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Mais do que nunca, economia e política precisam se ajudar

Não será fácil controlar o radicalismo e o militarismo que seguem forte no país

Sergio Vale é economista-chefe da MB Associados (Andressa Anholete/Getty Images)
Sergio Vale é economista-chefe da MB Associados (Andressa Anholete/Getty Images)
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Sérgio Vale

Publicado em 17 de janeiro de 2023 às, 19h58.

O começo de 2023 no Brasil talvez tenha sido o mais tumultuado em décadas. Depois de uma posse marcada positivamente pela diversidade, a semana seguinte foi uma mancha que seguirá demandando a devida resposta dos três poderes para que não aconteça de novo.

Difícil prever que não venha nada mais assustador pela frente. Se não podemos chamar tecnicamente de terrorismo o que foi feito no dia 8, será difícil não ter essa conotação se começarmos a ver atentados violentos por motivação política começarem a acontecer. Essa parece ser a sina de vários países que tem enfrentado ataques em países em que a extrema direita tem avançado. O livro de Barbara Walter, “Como as guerras civis começam”, mostra como as facções vão ganhando poder e se tornando violentas, especialmente aquelas que já tiveram poder um dia, como é o caso do bolsonarismo.

À loucura de fake news de acreditar na volta do comunismo se alia ao fato de que esses grupos se sentem “rebaixados” e acabam partindo para a violência como solução. Na visão desses bolsonaristas radicais, a falta de esperança naquilo que eles acreditavam que deveria ser o país começa a criar o caldo de insatisfação que desaguou naquele domingo. A perda de fé no sistema deu espaço para que os radicais crescessem e se transformassem no que viraram.

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O livro de Barbara Walter foca na preocupação de os EUA poderem estar caminhando para uma guerra civil mais explicita, mas o Brasil do pondo de vista político certamente se encontra em um ponto pior do que os EUA. Os relatórios recentes de democracia têm mostrado que o mundo se encontra num “backsliding” democrático, como já apontavam Stephan Haggard e Robert Kaufmann em livro de mesmo nome.

De fato, o último relatório do Variaties of Democracy, talvez hoje o melhor indicador da saúde democrática do mundo aponta para uma piora em diversos lugares do mundo e o Brasil não é diferente (gráfico 1). Comparando com um grupo diverso de países emergentes o Brasil era o melhor posicionado até 2016. De lá para cá, caiu para baixo da África do Sul e se encontra perto de México e Indonésia, países que têm sofrido instabilidade política nas últimas décadas também. Na avaliação do Variaties of Democracy nós retroagimos para o início da Nova Democracia, como mostra o gráfico, e os atentados de janeiro deverão aumentar ainda mais nossa percepção como democracia. Claro que estamos longe de um regime autoritário como o turco, mas a resposta dada pelos três poderes terá que ser à altura para um evento que chocou o mundo, inclusive os países governados pela extrema direita. Afinal, ninguém quer estimular invasão de poderes, muito menos o mais autoritário dos governos.

Gráfico 1. Indicador de qualidade democrática (quanto mais perto de 1 melhor) (Sergio Vale/Divulgação)

Mas essa insatisfação de um grupo radical vai ter que continuar demandando respostas fortes e alinhadas entre os três poderes para demonstrar que não passaremos por isso de novo. O grande risco no meio dessa caminhada continuará sendo os militares. Em artigo de comemoração dos 200 anos de Independência para a Revista da USP, Octávio Amorim coloca a preocupação com o militarismo atávico do qual o Brasil não consegue se desvencilhar. Sempre chamados como Poder Moderador já na época do Império, os militares ainda se veem como um poder político, que não são, e atiçados por um governo militarista como o de Bolsonaro não buscam a manutenção da força na caserna, mas de bom grado passam a servir como voz política. Tudo diferente do grande padrão de exemplo para os militares que são os americanos.

Na tentativa golpista de Trump, a resposta militar foi uma negativa total de aceitar e se meter em tais assuntos. Mas aqui houve atraso dos militares para a dissuasão dos manifestantes radicais que pediam golpe à beira dos quartéis generais país afora.

Não será fácil controlar o radicalismo e o militarismo que seguem forte no país. Lula terá um grande desafio à frente e terá que passar por bons resultados na economia para que se consiga diminuir o stress político do momento. Mais do que nunca o Ministério de Haddad tem que dar certo para diminuir a pressão política da sociedade nos próximos anos. Mais crescimento e investimento de qualidade ajudará o foco a voltar aos assuntos necessários. Isso não vai solucionar nossos dilemas com os militares e com os radicais, mas dá um fôlego necessário de saída do mar tempestuoso recente.

Sergio Vale é economista-chefe da MB Associados