Questão climática não terá solução fácil
A COP 25 foi positiva por colocar a maior parte dos países em comum acordo sobre a necessidade de zera as emissões, mas falhou em organizar saída concretas
Da Redação
Publicado em 3 de agosto de 2021 às 16h45.
Última atualização em 4 de agosto de 2021 às 13h53.
Por Sergio Vale
Com a aproximação da conferência sobre o clima organizada pela ONU, a COP 26 em Glasgow, começa a ficar clara a necessidade de uma agenda mais ambiciosa por parte dos países.
A COP 25 em Paris foi positiva por colocar a maior parte dos países em comum acordo sobre a necessidade de zera as emissões líquidas de carbono nas próximas décadas, mas falhou em organizar saída concretas para isso. Ficou a cargo de cada país decidir o que fazer e seis anos após pouco mudou nesse sentido.
Quanto mais o tempo passa, mais difícil será alcançar o limite estipulado de alta de temperatura em 1,5 grau até o fim do século. Para isso acontecer, deveríamos estar caminhando para uma sinalização de queda de pelo menos 35% de emissões líquidas até 2030, mas estamos muito longe disso. Segundo estudos do FMI, para que atingíssemos esse patamar de queda em 2030 o imposto de carbono deveria estar hoje em torno de US$ 75 ton/co2, mas a média mundial se encontra em apenas US$ 3 ton/co2. É como se precisássemos do impacto anual da queda de emissão de carbono que a pandemia da covid19 trouxe todos os anos até 2030. Algo, de fato, muito difícil de acontecer.
As soluções terão que passar por acordos mais concretos entre os países para sinalizar, primeiro, que todos os países acionem protocolos de imposto de carbono e, segundo, que esse imposto tenha um valor mínimo para que se evite “vazamentos”. Isto é importante para que o imposto não se transforme em um grande ICMS mundial, em que países disputem novas fábricas, mais poluentes, com um imposto sobre carbono menor.
O problema é que quanto mais o tempo passa, maior precisa ser o imposto para conseguir sinalizar uma queda efetiva na emissão líquida de CO2. E diversos países estão optando por soluções próprias, como o caso chinês com um incipiente mercado de carbono. Se seguir o padrão europeu com o mesmo mecanismo poderá levar cerca de 15 anos para que ele de fato se efetive.
As disputas entre China e Estados Unidos pela liderança mundial também colocam entraves. Em um momento em que o mundo mais precisaria de uma governança global na questão climática será desafiador esperar que os dois países trabalham em conjunto como se precise. Mesmo os EUA ainda não lançaram um imposto de carbono nacional ou alguma solução que englobe todos os estados americanos, tendo apenas a Califórnia em um processo mais avançado de mecanismos de descarbonização.
O risco trazido pela demora em soluções globais pode fazer com que soluções parciais apareçam. Em seu recente livro, The Spirit of Green, William Nordhaus propõe a solução via clubes de países. Por ser cético em soluções totalmente globais, ele sugere que um conjunto de países com afinidade implemente o imposto sobre carbono no grupo ao mesmo tempo que um imposto sobre importação mais elevado de produtos e países que não apliquem soluções ambientais adequadas. A Europa seguiu a sugestão e está lançando um tipo de imposto que pode fazer com que soluções globais necessárias fiquem mais distantes ainda. Forçar outros países, especialmente os chineses, a tomarem decisões aceleradas na questão ambiental pode abrir um flanco de guerra comercial que seria mais um entrave para acordos mais sólidos.
Soluções que passem pelo avanço da tecnologia que barateariam a energia verde em larga escala parecem distantes ainda. As contribuições de Bill Gates ( How to Avoid a Climate Disaster ) e Daniel Yergin ( The New Map ) me deixam com dúvidas se conseguiremos avançar nisso em tempo hábil.
