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Lula tem duas balas de prata para usar

Esse país que acumulou crises e muitas vezes teve respostas equivocadas, tentará com Lula agora alguma calma que não se vê há algum tempo

(Ricardo Stuckert/Divulgação/Divulgação)
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Da Redação

Publicado em 31 de outubro de 2022 às 17h07.

A vitória de Lula terá o papel de apaziguar um país arduamente construído na fratura ao longo dos últimos anos. Desde 2013, o país vem vivendo uma sequência importante de fatos desestabilizadores, cada um a seu modo. Começou com as manifestações de junho de 2013, no ano seguinte apareceu a Lava Jato e a reeleição turbulenta de Dilma. 2015 e 2106 foram anos da recessão histórica, com 2017 tendo o Joesley Day e 2018 a eleição de Bolsonaro. Dai pra frente foram momentos recorrentes de tempestade, passando pela pandemia e o impacto da crise da Ucrânia este ano. São muitas crises em um curto período de tempo.

Seria bom se tivesse terminado por aí com a eleição de Lula, mas ainda há uma recessão internacional a lidar ano que vem, talvez uma crise oriunda do orçamento secreto e sabe-se lá mais o quê. De qualquer maneira, esse país que acumulou crises e muitas vezes teve respostas equivocadas, tentará com Lula agora alguma calma que não se vê há algum tempo. Por onde se vê, a ideia é de uma normalidade que poderemos entrar nos próximos anos, mas que depende essencialmente de o novo governo acertar na composição dos nomes.

Os flancos abertos de crises acumuladas são inúmeros. Passa pelos escândalos de corrupção que envolveram os principais partidos à esquerda e direita do país; a má administração da economia nos últimos anos; os erros acumulados na diplomacia e no meio ambiente, para ficar em alguns. Olhando por esse lado, a questão que se coloca é o grau de aprendizado que se teve com vários desses problemas.

Nos escândalos de corrupção, ao invés de escancarar a relação entre Congresso, Executivo e empresas estatais, o caminho hoje tem sido fazer tudo por orçamento secreto ou com baixo nível de informação. O aprendizado aqui talvez tenha sido de como fazer melhor sem ser descoberto e não deixar de fazer, mas o tempo dirá.

No caso da economia, o governo Lula deve ter uma composição variada entre liberais e heterodoxos, mas ainda com dúvidas sobre a percepção do que será feito em relação aos bancos públicos e na questão fiscal. A ver se houve aprendizado real sobre o que precisa ser feito, pois a impressão é que teremos alguma dificuldade nessa frente.

Por fim, a questão ambiental parece a mais propensa a mudanças concretas depois do estrago dos últimos quatro anos. A chance aqui é de restaurar parceiras, como já sinalizado pela Noruega que voltou a indicar financiamento a projetos na Amazônia depois da vitória de Lula. Além disso, a nova configuração ESG faz com que as empresas foquem não apenas nesses critérios em suas empresas, mas também olhando os países onde elas se encontram. Cada vez mais a questão ambiental será relevante em decorrência das mudanças climáticas e aqui Lula poderá montar um time relevante para reinserir o país na discussão internacional.

Se no front interno Lula parece que terá as dificuldades de sempre e aprendizados que talvez não tenham sido feitos, é na área externa que os ganhos poderão ser relevantes e ser um dos marcos deste governo. Quando olhamos os governos do passado em geral se sobressaem uma ou outra medida relevante que caracteriza esses governos e Lula talvez tenha duas que poderá chamar de sua.

Uma é a mudança na questão ambiental, como dizemos, e a outra é a reforma tributária. Há vontade de estados e municípios de avançar com essa proposta e a PEC 45 na Câmara, de alçada de Bernardo Appy, que trabalhou no governo Lula, poderia ser aprovada, mesmo que parcialmente. Aqui há vontade do governo e do Congresso em evoluir na proposta e é provável que tenhamos boas novas nessa frente. É a grande reforma que faltava para avançar em tantas frentes que já tiveram reforma no passado, como a previdência e os gastos públicos. Obviamente aqui também entra a reforma do imposto de renda, que chegou a hora para acontecer.

Com esses dois grandes movimentos, o governo Lula já teria um enorme ganho logo em seu primeiro ano, ambos com potencial de trazer retorno positivo para o país nos anos seguintes. O que não se pode fazer é jogar essa oportunidade fora não fazendo o dever de casa no fiscal. Sangue frio nessa hora para aproveitarmos os reais potenciais de melhora para o país.

