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Governo insiste em errar no fiscal

Governou estimou que deixaria de gastar R$71,9 bilhões nos próximos dois anos, mas dificilmente atingirá esse valor

(Divulgação / Getty Images)
Sergio Vale

Colunista

Publicado em 4 de dezembro de 2024 às 16h31.

Depois de dois anos de inação em relação aos gastos públicos, o governo decidiu lançar um pacote fiscal. Entretanto, a frustração foi dupla. Primeiro, havia a expectativa criada pelo próprio governo de que, dessa vez, seriam feitas mudanças estruturais relevantes na estrutura de gastos. Houve rumores de que o vínculo do salário-mínimo na previdência seria alterado e que os mínimos constitucionais de saúde e educação seriam limitados pelo já frágil arcabouço fiscal atual.

O que saiu no final foi muito pior. O governo insistiu em ampliar o pente fino no BPC e no Bolsa Família, sinalizou uma difícil mudança na regra de crescimento das emendas, o abono salarial, que parecia ter um corte para 1 ou 1,5 salário-mínimo se transformou em apenas um ajuste do abolo pela inflação, fazendo com que ele caia para 1,5 apenas em 2035, data em que voltaria à sistemática antiga. Ou seja, muito pouco.

O governou estimou que deixaria de gastar R$71,9 bilhões nos próximos dois anos, mas dificilmente atingirá esse valor. Na melhor das hipóteses ele consegue R$ 20 bilhões a menos desse valor, com chance do pior cenário de R$ 30 bilhões a menos. Vale dizer que essa estimativa do governo é para que ele consiga entrar os resultados dentro da meta do arcabouço de 0% de primário em 25 e superávit de 0,5% em 26. Entretanto, para isso o governo conta também com forte expansão da receita nos próximos dois anos. Na primeira metade do mandato, com crescimento médio em torno de 3,3% ao ano e várias medidas de aumento de receita, o governo conseguiu ver taxas de expansão da arrecadação facilmente passarem de 10%. Mas mesmo com esse crescimento ainda teremos déficit esse ano, da ordem de R$ 50 bilhões. Isso mostra como o ajuste nos gastos está mais do que atrasado. O forte ajuste na receita não tem sido suficiente para mudar o cenário. Para piorar, nos próximos dois anos o crescimento médio da economia deve ficar abaixo de 2%, o que significa que o governo pode deixar de arrecadar cerca de R$ 27 bilhões apenas em 2025 por conta da estimativa maior de crescimento do PIB que se encontra na LDO.

A segunda frustração veio da isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil, o que deve levar a uma perda em torno de R$ 40 bilhões ao ano quando for efetivada, para uma compensação de 10% de aumento na alíquota para quem ganha acima de R$ 600 mil por ano. No final, isso vai impactar quem ganha acima de R$ 1,2 milhão, que efetivamente para alíquota menor que 10% hoje.  Isso é meritório e necessário. Historicamente, a classe mais alta de renda no Brasil paga muito pouco imposto. O que não parece razoável é aumentar nessa proporção o grau de isenção para a classe média. O governo precisaria de uma compensação maior para cobrir os R$ 40 bilhões perdidos com a isenção da classe média.

Esse conjunto de medidas foi o gatilho para o câmbio chegar a 6 e provavelmente esse deve ser o novo piso, o novo 5. O impacto na inflação se dará ao longo dos próximos meses. Na verdade, já estamos vendo agora, com o IPCA fechando o ano acima do teto da meta, em torno de 4,7%. As expectativas de inflação gradativamente vão subir e levar a um IPCA esperado em torno de 4,5% nos próximo dois anos. Como a política fiscal abandonou o barco, a política monetária agora está sozinha, no meio de uma troca de diretoria que será testada no meio da crise gerada pelo governo.

Se o BC quisesse trazer a inflação de fato para 3% em 2026, teria que levar a Selic para algo em torno de 15%. Mas isso não vai acontecer. Nossa estimativa está em 14% e essa diferença em relação ao que se terá de juros deve fazer com que o IPCA fique tateando o teto durante todo o governo Lula. No governo Dilma isso também aconteceu, mas o teto da meta era 6,5%. Para nossa sorte dessa vez, o teto da meta são dois pontos percentuais a menos.

Esse trabalho solitário do BC trará o risco de uma desaceleração mais acentuada da economia na metade final do governo. O primeiro mandato de Lula tinha um cenário internacional excelente e um superávit primário próximo de 4% do PIB. Hoje, o cenário internacional é bem pior e partirmos de um déficit primário em torno de 0,5% do PIB. Para o tamanho de dívida pública que temos hoje, que deve chegar a 80% do PIB em 2025, isso significa que precisaríamos de algo em torno de 4% do PIB de superávit primário apenas para estabilizar a dívida. Estamos muito longe do ideal para tranquilizar o mercado. Por isso, os próximos dois anos infelizmente devem ser turbulentos, mas viveremos em compasso de espera para uma mudança mais drástica do regime fiscal a partir de 2027. Se isso não acontecer, aí sim teremos um cenário bem mais complicado.