A dificuldade também está em como equacionar a questão dos países mais pobres em fase de aceleração de crescimento. Esses países usam produção de energia baseada em carbono, mais barata, e optar por energias verdes poderia em tese diminuir seu ritmo de crescimento. Por isso há uma dificuldade crescente em incluir países mais pobres ou ainda em fase de expansão rápida e dependente de carbono, como ainda é o caso chinês.
Uma solução para acelerar a mitigação do aumento de temperatura e que incorpora os países menos desenvolvidos foi dada recentemente por Raguran Rajan através de um mecanismo em que países mais pobres seriam beneficiados com recursos vindos de um fundo criado pelos países mais ricos. Seria criado um valor específico permitido de emissão de carbono, por exemplo de 5 toneladas per capita por ano, e acima desse limite de emissão os países pagariam determinado valor para um fundo que seria enviado para os países mais pobres. É uma solução que equaciona a questão ambiental com a social, mas que, de novo, esbarra em apoio de países de alta emissão de carbono, como a China. Ainda prevalece, de certa forma, a visão de que os países riscos que se aproveitaram no passado da emissão de carbono sem penalização paguem hoje pelo custo ambiental. Algo que também não é aceito pelos países desenvolvidos.
Vale dizer que o Brasil poderá sofrer consequências graves das mudanças climáticas caso não equilibre suas políticas na Amazônia. O risco de savanização da região é elevado, como nos lembra Eduardo Viola e Joana Castro Pereira em Climate Change and Biodiversity Governance in the Amazon. O Brasil poderia começar a pensar na governança global na questão climática ativando a governança regional em relação à Amazônia, já que cerca de 40% dela está fora do Brasil. Nesse sentido, não parece haver muita evolução possível dado os desacordos políticos e a falta de vontade do governo atual na questão.
Sem soluções viáveis de curto prazo será muito provável que a elevação da temperatura fique bem acima do 1,5 grau estipulado como limite no Acordo de Paris. Programas de mitigação para as populações afetadas terão que ser rapidamente pensados e a agropecuária brasileira, por exemplo, terá que se adequar a mudanças climáticas cada vez mais severas afetando a produção do setor. Não perceber isso, como o governo tem feito, é dar um tiro no pé do segmento que mais tem apoiado o presidente.
Sergio Vale é economista-chefe da MB Associados
Por Sergio Vale
Com a aproximação da conferência sobre o clima organizada pela ONU, a COP 26 em Glasgow, começa a ficar clara a necessidade de uma agenda mais ambiciosa por parte dos países.
A COP 25 em Paris foi positiva por colocar a maior parte dos países em comum acordo sobre a necessidade de zera as emissões líquidas de carbono nas próximas décadas, mas falhou em organizar saída concretas para isso. Ficou a cargo de cada país decidir o que fazer e seis anos após pouco mudou nesse sentido.
Quanto mais o tempo passa, mais difícil será alcançar o limite estipulado de alta de temperatura em 1,5 grau até o fim do século. Para isso acontecer, deveríamos estar caminhando para uma sinalização de queda de pelo menos 35% de emissões líquidas até 2030, mas estamos muito longe disso. Segundo estudos do FMI, para que atingíssemos esse patamar de queda em 2030 o imposto de carbono deveria estar hoje em torno de US$ 75 ton/co2, mas a média mundial se encontra em apenas US$ 3 ton/co2. É como se precisássemos do impacto anual da queda de emissão de carbono que a pandemia da covid19 trouxe todos os anos até 2030. Algo, de fato, muito difícil de acontecer.
As soluções terão que passar por acordos mais concretos entre os países para sinalizar, primeiro, que todos os países acionem protocolos de imposto de carbono e, segundo, que esse imposto tenha um valor mínimo para que se evite “vazamentos”. Isto é importante para que o imposto não se transforme em um grande ICMS mundial, em que países disputem novas fábricas, mais poluentes, com um imposto sobre carbono menor.
O problema é que quanto mais o tempo passa, maior precisa ser o imposto para conseguir sinalizar uma queda efetiva na emissão líquida de CO2. E diversos países estão optando por soluções próprias, como o caso chinês com um incipiente mercado de carbono. Se seguir o padrão europeu com o mesmo mecanismo poderá levar cerca de 15 anos para que ele de fato se efetive.
