Para onde vai o câmbio no Brasil?
Sempre que tenho de falar de taxa de câmbio, lembro-me de uma expressão de um grande frasista de nossa economia, Edmar Bacha, que diz que Deus inventou a taxa de câmbio para humilhar os economistas. De fato, prever essa variável está entre as mais amargas tarefas para qualquer analista, e tentar acertar valores específicos leva […]
Publicado em 28 de junho de 2016 às, 11h19.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h17.
Sempre que tenho de falar de taxa de câmbio, lembro-me de uma expressão de um grande frasista de nossa economia, Edmar Bacha, que diz que Deus inventou a taxa de câmbio para humilhar os economistas. De fato, prever essa variável está entre as mais amargas tarefas para qualquer analista, e tentar acertar valores específicos leva apenas a malfadados pedidos de desculpas em algum momento.
Mas, se não é possível acertar o nível da taxa, pelo menos é mais claro tentar identificar tendências. Por exemplo, no Brasil de hoje é mais fácil ver o câmbio indo para quatro ou três reais em relação ao dólar? Ou seja, as forças na economia e na política de hoje sugerem uma depreciação ou uma apreciação adicional aos números em torno de 3 ou 4 em que o real se encontra nesses dias?
A resposta depende, como aludido na última pergunta, ao que vai acontecer na política e na economia — sendo a economia dividida em impactos do cenário nacional e do internacional. Comecemos por este último.
A frustrante saída do Reino Unido da União Europeia não deve trazer impactos diretos em nossa economia neste momento, e o que poderia ter mais impacto, a própria taxa de câmbio, praticamente não se ressentiu da mudança no velho continente. A sinalização que vem de lá é que há um mundo com tendência mais isolacionista e nacionalista, avesso a acordos comerciais liberais, como já mostrado pela França em relação ao Mercosul e aos Estados Unidos.
Esse mundo tendencialmente mais fechado sinaliza crescimento menor, com possível impacto recessivo pela incerteza política que a decisão causa. Vimos aqui no Brasil nos últimos dois anos como uma paralisia política pode afetar a economia. Na Europa e no mundo não seria diferente.
Dessa forma, há grande chance de novo afrouxamento monetário pelos bancos centrais do mundo inteiro, especialmente do Reino Unido e da zona do euro, mas também dos Estados Unidos, que tendem a manter sua taxa básica de juro estável durante mais tempo do que se imaginava a princípio. Afrouxamento monetário mundo afora significa taxas de câmbio com tendência de depreciação nesses países, o que vale dizer tendência de apreciação para os países em que a política monetária está mais apertada, como é o caso do Brasil.
Em que pese a expectativa de queda nos juros mais à frente, o fato é que estamos com uma taxa real de juro ex-post que tende a ficar na média de 6% de junho deste ano até o final do ano que vem. Num mundo com taxas reais negativas, a capacidade de atração do real se eleva.
E a capacidade de elevação dessa atração é diretamente proporcional à evolução política e econômica do cenário doméstico. E aqui o futuro parece promissor. No cenário político, o governo Temer parece dar sinais de estabilidade, o que significa que, mesmo que outros ministros possam cair, não tende a afetar o núcleo de decisão do governo. Em outras palavras, é muito grande a chance de que o atual governo chegue a seu fim apenas em 2018. Junto a isso há a boa performance política das últimas semanas, com medidas importantes sendo aprovadas, mesmo que não sejam ainda as ideais e faltando pontos importantes, como a reforma da Previdência. Politicamente também não faria sentido tocar em temas sensíveis antes da saída da presidente afastada e das eleições municipais. De qualquer modo, o caminho para mudanças relevantes está dado e com reais possibilidades de aprovação de muitas dessas medidas.
Com a evolução positiva na política, a economia segue a mesma toada. Os dados de expectativa de forma generalizada têm indicado uma recuperação da economia no segundo semestre. As contas externas estão entrando em rápido equilíbrio, com um déficit em conta-corrente que tende a se aproximar de 0,5% do PIB — uma virada de quatro pontos percentuais em dois anos. Ao mesmo tempo, a inflação dá sinais de queda, se não no ritmo que se desejaria, mas com indicação de caminhar com facilidade para a casa dos 5,5% no ano que vem. Todos esses elementos são favoráveis à apreciação cambial.
Com todo esse cenário, sobra a última variável relevante para identificar possíveis caminhos para a taxa de câmbio, que é a taxa de juro. Por mais que haja espaço para queda, e essa é nossa expectativa, a combinação virtuosa de queda da taxa real de juro com queda da inflação, como se viu em 2005 e 2006, só ocorrerá com uma consolidação fiscal concreta. No momento, por mais que o ajuste fiscal esteja sendo feito, ainda teremos um déficit primário esperado de 1,6% do PIB no ano que vem e uma dívida que ainda sobe para 80%. Isso pode levar a um ajuste relativamente mais lento da Selic para trazer a inflação para a meta em 2018, e não em 2017.
Mesmo que se imagine uma queda na taxa real de juro média para 5%, em vez de 6%, ainda assim terá de ser comparada a taxas reais negativas ao redor do mundo, especialmente na sequência do impacto do Brexit. A diferença continuará sendo relevante.
Com tudo isso, é difícil imaginar um cenário de câmbio depreciado em 2017, e pode ser que estejamos caminhando para um câmbio mais próximo de três reais o dólar no ano que vem. O Banco Central pode fazer alguma coisa para evitar isso? Há swap cambial para usar ainda, é verdade, mas não me parece que o BC atual vá querer manter algum nível de taxa, mas, sim, evitar maiores volatilidades. Esse novo BC não parece, por formação, acreditar em alguma taxa ótima de câmbio para exportação. Será essencial, assim, que o governo comece a atuar na produtividade para que a queda da taxa real de câmbio seja compensada pela evolução positiva da produtividade. Essa seria a combinação ótima que se espera do atual governo: aumento de produtividade e ajuste fiscal. Se isso ocorresse, o câmbio se tornaria um problema muito menor.