O Brasil parece querer optar pelo caos
Temos dois candidatos hoje cujos entornos possuem inauditas características pouco democráticas: repetimos a história não como farsa, mas como tragédia ao quadrado
Publicado em 18 de setembro de 2018 às, 15h52.
Faltando três semanas para o primeiro turno, salvo mudanças de última hora, parece haver consolidação em torno do caos. De um lado, Bolsonaro, mais palatável ao mercado com o superministro Paulo Guedes prometendo o impossível. De outro, Haddad, autointitulado o mais tucano dos petistas, dentro de um partido do qual se tornou refém muito mais do que Dilma foi um dia. E um PT mais à esquerda do que no passado, aliás, mas que Haddad promete combater escolhendo um presidente de Banco Central e um ministro da Fazenda de mercado.
Impressiona como reciclamos velhas histórias incrivelmente nas mesmas roupagens. Haddad pode ser mais flexível do que outros petistas, mas um presidente não governa sozinho, por óbvio, e a máquina será reocupada pela mesma turma que ao longo dos governos petistas foram dizimando a política econômica. Sempre necessário lembrar que os problemas petistas não começaram com Dilma, mas foram laboriosamente construídos desde o primeiro mandato de Lula, quando Guido Mantega assumiu a Fazenda. Os desastres em economia, infelizmente, são fabricados ao longo do tempo e suas consequências não aparecem de imediato, basta ver o estrago de Trump nos EUA, cuja política certamente levará a uma deterioração americana nos próximos anos.
Mas Bolsonaro também é uma velha história, um misto de Collor, com o voluntarismo liberal inexequível para Brasília, e os militares. Aqui, seu ministro quer mimetizar a dupla Roberto Campos e Octávio Gouvea de Bulhões dos anos Castelo Branco, mas seu presidente parece preferir os tempos estatizantes de Geisel. Suas votações no Congresso reiteradamente mostraram isso. Não à toa, Bolsonaro, nesse comportamento, lembra muito a própria Dilma: uma pessoa que sempre agiu de uma forma, vendeu uma imagem diferente na campanha, e quando chegou para o governo foi o que sempre foi ao longo de sua vida. Isso vale mesmo para 2015, pois era óbvio que Dilma não acreditava no que falava ao ter escolhido um ministro apenas para mudar toda a política econômica. Seria crível se ela tivesse feito uma mudança radical de postura, o que claramente não cabia na sua visão de mundo do que significava a política fiscal para a economia. Ou seja, de que “gasto é vida”, na frase que lhe marcará a vida.
Há, claro, um toque de piora em tudo que temos produzido politicamente. Repetimos a história não como farsa, mas como tragédia ao quadrado. Temos dois candidatos hoje cujos entornos possuem inauditas características pouco democráticas. Haddad com sua democratização da mídia e Bolsonaro cercado de militares por todos os lados com discursos que nos remetem aos anos 70.
Há um risco claro de perda de qualidade democrática nos próximos anos, por sabermos das dificuldades que ambos os grupos terão na negociação no Congresso, de um lado, e as ruas lhe negando legitimidade permanentemente. Se Bolsonaro ganhar, o PT dirá que não foi legitima a eleição por Lula não ter participado. Se Haddad ganhar, o discurso de fraude nas urnas eletrônicas pode ser um mote perigoso para uma insatisfação de quem votou em Bolsonaro. Vimos esse tipo de manifestação quando Trump ganhou a eleição nos EUA e houve um período relativamente longo de grandes manifestações de rua contra sue governo logo de início. Mas lá tais manifestações foram vistas como democráticas, sem impingir nenhum risco maior para o mandato do presidente. Aqui, o teste começará de início.
Que tipo de greves e manifestações gerais Bolsonaro enfrentará quando seu Ministro tentar desmontar a estrutura pública criada desde Getúlio? Há mais de 120 milhões de pessoas que dependem do Estado de alguma forma no país e será dito para elas que terão que rever essa dependência. Certamente, não será uma transição suave. A possibilidade mais provável é que Guedes consiga fazer muito pouco do que quer e teremos ao final apenas perdido tempo.
Haddad presidente enfrentará a ira das ruas dos movimentos que foram frontalmente contra o petismo nos últimos anos. Com uma base tão diluída no Congresso, Haddad terá pouca condição de mudanças constitucionais relevantes. Seu partido e seus coligados muito provavelmente serão em menor monta, sem condições de grandes mudanças. Sua ideia de acabar com a regra do teto pode morrer na praia. Se for inteligente, negocia com o Congresso fazer a reforma da previdência que está aí em troca da reformulação da regra do teto, veja bem, reformulação e não eliminação. Mas haverá alguma negociação com o partido ainda aliado a velhas ideias? Seu presidente terá força com a sombra de Lula pairando sobre si, com ele muito provavelmente solto, não por indulto, mas pela mudança da jurisprudência sobre prisão em segunda instância no STF?
Há mais contras do que prós para que tudo isso dê certo. É grande a chance de o governo descarrilhar gradativamente ao longo de 2019. Peça essencial para vermos o que vai acontecer nesse cenário é a presidência da Câmara. Haddad não aceitaria Rodrigo Maia como presidente da Casa, deflagrando algo semelhante a 2015, quando Arlindo Chinaglia, do PT, perdeu para Eduardo Cunha, do PMDB. Claro, Maia não é Cunha, mas o risco potencial de stress com o Congresso será patente.
Com Bolsonaro, podemos ter um superministro da Fazenda com um superpresidente da Câmara. Guedes e Maia teriam condições de poder evidentes em cima de Bolsonaro, acostumado a achar “postos Ipiranga” para solucionar seus dilemas. Os militares aceitarão essa “consertación” entre Fazenda e Câmara, sobrepondo-se ao presidente?
Para um país que passou por hiperinflação, crises recorrentes de dívida externa, Dilma Rousseff, seria cômodo pensar que sairemos dessa. Não tenho dúvidas que sim, mas cada vez mais com chances de uma queda não trivial nesse processo.