As disputas entre China e Estados Unidos pela liderança mundial também colocam entraves. Em um momento em que o mundo mais precisaria de uma governança global na questão climática será desafiador esperar que os dois países trabalham em conjunto como se precise. Mesmo os EUA ainda não lançaram um imposto de carbono nacional ou alguma solução que englobe todos os estados americanos, tendo apenas a Califórnia em um processo mais avançado de mecanismos de descarbonização.
O risco trazido pela demora em soluções globais pode fazer com que soluções parciais apareçam. Em seu recente livro, The Spirit of Green, William Nordhaus propõe a solução via clubes de países. Por ser cético em soluções totalmente globais, ele sugere que um conjunto de países com afinidade implemente o imposto sobre carbono no grupo ao mesmo tempo que um imposto sobre importação mais elevado de produtos e países que não apliquem soluções ambientais adequadas. A Europa seguiu a sugestão e está lançando um tipo de imposto que pode fazer com que soluções globais necessárias fiquem mais distantes ainda. Forçar outros países, especialmente os chineses, a tomarem decisões aceleradas na questão ambiental pode abrir um flanco de guerra comercial que seria mais um entrave para acordos mais sólidos.
Soluções que passem pelo avanço da tecnologia que barateariam a energia verde em larga escala parecem distantes ainda. As contribuições de Bill Gates ( How to Avoid a Climate Disaster ) e Daniel Yergin ( The New Map ) me deixam com dúvidas se conseguiremos avançar nisso em tempo hábil.
A dificuldade também está em como equacionar a questão dos países mais pobres em fase de aceleração de crescimento. Esses países usam produção de energia baseada em carbono, mais barata, e optar por energias verdes poderia em tese diminuir seu ritmo de crescimento. Por isso há uma dificuldade crescente em incluir países mais pobres ou ainda em fase de expansão rápida e dependente de carbono, como ainda é o caso chinês.
Uma solução para acelerar a mitigação do aumento de temperatura e que incorpora os países menos desenvolvidos foi dada recentemente por Raguran Rajan através de um mecanismo em que países mais pobres seriam beneficiados com recursos vindos de um fundo criado pelos países mais ricos. Seria criado um valor específico permitido de emissão de carbono, por exemplo de 5 toneladas per capita por ano, e acima desse limite de emissão os países pagariam determinado valor para um fundo que seria enviado para os países mais pobres. É uma solução que equaciona a questão ambiental com a social, mas que, de novo, esbarra em apoio de países de alta emissão de carbono, como a China. Ainda prevalece, de certa forma, a visão de que os países riscos que se aproveitaram no passado da emissão de carbono sem penalização paguem hoje pelo custo ambiental. Algo que também não é aceito pelos países desenvolvidos.
Vale dizer que o Brasil poderá sofrer consequências graves das mudanças climáticas caso não equilibre suas políticas na Amazônia. O risco de savanização da região é elevado, como nos lembra Eduardo Viola e Joana Castro Pereira em Climate Change and Biodiversity Governance in the Amazon. O Brasil poderia começar a pensar na governança global na questão climática ativando a governança regional em relação à Amazônia, já que cerca de 40% dela está fora do Brasil. Nesse sentido, não parece haver muita evolução possível dado os desacordos políticos e a falta de vontade do governo atual na questão.
Sem soluções viáveis de curto prazo será muito provável que a elevação da temperatura fique bem acima do 1,5 grau estipulado como limite no Acordo de Paris. Programas de mitigação para as populações afetadas terão que ser rapidamente pensados e a agropecuária brasileira, por exemplo, terá que se adequar a mudanças climáticas cada vez mais severas afetando a produção do setor. Não perceber isso, como o governo tem feito, é dar um tiro no pé do segmento que mais tem apoiado o presidente.
Sergio Vale é economista-chefe da MB Associados