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Depois de dois anos de inação em relação aos gastos públicos, o governo decidiu lançar um pacote fiscal. Entretanto, a frustração foi dupla. Primeiro, havia a expectativa criada pelo próprio governo de que, dessa vez, seriam feitas mudanças estruturais relevantes na estrutura de gastos. Houve rumores de que o vínculo do salário-mínimo na previdência seria alterado e que os mínimos constitucionais de saúde e educação seriam limitados pelo já frágil arcabouço fiscal atual.

O que saiu no final foi muito pior. O governo insistiu em ampliar o pente fino no BPC e no Bolsa Família, sinalizou uma difícil mudança na regra de crescimento das emendas, o abono salarial, que parecia ter um corte para 1 ou 1,5 salário-mínimo se transformou em apenas um ajuste do abolo pela inflação, fazendo com que ele caia para 1,5 apenas em 2035, data em que voltaria à sistemática antiga. Ou seja, muito pouco.

O governou estimou que deixaria de gastar R$71,9 bilhões nos próximos dois anos, mas dificilmente atingirá esse valor. Na melhor das hipóteses ele consegue R$ 20 bilhões a menos desse valor, com chance do pior cenário de R$ 30 bilhões a menos. Vale dizer que essa estimativa do governo é para que ele consiga entrar os resultados dentro da meta do arcabouço de 0% de primário em 25 e superávit de 0,5% em 26. Entretanto, para isso o governo conta também com forte expansão da receita nos próximos dois anos. Na primeira metade do mandato, com crescimento médio em torno de 3,3% ao ano e várias medidas de aumento de receita, o governo conseguiu ver taxas de expansão da arrecadação facilmente passarem de 10%. Mas mesmo com esse crescimento ainda teremos déficit esse ano, da ordem de R$ 50 bilhões. Isso mostra como o ajuste nos gastos está mais do que atrasado. O forte ajuste na receita não tem sido suficiente para mudar o cenário. Para piorar, nos próximos dois anos o crescimento médio da economia deve ficar abaixo de 2%, o que significa que o governo pode deixar de arrecadar cerca de R$ 27 bilhões apenas em 2025 por conta da estimativa maior de crescimento do PIB que se encontra na LDO.

A segunda frustração veio da isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil, o que deve levar a uma perda em torno de R$ 40 bilhões ao ano quando for efetivada, para uma compensação de 10% de aumento na alíquota para quem ganha acima de R$ 600 mil por ano. No final, isso vai impactar quem ganha acima de R$ 1,2 milhão, que efetivamente para alíquota menor que 10% hoje.  Isso é meritório e necessário. Historicamente, a classe mais alta de renda no Brasil paga muito pouco imposto. O que não parece razoável é aumentar nessa proporção o grau de isenção para a classe média. O governo precisaria de uma compensação maior para cobrir os R$ 40 bilhões perdidos com a isenção da classe média.

Esse conjunto de medidas foi o gatilho para o câmbio chegar a 6 e provavelmente esse deve ser o novo piso, o novo 5. O impacto na inflação se dará ao longo dos próximos meses. Na verdade, já estamos vendo agora, com o IPCA fechando o ano acima do teto da meta, em torno de 4,7%. As expectativas de inflação gradativamente vão subir e levar a um IPCA esperado em torno de 4,5% nos próximo dois anos. Como a política fiscal abandonou o barco, a política monetária agora está sozinha, no meio de uma troca de diretoria que será testada no meio da crise gerada pelo governo.

Se o BC quisesse trazer a inflação de fato para 3% em 2026, teria que levar a Selic para algo em torno de 15%. Mas isso não vai acontecer. Nossa estimativa está em 14% e essa diferença em relação ao que se terá de juros deve fazer com que o IPCA fique tateando o teto durante todo o governo Lula. No governo Dilma isso também aconteceu, mas o teto da meta era 6,5%. Para nossa sorte dessa vez, o teto da meta são dois pontos percentuais a menos.

Esse trabalho solitário do BC trará o risco de uma desaceleração mais acentuada da economia na metade final do governo. O primeiro mandato de Lula tinha um cenário internacional excelente e um superávit primário próximo de 4% do PIB. Hoje, o cenário internacional é bem pior e partirmos de um déficit primário em torno de 0,5% do PIB. Para o tamanho de dívida pública que temos hoje, que deve chegar a 80% do PIB em 2025, isso significa que precisaríamos de algo em torno de 4% do PIB de superávit primário apenas para estabilizar a dívida. Estamos muito longe do ideal para tranquilizar o mercado. Por isso, os próximos dois anos infelizmente devem ser turbulentos, mas viveremos em compasso de espera para uma mudança mais drástica do regime fiscal a partir de 2027. Se isso não acontecer, aí sim teremos um cenário bem mais complicado.

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