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Governo Lula não encontrou o tom certo na economia

As falas intempestivas de Lula são muito diferentes do que ele sempre falou e pensou, além de entorno que preocupa mais do que em 2003

Lula (Washington Costa/MF/Flickr)
Lula (Washington Costa/MF/Flickr)
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Sérgio Vale

Publicado em 10 de fevereiro de 2023 às, 14h06.

Última atualização em 10 de fevereiro de 2023 às, 14h08.

Com pouco mais de um mês de governo, Lula causou mais estragos em sua fala do que em boa parte do seu primeiro mandato. Não apenas porque as falas intempestivas são muito diferentes do que ele sempre falou e pensou, mas porque o entorno de Lula hoje preocupa mais do que em 2003 ao mesmo tempo que as condições econômicas hoje são mais desafiadoras.

Lula herdou uma herança bendita em 2003, com superávit primário de 3,5% do PIB, o tripé macroeconômico funcionando adequadamente e um cenário internacional liberal do ponto de vista econômico. As pressões para manter o status quo eram grandes e as condições iniciais eram muito boas para o governo.

Ao mesmo tempo, havia um tucano infiltrado nas hostes petistas. Antônio Palocci, junto com Henrique Meirelles, foram os garantidores de uma boa gestão de política econômica. No palácio do Planalto, o entorno de Lula também não deixava de ter essa consciência, mesmo em José Dirceu.

Hoje, Lula passa por um mundo hostil ao liberalismo, que tem visto cada vez mais na política fiscal uma tábua de salvação. Ela o é certamente em momento de crise no curto prazo, mas como política permanente de estímulo a única consequência é aumentar a taxa de juros e diminuir o crescimento. O último livro de Olivier Blanchard, Fiscal Policy Under Low Interest Rates, pode passar a ideia equivocada de que poderíamos usar mais a política fiscal no Brasil. Entretanto, o caso dos países desenvolvidos é de taxa real de juros negativas por questões estruturais e porque não há descontrole fiscal. Blanchard é muito explícito ao citar o pacote fiscal de Biden de 2021 como um elemento de risco para aumentar a taxa de juros neutra.

Esse é justamente o caso do Brasil. Anos de desregramento fiscal, com dívida bruta que voltará para a casa dos 80% este ano após uma desastrosa PEC da Transição, farão com que a taxa real de juros neutra possa subir. Hoje ela está em torno de 4%, mas se não houver uma sinalização forte e rápida nos próximos meses essa taxa poderá se aproximar de 5%.

A história ganha áreas mais dramáticos quando o presidente, não satisfeito em bater na regra do teto, também decidiu atacar a política monetária. Agora temos discussões sobre aumentar a meta de inflação este ano, um erro colossal. Viesse esse aumento por questões eminentemente técnicas, não haveria problema, mas claramente isso decorre de pressão política e mostra o risco de contaminação crescente pelo qual passa o banco.

Isso apenas vai fazer com que as expectativas de inflação subam mais nos próximos anos. Já trabalho com 6% de IPCA este ano e pelo menos 4% no ano que vem. Não será difícil começarmos a pensar em um cenário inflacionário mais próximo do período Dilma do que de Lula 1. Sendo este o caso, corremos o risco de ter taxa de juros de dois dígitos ao longo de todo o governo Lula. Teremos que ver com uma lupa como serão escolhidos os próximos membros do Copom e o substituto de Roberto Campos Neto depois de 2024.

Mas calma, não para por aqui. Os riscos começam a aparecer em outras áreas. Lula está descontente com a privatização da Eletrobras, com a reforma trabalhista, com o marco de saneamento e abraçou a Argentina como parceiro comercial mais relevante ao invés de avançar no acordo comercial com a União Europeia.

Ou seja, há um descompasso macroeconômico que vem em conjunto com riscos na esfera microeconômica. Se em 2003, Palocci e Meirelles eram os anteparos à visão econômica errada do PT, quem será agora? Caberia talvez a Simone Tebet e Geraldo Alckmin serem esse anteparo, mas eles têm a capacidade de chegar a Lula como Palocci, que era do PT, tinha?

As dúvidas vão se amontoando e para evitar o pior o Ministro da Fazenda precisa direcionar as forças concentradas na reforma tributária e em um excelente arcabouço fiscal, com uma regra do teto robusta. Cada vez que o governo mostra sinais preocupantes na economia, mais Haddad terá que ser hábil para entregar medidas de ajuste importantes. A dúvida que fica é que esse é um governo que prezará incessantemente pelo aumento da arrecadação e pouco pelo ajuste dos gastos. Fica a dúvida sobre o peso que uma regra de gastos robusta terá nesse novo arcabouço fiscal.

São dúvidas além da conta para um governo que apenas começou. Mas coloca preocupação sobre a capacidade de entregar crescimento nos próximos anos.

Sergio Vale é economista-chefe da MB Associados