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Por uma maior sinergia na agroindústria

Esta semana a ABAG, Associação Brasileira do Agronegócio, realizou seu 15º Congresso anual. O tema era mais do que oportuno e buscava identificar os caminhos de liderança e protagonismo do setor. Para um segmento da economia que tem quase 25% do PIB, nada mais natural do que buscar sua voz nas decisões de política econômica […]

PLANTAÇÃO DE TOMATE:Um grande progresso foi feito, mas o mundo precisa de mais P&D agrícola e de produtividade maior / Joe Raedle / Getty Images (Joe Raedle/Getty Images)
PLANTAÇÃO DE TOMATE:Um grande progresso foi feito, mas o mundo precisa de mais P&D agrícola e de produtividade maior / Joe Raedle / Getty Images (Joe Raedle/Getty Images)
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Sérgio Vale

Publicado em 10 de agosto de 2016 às, 12h15.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h22.

Esta semana a ABAG, Associação Brasileira do Agronegócio, realizou seu 15º Congresso anual. O tema era mais do que oportuno e buscava identificar os caminhos de liderança e protagonismo do setor. Para um segmento da economia que tem quase 25% do PIB, nada mais natural do que buscar sua voz nas decisões de política econômica de forma mais organizada.

Essa voz tem sido consolidada nas últimas décadas e teve como característica marcante a baixa presença do Estado na evolução do setor. Desde os anos 80 pelo menos o processo de liberalização no setor se aprofundou, permitindo flexibilidade que permitiu o boom que se viu nos últimos anos. Certamente o Estado não está totalmente ausente pela presença do crédito público, especialmente via Banco do Brasil. Entretanto, a presença na produção é muito menos relevante do que foi um dia, e de certa forma ainda o é na indústria. A comparação com esse setor é válida para se entender as dificuldades de organização da liderança agrícola no país.

A indústria brasileira teve de início forte presença do Estado na produção, e concentração em São Paulo na sua formação. Além disso, apesar de um ou outro grupo doméstico forte, a presença de multinacionais sempre foi característica da indústria nacional. A origem estatal e concentração em praticamente um único Estado permitiu que a institucionalidade do setor se concentrasse na Fiesp, que durante anos foi a porta voz oficial do setor como um todo. É verdade que outras associações de produtos específicos, como Anfavea e Abimaq, também têm sua força, mas nada comparada com o que historicamente a Fiesp sempre foi.

Hoje, a Federação perdeu a força de outrora pela perda de espaço da indústria na economia. O que era 25% do PIB na década de 70, hoje se encontra na casa dos 10%. A capacidade de influenciar, nesse sentido, deveria diminuir com o tempo. Mas o que se viu ao longo dos últimos anos foi uma força ainda presente dessas entidades, que conseguiram benesses do Estado, especialmente a partir do governo Lula. Parte disso veio da força inercial das entidades, mas também parte veio do interesse do governo em incentivar a indústria, na visão de que o segmento é gerador de tecnologia e inovação muito mais do que os serviços, por exemplo, ou, pasmem, da agricultura, como setores da esquerda ainda pensam.

No meio desse caminho, a agricultura não conseguiu se tornar tão vocal quanto a indústria. Em que pese a tradição industrial e notória aversão petista ao setor agrícola, a ideia do setor se organizar melhor de partida com um novo governo menos ideológico é salutar.

A dificuldade, talvez, é que a agricultura é algo diferente da indústria. Por mais que existam traders importantes, como Cargill, Bunge e ADM, que dão caráter mais estrutural ao segmento, estamos falando de um setor em que vários Estados são vocais. O que é importante de agricultura para o Paraná não necessariamente é o mesmo para São Paulo ou Mato Grosso do Sul. Por ter diversidade de Estados importantes, a necessidade de organização de uma estrutura nacional fica mais evidente. Mas além das fortes federações estaduais, com certa independência natural, há várias estruturas nacionais como ABAG, CNA, Sociedade Rural e outras específicas por produto, como Abiove, Anda, Andef, Abef e inúmeras outras. Diferentemente da indústria em geral, o que é positivo para a soja não o é necessariamente para as associações de proteína animal que consomem o farelo de soja.

Essa diversidade de entidades de classe é uma força, mas ao mesmo tempo é uma fraqueza. Para serem vocais, os grupos de interesse precisam de maior coordenação e de interesses em comum. Essa agenda precisaria ser pensada como um todo pelas principais associações para conseguir dar mais força política para o segmento.

Talvez no futuro isso possa mudar com a ideia de uma cadeia de valor mais clara. Hoje, os produtos básicos como soja, milho, etc. são ainda os elementos centrais, o que permite que Estados e entidades específicas de produtos possam ter muita força. No momento em que a cadeia de valor deixar claro o papel do produto industrial final, transformado, isso pode dar mais força para a ideia de uma indústria única, a agroindústria. Por mais que a ideia de uma agroindústria esteja muito presente hoje, ainda há divergências pelos desejos específicos de produtos e/ou Estados.

Passa pela ideia de liderança e protagonismo do setor, assim, vê-lo como uma coisa só. E para isso será necessária uma colaboração muito mais profunda entre as diversas entidades existentes. Esse caminho ainda precisa ser pavimentado para que o setor tenha a voz que a indústria ainda tem, mesmo não sendo mais a indústria que um dia foi.

sergiovale