O Fed se apequena diante de Trump
O banco central dos EUA até pouquíssimo tempo cogitava de três a quatro altas de juros esse ano e agora arrisca até cortar as taxas
Publicado em 31 de janeiro de 2019 às, 16h19.
Se havia alguma dúvida da tropicalização na condução da política econômica americana, já não há mais. A decisão provável do Fed de parar de subir os juros esse ano lembra em muito a decisão do nosso Banco Central em meados de 2011, quando o então presidente decidiu dar um cavalo de pau na política monetária depois de considerar que a Europa estava entrando em crise e isso sugeriria uma queda de juros aqui dentro. O resultado anos depois foi um processo inflacionário e uma crise recessiva profunda que está na memória de todos.
O próprio Fed já teve seu momento tropical nos anos 70 quando um longo período de estagflação se deu em decorrência de políticas monetária e fiscal lenientes. Os argumentos de então eram que a inflação era um problema de custos que o Fed nada tinha a fazer. O resultado conhecido foi a necessidade anos depois de um forte choque monetária para contenção da inflação de dois dígitos que os americanos tiveram. Há aqui um disclaimer de que o conhecimento de política monetária era muito menor do que hoje, o que torna a decisão do nosso Banco Central em 2011 e do Fed de agora mais surpreendentes.
Novamente, como no Brasil, o Fed usou a Europa como bode expiatório para parar de subir juros, argumento relativamente novo para a decisão do banco sobre a política monetária americana. O efeito de desaceleração do shutdown também ajuda na descompressão da inflação para este ano.
Mas o problema agora não é apenas de dados, ou seja, a variável a acompanhar não é mais apenas a inflação americana, que segue comportada. Há um elemento adicional que se chama Donald Trump. A politização do Fed se dá quando o presidente americano cogita tirar Jeremy Powell do banco por não colaborar para o crescimento americano, provocando até um dos famigerados twitters presidenciais.
A questão toda que se coloca é qual o grau de interferência sobre um presidente de Fed que até há pouquíssimo tempo cogitava de três a quatro altas de juros esse ano e agora mudou radicalmente o discurso, com risco até de corte da taxa. Não basta ser crível, precisa parecer crível igualmente e tudo o que o banco sinaliza hoje é de que a decisão tomada foi infeliz por ter sido tão abrupta e no meio dos petardos de Trump.
Trump parece de fato querer enfraquecer o banco central americano com sua ideia equivocada de manter o crescimento a qualquer custo. Vale lembrar aqui que ele está cercado de membros que pensam da mesma forma. Larry Kudlow, chefe dos conselheiros econômicos do presidente, disse que o Fed precisa de membros que acreditam que é possível ter um crescimento forte com baixa inflação. Comparação melhor com o banco central dilmista impossível. E nesse cenário a inflação americana vai acumulando riscos de alta mais significativos com um mercado de trabalho que segue muito apertado.
O grande dilema para os americanos é que há hoje uma política fiscal e uma política monetária francamente expansionistas em que ambos os condutores perderam credibilidade. No caso fiscal, o Congresso permitiu os excessos com a aprovação da reforma tributária sem nenhuma compensação tributária ou corte de gastos.
Essa contenção da alta de juros é enganosa e não evitará uma recessão no futuro, mesmo que postergada. Ela pode é piorar um cenário recessivo ao diminuir as chances de condições críveis de saída da recessão com juros agora muito baixos, quantitative easing ainda presente e fiscal com déficit elevado.
Em artigo escrito por mim aqui neste espaço no final do ano passado considerava os EUA às portas de uma recessão para o começo de 2020. Mais do que nunca o cenário americano que se cria para a frente é pior do que se poderia imaginar com a postergação dos ajustes necessários, à lá Dilma em seu primeiro mandato. Guardadas as devidas proporções, Trump parece seguir tanto o caminho petista no Brasil que, caso ganhe a eleição ano que vem, por descaso democrata na escolha de um concorrente, tenhamos um segundo mandato de crise permanente em que o impeachment será mais do que considerado, poderá ser um fato.