Sergio Vale é economista-chefe da MB Associados

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A vitória de Lula terá o papel de apaziguar um país arduamente construído na fratura ao longo dos últimos anos. Desde 2013, o país vem vivendo uma sequência importante de fatos desestabilizadores, cada um a seu modo. Começou com as manifestações de junho de 2013, no ano seguinte apareceu a Lava Jato e a reeleição turbulenta de Dilma. 2015 e 2106 foram anos da recessão histórica, com 2017 tendo o Joesley Day e 2018 a eleição de Bolsonaro. Dai pra frente foram momentos recorrentes de tempestade, passando pela pandemia e o impacto da crise da Ucrânia este ano. São muitas crises em um curto período de tempo.

Seria bom se tivesse terminado por aí com a eleição de Lula, mas ainda há uma recessão internacional a lidar ano que vem, talvez uma crise oriunda do orçamento secreto e sabe-se lá mais o quê. De qualquer maneira, esse país que acumulou crises e muitas vezes teve respostas equivocadas, tentará com Lula agora alguma calma que não se vê há algum tempo. Por onde se vê, a ideia é de uma normalidade que poderemos entrar nos próximos anos, mas que depende essencialmente de o novo governo acertar na composição dos nomes.

Os flancos abertos de crises acumuladas são inúmeros. Passa pelos escândalos de corrupção que envolveram os principais partidos à esquerda e direita do país; a má administração da economia nos últimos anos; os erros acumulados na diplomacia e no meio ambiente, para ficar em alguns. Olhando por esse lado, a questão que se coloca é o grau de aprendizado que se teve com vários desses problemas.

Nos escândalos de corrupção, ao invés de escancarar a relação entre Congresso, Executivo e empresas estatais, o caminho hoje tem sido fazer tudo por orçamento secreto ou com baixo nível de informação. O aprendizado aqui talvez tenha sido de como fazer melhor sem ser descoberto e não deixar de fazer, mas o tempo dirá.

No caso da economia, o governo Lula deve ter uma composição variada entre liberais e heterodoxos, mas ainda com dúvidas sobre a percepção do que será feito em relação aos bancos públicos e na questão fiscal. A ver se houve aprendizado real sobre o que precisa ser feito, pois a impressão é que teremos alguma dificuldade nessa frente.

Por fim, a questão ambiental parece a mais propensa a mudanças concretas depois do estrago dos últimos quatro anos. A chance aqui é de restaurar parceiras, como já sinalizado pela Noruega que voltou a indicar financiamento a projetos na Amazônia depois da vitória de Lula. Além disso, a nova configuração ESG faz com que as empresas foquem não apenas nesses critérios em suas empresas, mas também olhando os países onde elas se encontram. Cada vez mais a questão ambiental será relevante em decorrência das mudanças climáticas e aqui Lula poderá montar um time relevante para reinserir o país na discussão internacional.

Se no front interno Lula parece que terá as dificuldades de sempre e aprendizados que talvez não tenham sido feitos, é na área externa que os ganhos poderão ser relevantes e ser um dos marcos deste governo. Quando olhamos os governos do passado em geral se sobressaem uma ou outra medida relevante que caracteriza esses governos e Lula talvez tenha duas que poderá chamar de sua.

Uma é a mudança na questão ambiental, como dizemos, e a outra é a reforma tributária. Há vontade de estados e municípios de avançar com essa proposta e a PEC 45 na Câmara, de alçada de Bernardo Appy, que trabalhou no governo Lula, poderia ser aprovada, mesmo que parcialmente. Aqui há vontade do governo e do Congresso em evoluir na proposta e é provável que tenhamos boas novas nessa frente. É a grande reforma que faltava para avançar em tantas frentes que já tiveram reforma no passado, como a previdência e os gastos públicos. Obviamente aqui também entra a reforma do imposto de renda, que chegou a hora para acontecer.

Com esses dois grandes movimentos, o governo Lula já teria um enorme ganho logo em seu primeiro ano, ambos com potencial de trazer retorno positivo para o país nos anos seguintes. O que não se pode fazer é jogar essa oportunidade fora não fazendo o dever de casa no fiscal. Sangue frio nessa hora para aproveitarmos os reais potenciais de melhora para o país.

Sergio Vale é economista-chefe da MB Associados

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