldade à frente.
*Sergio Vale é economista-chefe da MB Associados