Exame.com
Continua após a publicidade

Recuperação da economia poderá ser mais lenta do que se imagina

A guerra comercial entre China e EUA e a inabilidade política do governo brasileiro diminuirão a velocidade de recuperação da economia

JAIR BOLSONARO: a política econômica em grande parte está no caminho correto, mas por ser lenta em resultados, colocará pressão em cima de um presidente que não dá sinais de saber negociar em mares turbulentos (Marcos Corrêa/PR/Agência Brasil)
JAIR BOLSONARO: a política econômica em grande parte está no caminho correto, mas por ser lenta em resultados, colocará pressão em cima de um presidente que não dá sinais de saber negociar em mares turbulentos (Marcos Corrêa/PR/Agência Brasil)
S
Sérgio Vale

Publicado em 23 de agosto de 2019 às, 17h29.

Última atualização em 26 de agosto de 2019 às, 17h52.

A expectativa de calmaria após a aprovação da reforma da Previdência na Câmara não durou muito tempo.

A confiança que poderia retomar neste segundo semestre dependeria, dizíamos, de uma percepção mais clara de continuidade das reformas. Isso tudo segue sendo verdade. Há empenho por parte do Congresso em avançar na reforma tributária e outras pautas econômicas seguem curso no legislativo.

Mas em economia os “poréns” infelizmente comandam muito das expectativas. E três grandes “poréns” apareceram nas últimas semanas para colocar uma nuvem na recuperação ainda muito incipiente.

Primeiro, a Argentina surpreendeu com a clara vitória de Alberto Fernández nas primárias. A volta do peronismo traz desconforto por se saber que é um país que precisa de ajustes severos com urgência. É verdade que o peronismo é um condomínio ideológico em que cabia de Menem aos Kirchner. Entretanto, o possível presidente não parece ter a capacidade reformista de que o país precisa, pelo menos por hora e pelo seu histórico.

Não à toa, os mercados reagiram muito negativamente e a recessão, que já levava a Argentina a uma queda de PIB de 2% neste ano poderá levar a números piores neste semestre. Com isso, a indústria automobilística brasileira seguirá sendo bastante afetada pelas condições do vizinho do sul por ser ele nosso principal parceiro comercial nesse caso.

Segundo, de forma mais ampla, o cenário internacional entrou em compasso mais agressivo de desaceleração. Os sinais estão mais claros e a famosa curva invertida de juros é apenas um dos sinais da preocupação do mercado com o que vem pela frente. Sempre há um gatilho incômodo para crises recessivas. Em 1982, foi a ortodoxia de Paul Volcker à frente do Fed; em 1991, a guerra do Golfo; em 2001 o estouro da bolha da Nasdaq; em 2008, o subprime; e, agora, o candidato natural é a guerra comercial. A Europa, por ser mais aberta, tem enfrentado um processo de desaceleração desde o ano passado, com a Alemanha já em provável recessão e a Inglaterra podendo ficar a depender do Brexit.

Não se elegem presidentes populistas impunemente. Os resultados econômicos cedo ou tarde aparecem para as soluções falsamente simples apresentadas. Trump, para muitos, ajudou a manter a recuperação da economia americana. Muito ao contrário, ele entrará para a história por ter engendrado uma sequência inédita de erros de política e de política econômica para os quais os EUA pagarão um preço elevado.

A reforma tributária populista veio sem ajustes relevantes no lado do gasto, por uma crença tantas vezes comprovada errada de que o corte de impostos aumentaria o crescimento. A incerteza jurídica que Trump causa não é pequena para um país tão acostumado à estabilidade. E, por fim, a guerra comercial foi provavelmente a decisão mais equivocada de um presidente americano nas últimas décadas.

A solução óbvia aberta pelo ex-presidente Obama era isolar a China fazendo acordos comerciais com os principais países asiáticos, como era o caso do TPP (Trans Pacific Partnership). Além de não avançar no acordo Trump resolveu atacar os chineses e também os europeus via tarifas, o que faz apenas aumentar os custos de produção mundo afora, sem falar em gerar retaliações contínuas como estamos vendo agora novamente entre chineses e americanos.

A recessão americana que tenho levantado há algum tempo neste espaço como possibilidade está virando realidade e para ela a solução será muito difícil. Já havia considerado em artigo do ano passado os riscos de se entrar em uma recessão sem haver instrumentos claros de saída, o que é agravado quando se tem um presidente inconsequente em final de mandato.

Ao redor do mundo vêem-se taxas de juros curtas e longas negativas e um pouco de espaço para esforço fiscal relevante, mas será suficiente? A resposta não parece clara, especialmente porque se vê atrelada a uma indisposição entre China e EUA que não será temporária. No final, podemos ter uma desaceleração que começa em 2020 e pode se estender por mais tempo, ou seja, será difícil de ser contornada com facilidade, podendo afetar a economia brasileira para além do ano que vem.

Por fim, a última grande dificuldade é cria de Brasília. O presidente Bolsonaro tem causado stress desnecessário por conta da negação dos dados de piora no desmatamento. As consequências negativas intangíveis para a imagem do Brasil podem começar a ficar tangíveis afetando os acordos comerciais incipientes, especialmente com a União Europeia. Tem sido um barulho desnecessário com poucos meses de governo.

Mas o mais preocupante é que o país segue em recuperação anêmica e enfrentará pela frente um mundo em forte desaceleração. Em 2020 será o quarto ano seguido de crescimento em torno de 1%. Sim, as expectativas de crescimento de 2% vão começar a ser revisadas para baixo e tendem a começar a se aproximar de 1,5% de média. Será o quarto ano frustrado de recuperação com um mercado de trabalho igualmente lento em sua recuperação e com questões estruturais para enfrentar como os avanços da inteligência artificial e automação.

A opção pela retomada da economia pelas reformas naturalmente faz com que o crescimento leve tempo a acontecer, especialmente pela demora nas reformas com as crises recorrentes no governo Bolsonaro. Cria-se, na economia, uma expectativa crescente de esperar as reformas acontecerem e esse esperar posterga projetos de investimento. A reforma da vez, a tributária, tem mais potencial positivo de impacto no crescimento, mas com efeitos que serão sentidos apenas com o tempo.

Com dois anos seguidos de recuperação muito lenta, Bolsonaro enfrentará, no início de 2021, uma discussão muito clara sobre as eleições no ano seguinte com a economia ainda combalida. Além disso, poderá enfrentar as dificuldades mundiais que tenderão a se estender para o final de seu mandato.

Parece cada vez mais claro que a falta de coordenação política geral da economia começa a colocar o governo Bolsonaro de fato nos termos usados em artigo anterior, quando escrevi que esse parecia um governo de transição. O risco que se corre de um governo como esse é chegar em 2021 com a economia ainda fraca e sofrer pressão para resultados rápidos de crescimento. Mas a própria instabilidade política é elemento que poderá fazer com que a recuperação atrase e os investidores esperem ver 2022 para saber se o país voltará à normalidade política ou não.

A política econômica em grande parte está no caminho correto; mas, por ser lenta em resultados, colocará pressão em cima de um presidente que não dá sinais de saber negociar em mares turbulentos. Ao ser pressionado para entregar resultados rápidos de crescimento e emprego o que o presidente fará em 2021, com o mundo possivelmente ainda fraco?

Ou isso leva a uma transição para outro governo ou pode fazer com que os anos iniciais de ajuste sejam contrabalançados por tentativas infrutíferas de curto prazo, já tantas vezes vistas no passado e sem resultado. De qualquer maneira, pode ser que tenhamos que esperar um tempo mais longo para que a economia comece a se recuperar.